quinta-feira, 21 de agosto de 2025
ESTANTE DE LIVROS NA CASA DE AMIGOS DE UMA VIDA INTEIRA É O REFLEXO DE COMO FOMOS, SOMOS E SEREMOS
Estou por estes dias frequentando a casa da amiga Fátima Napolitano, pois ela cuida de encaminhar minha aposentadoria dentro dos caminhos mais viáveis possíveis. Amiga de algumas décadas, temos mais ou menos a mesma idade, estivemos ao longo de todo este tempo entrincheirados no mesmo campo de luta. Hoje, olho para meus primeiros registros lá no INPS, hoje INSS, final dos anos 70, anos 80 e atrás de nós, suas estantes e nelas, livros e discos. Enquanto a documentação vai sendo carregada e encaminhada pela via virtual, ocorre a espera tradicional, daí conversamos e me atenho a bisbilhotar sua biblioteca, ou seja, seus livros.
Este foi daqueles momentos agradabilíssimos que tive. A imensa maioria dos livros que comprei e li naquela época são os mesmos lá na estante dela. Revi cada um deles como se estivesse os vendo na minha, mantida lá no meu Mafuá. Naquele período não nos conhecíamos como hoje, mas ao bater os olhos por todos os que lá continuam em sua estante, uma só certeza, estávamos sem o contato da proximidade da militância de rua, lendo e discutindo as mesmas coisas. Quantos de nós não possuem em suas estantes os mesmos livros? Vejo que aquele ideal de vida e luta, que foi o motivo de minha vida, foram também o dela, mas não só o dela, o de toda uma geração, acreditando que um outro mundo era mais do que possível, daí o sentido da perseverança da luta.
Tínhamos um ideal em comum. Hoje com a carteira profissional nas mãos, revejo os empregos onde trabalhei e ao pegar os livros em sua biblioteca, situo onde estava quando os comprei. Passa um longo filme em minha cabeça, tudo volta à mente. Cito alguns dos títulos ali encontrados, talvez os mesmos de tantos de nós, gente que, naquele tempo, ainda de ditadura militar, estávamos ávidos por leitura libertadora e aprendizado. Foi naquele período, o da saída da adolescência, militância aflorando, ganhando algum com meus primeiros empregos, consequentemente, se iniciando na leitura de títulos e autores que faziam nossa cabeça.
“Veias abertas da América Latina”, do Eduardo Galeano; “A Doce Vida”, Fellini; “Toda Poesia”, Ferreira Gullar; “Solo de Clarineta” e “Clarissa”, Erico Verissimo; “Geração Abandonada”, Luiz Fernando Emediato; “O Rio Invisível”, Pablo Neruda; “Antologia Poética”, Carlos Drummond de Andrade; “Eros uma Vez”, Millor Fernandes; “A Metamorfose”, Franz Kafka; “A Idade da Razão”, Sartre; “Calabrar”, Ruy Guerra e Chico Buarque; “Ame e Dê Vexame”, Roberto Freire, “O Amor de Mau Humor”, Ruy Castro; “Farda Fardão Camisola de Dormir”, Jorge Amado; “A Revolução dos Bichos”, George Orwell, “Nós que amávamos tanto a Revolução”, Fernando Gabeira; “A História da Riqueza do Homem”, Leo Huberman e autores como Lenin, Lygia Fagundes Telles, Karl Marx, Florestan Fernandes, Ho Chi Min, Leonardo Boff, Mário de Andrade, Shakespeare, Tennesee Willians, Fernando Pessoa, Victor Hugo, Darwin, bruna Lombardi, Camilo Castello Branco, Kalil Gibran, Paulo Freire, Leila Diniz e outros. Estes os que consegui identificar, anotar os nomes e observar pelas fotos tiradas.
Encantadora a constatação de que, eu e Napolitano estivemos trilhando juntos, de forma paralela os mesmo caminhos, lendo a mesma coisa, se instruindo pelos mesmos caminhos. Eu tenho a máxima certeza de que, quem construiu sua vida alicerçado por isso tudo, dificilmente se deixa levar pelo canto da sereia e abandona o seu trilhar de luta na defesa dos interesses populares. Isso tudo aqui visto na estante dela é muito mais do que curso universitário. Trata-se de um Curso Intensivo de uma vida inteira. Eu, diante do que vi em sua casa, me senti na obrigação de, primeiro dar-lhe um forte e caloroso abraço, pois fazemos parte do mesmo time e depois, reafirmo, é de gente assim, com este cabedal todo que gosto de andar, ficar ao lado, tocar o barco, pois a gente sabe, a luta não terminará nunca e nela, tendo isso tudo como arcabouço, a certeza de retidão na luta. Se já gostava demais da conta dela, agora então, tô caidaço. E disse mais pra ela na despedida ontem: “Fátima, você pode deixar sua carteira sobre a mesa que dela não me interessarei, mas sua biblioteca é um risco para mim. Não me deixe sozinho diante dela, pois poderão sumir alguns dos seus livros”.
Adivinhem, sem direito a uma segunda chance, de que lado da disputa e da contenda hoje sendo desenrolada na luta política no Brasil se encontra Fátima Napolitano? Eu só ando com gente da minha LAIA.
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