ZERO - IGNÁCIO LOYOLA BRANDÃO
Está chegando o dia. Amanhã, quarta, 16/04, ele estará de volta, primeiro nos presenteando com uma palestra dentro da programação da 8ª Feira doLivro Infantil. Será na parte da manhã e é daquelas meio que imperdíveis. Mesmo tendo limitado o número de participantes, quem gosta da escrita desse araraquarense ilustre, sempre acaba dando um jeitinho de estar presente num evento como esse. Eu, que tenho muitos livros dele por aqui e o leio semanalmente na crônica no Estadão, toda sexta, estarei por lá e farei de tudo para conseguir levá-lo até a Estação da NOB (“a mais bela do interior paulista”, segundo ele). Um dos primeiros livros que li dele foi o famoso“ZERO”. Fui procurar em antigas anotações dentro desse desorganizado mafuá e encontrei algo anotado quando terminei a leitura. Estava lá, num amarelado caderno de anotações, 20/08/1979 (tinha 19 anos), um resumo, que transcrevo aqui da forma como foi escrito:
“Por que o nome Zero? O zero é um beco sem saída, mas pode ser também a solução. Zero é o início do fim, é o ciclo da vida, ao mesmo tempo que é a menção de tudo. O livro foi escrito logo após a Revolução (sic) de 64 e para quem o leu, fica fácil compreender porque foi liberado somente agora (1979) pela Censura. O autor cutuca a ferida do Governo brasileiro, mexe abertamente nos podres e isso após 64 ainda não é muito possível. A história nos dá a impressão de uma reportagem nua, corajosa até demais.Tudo se passa numa grande megalópolis (São Paulo), num país da América Latina (Brasil), subdesenvolvido, com mil e tantos problemas: repressão de um regime autoritário, impondo ao seu povo a roupa para vestir e o que comer no jantar, a previdência social, a burocracia, o esquadrão punitivo, as favelas e o desrespeito aos Direitos Humanos. Ele faz o retrato por inteiro de uma cidade, de um caldeirão fervente de raças, de um país, de um continente. Melhor que isso: de um tempo desvairado.José e Rosa, os dois personagens principais do romance, passam o tempo todo correndo atrás de algo, sem conseguirem chegar a lugar algum. Queriam, na verdade, só continuar vivendo, ou lutando para sobreviver. Nos afogamos num maremoto de situações, indo das misérias da vida urbana até a agoniante burocracia que sufoca os “latíndios”. Vibrante, envolvente do começo ao fim, não deixando que o leitor fique tranquilo até saber o final da trama. José é caçador de ratos num cinema periférico, sem muita sorte na vida, manco e morando numa livraria abandonada, junto com Átila. Lê muito. Conhece Rosa por intermédio de uma agência matrimonial, iniciam um namoro. Ela sempre foi contra o serviço de José, no Boqueirão, um recanto onde tudo que é anormal é exibido como atrativo para a população. Ele é o selecionador de atrativos do local. O local é fechado por ordem governamental, pois acharam que o povo estava se divertindo demais. Desempregado e desorientado, de arma na mão, José resolve se divertir matando gente. Muitas sem motivo aparente, pelo simples prazer de ver a cara do sujeito antes de apertar o gatilho, outros matou para roubar. Tornou-se um sujeito esquizofrênicoe perigoso. Chega a matar alguns membros do Esquadrão Punitivo (a polícia repressiva), lhe causando vários tipos de perseguições. Paralelo a isso, uma luta desenfreada ocorre entre o Governo e os “comuns” (opositores), com o aumento da repressão. Campanhas incitavam o povo latíndio a denunciar os comuns que conhecessem.
Nisso, José deixa um homem dormir em sua casa. Trata-se de Gê, líder dos Comuns. Surge uma admiração, percebendo-se sózinho e dessa forma nada conseguiria. Juntos promovem assaltos. Comentários diziam que o filho de Gê (o menimo que possuia música na barriga) está passando por perigo na favela de Vila Branca. Não o encontram, mas são convidados para conhecer a “Família”. Sem saber que família vão convivendo com toda a miséria de uma favela e seus moradores: o crioulo inglês, as tias da zona, o cavalo (pensava ser um e agia como tal) e outros tipos. O Esquadrão Punitivo começa a eliminar todas as crianças de lá para chegar no filho de Gê. A “Família” foge sem que José e Rosa a conheçam ou fiquem sabendo de algo a respeito deles. Rosa é perseguida por um bando de crioulos, aprisionada e transformada em oferenda aos deuses de uma seita. Passa por vários testes e a colocam no fundo de um poço. José, dedurado, é preso e torturado e estranhamente o deixam escapar. Rosa é obrigada a tomar poções, deixando-a fora de si, numa preparação para o “Ebó do Capeta”, quando é morta e esfacelada. José reencontra Gê e retoma a luta. O povo latíndio sendo massacrado e o governo desmentindo a imprensa internacional (a nacional calada pela censura) das acusações de tortura. José é descoberto e nunca mais ninguém teve notícia de seu paradeiro. Os comuns restantes agem cada vez mais quietos. Esse é o panorama da América Latíndia. Deus Salve a América Latíndia!”
Foi o meu relato ao ler o livro e muito bom rever isso nesse momento, quando muita coisa mudou em nosso país, mesmo assim, passadas duas décadas do fim da Ditadura Militar, é sempre muito triste ver pessoas defendendo aquilo tudo, como um tempo de paz e tranquilidade. Só mesmo tendo memória muito curta para fazer isso, ou interesses inconfessáveis. Zero foi um alerta e eu captei a mensagem.
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