domingo, 13 de abril de 2008

MEMÓRIA ORAL (29)
Publico aqui algo antigo, escrito no ano passado, mas publicado somente agora. Enquanto não retorno aos textos atuais (dei um tempo de uns 50 dias), revejo textos arquivados no mafuá. Esse merece uma leitura atenta e sem preconceitos:

A HISTÓRIA DE UM É A DE TODOS

Duas manchetes recentes na imprensa destacam fatos envolvendo "eles". Na primeira, "Justiça permite nome de mulher a travesti" (Juiz concedeu a Renata Finsk, sem cirurgia, direito de mudar nome nos documentos mesmo mantendo o gênero masculino) e no segundo, "SUS fará cirurgia para mudança de sexo" (Decisão da Justiça obriga o Ministério da Saúde a regulamentar em 30 dias o procedimento em hospitais de todo o país). O "eles" citado são, é claro, os travestis, talvez nosso maior produto de exportação nos tempos atuais, ocupando, cada vez mais o espaço que lhes é cabido, nesse emaranhado novelo denominado "sociedade brasileira".
As manchetes envolvendo o segmento homossexual, no qual os travestis estão inseridos, não param por aí. A nacional mais recente estampa que, "Parceiros de gays ganham pensão" (O Governo do Estado do RJ concedeu os primeiros quatro benefícios de pensão para parceiros de servidores homossexuais). Na local, um casamento entre um enfermeiro e um cabeleireiro ganhou as primeiras páginas dos dois jornais de Bauru. Isso tudo quer dizer uma coisa, "eles" continuam a derrubar bravamente barreiras, superar preconceitos, dando demonstrações a que vieram, sabendo muito bem lutar por seus direitos. Aliás, nada mais normal, assim como todos os outros segmentos.

Jogando tudo isso para o dia-a-dia, uma dessas pessoas, que está mais do que inserida nesse contexto do "mundo trans" é o bauruense RobertoCésar Costa, 23 anos (16/09/1983), que com esse nome não é chamado nem pelos pais, dentro da própria casa, com quem mora no jardim Nova Esperança, em Bauru SP. Ela bem representa os atos e atitudes dos travestis na cidade, que se fortalecem e mostram sua face, sem medo de uma exposição coletiva. Daniela Yasmin, ou simplesmente Dani, como é conhecida por todos, desde os tempos de escola, quando concluiu o 2ºGrau. Parou de estudar aí, para uma dedicação exclusiva no que havia decidido ser na vida: uma travesti.
Hoje, aos 23 anos, após duas experiências em São Paulo, voltou para acasa dos pais e acaba de tomar mais uma decisão em sua vida: "Vou ficar por aqui mesmo. Atendo um pedido dos meus pais, que me querem por perto, começo um curso de cabeleireira, mas não abandono os programas, tanto pelos sites, como o das ruas, pois é com eles que me mantenho". O pai, funcionário de um posto de combustível e a mãe, do lar, além de um casal de irmãos a preferem por aqui, sob a vista de todos. Nenhum deles a incentivam na continuidade da prostituição, fazendo apenas vistas grossas, jogando todas as fichas no curso recém iniciado, com a torcida para que acabe por se transformar na sua futura profissão.

Diz que acabou por se descobrir aos 9 anos, com um primo, quando não foi mais possível disfarçar: "Ali eu vi o meu destino selado. Descobri o que queria ser". Aos 15 confirmou algo que todos os colegas da escola já tinham certeza: "Me abri para todos, pois não tinha mais como esconder os trejeitos". No ano seguinte, foi a vez de sentar com os pais e numa conversa bem franca, pela boca dela própria, escancarar e buscar apoio. No início ele veio só da mãe, mas com o passar dos anos, mesmo não aceitando totalmente, o pai passou a encarar melhor a situação, pois viu que aquilo era irreversível. Com 17 anos fez seu primeiro programa nas ruas e daí em diante não parou mais.
"Desde criança me inspirei em Roberta Close e Rogéria. Fizeram minha cabeça, sendo muito admiradas por mim e por todas minhas amigas", diz Dani, voltando seus olhos para um passado não tão distante. Quando fala de seu bairro, não se esquece das muitas amigas, todas iguais a ela, que de lá saíram para o mundo: "São muitas, a Nova Esperança sempre foi um reduto de belas travestis. A Leandra ainda mora por aqui e a Letícia voltou a ser um menino por causa de um emprego. Minha melhor amiga sempre foi a Larissa, que casou com o Paulinho Cazé, dono de um blog de travestis em São Paulo. Vivem na maior felicidade. Tem muito mais gente aqui, umas quatro, fora as da vila Dutra. Travesti tem por tudo quanto é canto. A concorrência é grande". Quando fala da amiga Larissa, "a melhor de todas, uma irmã", ela se emociona, pois as maiores experiências de sua vida foram passadas ao lado dela. "Crescemos juntas e resolvemos ir juntas para São Paulo. Acabamos sendo iludidas e ficamos numa pensão onde fomos exploradas. Ganhava-se muito dinheiro, pois saímos de uma realidade, onde oprograma saia por R$ 30, para R$ 150 e R$ 200. Tudo durou um mês, viramos a mesa. A dona da pensão ficava com quase tudo, a troco de cama, comida e nosso nome num site. Abandonamos tudo e voltamos com uma mão na frente e outra atrás", conta Dani, ainda revoltada pela incompreensão do ato. Recebeu apoio de uns, que viram na atitude uma revolta contra a exploração a que eram submetidas e em outros, críticas, por saírem sem saldar todos os compromissos.
O retorno não durou muito. Foram uns poucos meses em Bauru, com poucos programas e uma vontade louca de provar para todos, serem honestas e terem condições de vencer naquela terra estranha. São Paulo é o paraíso e o destino de todas, que para lá aportam, em busca da realização financeira, serem vistas em blogs, participarem de filmes e tornarem-se famosas. Voltaram mais escoladas e não caíram novamente no conto da pensão generosa. Alugaram algo próprio e tudo deu certo.Larissa logo conheceu o Cazé e foram morar juntos. Dani experimentou a divisão de um apartamento com uma amiga, com tudo rachado meio-a-meio e só voltou pela insistência dos pais. A saudade bateu forte e depois de seis meses estava de volta: "Voltei para passar uns dias e parece que dessa vez vim para ficar".
Quando questionada sobre o futuro, diz pensar em parar, mas não sabe exatamente como e quando: "Todas querem fazer primeiro o pé de meia. Todas têm medo do futuro, mas não dá para jogar tudo para o alto. Onde vou ganhar o que ganho atualmente? Ninguém me engana fácil. Muitos se aproximam só para mamar em cima do que ganhamos. Fujo disso. Tento guardar, mas ainda não estou conseguindo". Sabe viver num mundo muito louco, cheio de perdições, contradições e desvios, todos muito perigosos: "Fiquei puta da vida quando um cliente que saia comigo, me disse que ao chegar em sua casa, a sua mulher ainda quis algo com ele. E ele foi para a cama com ela, como se fosse uma obrigação. Por que se sujeita a isso? Não gosto de gente que age assim.". Isso não é nada parecido com as ofertas para sexo sem camisinha: "Em São Paulo é normal, num programa de R$ 150, o cara te oferecer R$ 800 para fazer sem camisinha. Os do interior se cuidam mais e os da capital já vão logo querendo sem. Resisti e voltei intacta, sem doença nenhuma".
Num outro momento, fez questão de falar sobre a solidariedade que prevalece entre quase todas: "A Teca, aqui de Bauru morreu recentemente. Estava velha, sozinha e doente. Todas ajudaram no caixão, a Patrícia foi quem mais deu. Foi um enterro coletivo, onde todas morreram um pouquinho". Dani não parou para pensar seriamente no seu futuro. Seus planos não são nada mirabolantes, quer vencer na vida, ser feliz e encontrar a pessoa amada. É isso o que busca e é com esse pensamento que sai diariamente de sua casa, monta na garupa de um moto-táxi e desce numa esquina da Avenida Nações Unidas, o point mais quente de todas "elas" em Bauru. Com um vestidinho dos mais curtos, as longas pernas todas de fora, expõe seu corpo à apreciação dos futuros clientes e dificilmente volta para casa, sem antes sair com pelo menos uns três.
Diante da minha indagação sobre como se sente, ela parece não entender direito e desfere: "Eu não sou nem um pouco diferente de todas elas, nossas histórias são muito parecidas. Ouça minhas amigas e compare você mesmo. No fundo, nós só queremos ser felizes, da melhor maneira possível". Deixemo-las tentarem, sem falso moralismo e cobranças desnecessárias, pois prostituição por prostituição, tem gente que a pratica de um jeito muito mais aviltante, e nem por isso, a cobrança se faz de forma agressiva e preconceituosa. Os travestis compõem esse cenário surreal, que é o dia-a-dia de todos nós, só isso. Ao invés de causar espanto, incredulidade e indignação, ouvindo-as mais atentamente, estamos diante de pessoas, meras pessoas, disputando uma chance. Cada um a seu modo.

Henrique Perazzi de Aquino - Bauru SP, 04 de setembro de 2007.
(Oservação atualizada: As fotos 1 e 2 foram tiradas por mim ano passado e as demais fornecidas pela Dani, porém estão desatualizadas, representando uma fase, segundo, ela já superada, encerrada. A vida delas é de uma transmutação rápida demais. Fui me informar sobre como a Dani anda hoje, abril de 2008 e ela havia voltado para São Paulo, ficando mais alguns meses, tendo retornado novamente para Bauru, onde se encontra hoje. Diz não mais querer se prostituir, numa espécie de desilusão por tudo o que presenciou e faz força para fazer um curso de cabeleireira e montar um salão só seu. Para isso, conta com a juda dos pais. Está desempregada e de cabelos mais curtos, mais ao estilo de um rapaz. Ou seja, como o próprio título afirma lá em cima: a história continua sendo muito parecida com a de todas as outras e como as nossas, lutando para vencer na vida.)

6 comentários:

Anônimo disse...

LINDA ELA, NÃO?

Anônimo disse...

Estas delicias proibidas ......voçê e meu praser depois do seu....

Anônimo disse...

amo essa gata

Anônimo disse...

a dani è uma pessoa surper gente boa,converso com ela +ou-uns 2s anos por tel.DESEGO A ELA TD DE BOM,espero que ela consiga realizar o seu sonho de ter um salao de cabel.adoro ela, e 1ma pessoa tdb,um dia vou conhece-la pessoalmente.um abraço a todos da net.everton(lençois pta/sp)

Anônimo disse...

Ela è e sempre sera uma pessoa maravilhosa,a amizade que tive com a dani foi a a mais bela que já tive; desejo para ela toda a felicidade do mundo pq ela è guerreira!

Anônimo disse...

Dani, você é fantástica. Tudo de bom!