WILSON, UM DOS TANTOS INVISÍVEIS EM ALGO DE MAIS DE VINTE ANOS
Quando trabalhava numa agência bancária em Jáu, isso lá se vão mais de vinte anos, conheci certo dia voltando de ônibus de lá para Bauru, um moço muito simples, carregando uma enxada e uma pá. Viemos conversando e ele, que havia abandonado os estudos, vivia de capinar uns terrenos. Iria dormir na rua naquele dia. O encaminhei para o Albergue e no dia seguinte comecei um contato, que nunca mais terminou. Com certos espaçamentos de tempo ele ia retornando ao meu portão, lavava meu carro, comia, contava partes de sua história. Ia ajudando como podia. Casou por aqui, teve dois filhos, uma morreu, separou, voltou para Jaú, formou outra família, cuidou de chácaras, esteve nos piores empregos possíveis. Sobreviveu mal e porcamente, aos trancos e barrancos. Sempre que o reencontrava pela beira das estradas, tentava incentivá-lo a buscar algo novo e ele continuava tentando e a família aumentando. O tempo foi passando e de vez em quando ele ligando. Passei em sua casa lá em Jaú por diversas vezes, levando o que podia, desde roupas e comida. Durante uns três anos perdi o contato. Sexta passada, estava em Nova Europa e ao virar uma esquina dou de cara com "Vilson" (assim o chamo). Nos abraçamos e fez questão que fosse conhecer sua casa. A surpresa foi a casa cheia de gente, cinco filhos, a esposa e o pai doente morando com ele. A esposa conseguiu um trabalho na Prefeitura e ele conta algo de doer a alma. "Trabalhava também na Prefeitura, mas briguei com um sujeito e não podia mais vê-lo pela frente. Trombar com ele no serviço estava me inquietanto. Poderia dar fim dele ou ele em mim. Pedi a conta. O prefeito não queria me despedir, mas armei um banzé na prefeitura e sai", me conta. "E agora, como vive?", pergunto. "Com o salário da esposa, pois estou desempregado, mais duro que antes, com aluguéis atrasados, luz para ser cortada, pai alcóolatra e os filhos todos pequenos", continua seu relato. Diante dos meus problemas, sento com ele no sofá, tento entender como pode sair do emprego e ele simplesmente ri de uma forma singela e cheio de simplicidade: "Mas como poderia continuar lá com alguém querendo me matar? Não foi a primeira vez que fico na penúria". Vilson reaparece na minha vida, num momento em que pouca coisa posso fazer. Sua vida cheia de altos e baixos, anda mais desestruturada que nunca. Junto roupas, tento procurar o setor de Assistência Social daquela cidade e para minha surpresa no dia seguinte ele aparece no portão de casa. Veio de carona os mais de 120km e assim irá voltar. Ajudo novamente e ao vê-lo virar a esquina entro para dentro de casa e por alguns momentos tento entender algo um tanto insano nesse mundo, do qual nunca vou estar totalmente integrado. Wilson, ou Vilson continuará sua saga até não mais poder, lutando ao seu modo para sobreviver e eu também, ao meu modo da mesma forma, você que me lê da sua e assim por diante. Histórias assim se repetem a todo instante, uma mais trágica que a outra. Fico cada vez mais sem saber o que fazer e conseguir vislumbrar uma pequena luz no fim do túnel para uma imensa massa de desqualificados, despreparados, desajustados, os invisíveis de nossas ruas e cidades. Queria só desabafar. Desculpe aí, viu!OBS.: As tiras são do Rep e foram gileteadas do jornal diário argentino Página 12.
5 comentários:
Henrique
Você conhece a história da Rose, que foi funcionária do Sindicato da Construção Civil? É muito parecida com essa que você conta. Também pediu a conta e está desempregada, após ter pedido para ser dispensada do Sindicato?
Conhece a história?
Thiaguinho
Meu amigo Henrique!
...a fila anda, e assim como tudo nesta nossa vida: - um dia as coisas se ajeitam!
Pode ficar tranquilo, a sua parte você já fêz, e tenho certeza absoluta, de forma muito correta.
- Vamos em frente, que atrás vem gente! ...já dizia a minha avó!
Abraços!
ACPavanato
caro THIAGUINHO
Conheço a Rose e algo sobre essa história, contada a mim por ela mesmo. Realmente existe uma certa semelhança, pois ela também pediu a sua dispensa de um emprego garantido e está desempregada até hoje. Com ela não existiram brigas, me parece que uma esperança de um emprego, o que não ocorreu. É isso que queria me relatar?
caro Pavanato
Você é meu amigo e desde aqueles tempos lá do Bradesco, quando juntos viájavamos por aí, que vou acompanhando a trajetória do Wilson. Fiz mesmo a minha parte, mas sempre ficamos com uma impressão de que algo mais poderia e pode ser feito. É isso.
Um abraço do amigo do lado de cá
Henrique, direto do mafuá
Eu sei que é um saco ler tudo isto, mas mesmo assim, gostaria que vocês perdessem um tempinho para ler.
Fiquei chocada e não vislumbro saída.
Se pararmos para pensar um pouco é mais ou menos isto que acontece.
Vemos as pessoas dormindo no chão, remexendo lixo para comer e nossa reação é de indignação por ter que olhar para isto todos os dias.
E pensamos......
Cadê o governo que não faz nada?
Então, para nos sentirmos menos mal, fingimos que aquilo já faz parte do cenário da nossa cidade.
Não gostamos. Não concordamos com aquilo, mas não podemos fazer nada.
Afinal, são tantos......
Temos medo. De assalto, de morrer, de pegar alguma doença, de tanta coisa...........
O que será que passa na cabeça destas pessoas que vivem nas ruas quando olham para nós?????
O pai e a mãe que vêm e ouvem seus filhos com fome, frio e falta de dignidade todos os dias, enquanto nós ......passamos....
Passamos sempre com pressa, fazendo de conta que eles não estão lá.
Afinal nosso tempo é curto, precisamos almoçar para voltar ao trabalho,
temos que comprar algo, estudar ou qualquer outra coisa.
E assim, os dias, meses e anos vão se passando, o governo não faz nada e nós ..... também não.
A cada dia que passa vamos vendo mais pessoas morando nas ruas.
Será que um dia poderemos estar na mesma situação deles?
Não sei. Espero que não.
Pensar nisto me assusta.
Será que um dia isto vai mudar?
Também acho que não.
Quantos desses poderão ser recrutados pelo PCC?
Talvez a maioria.
Afinal, o que eles têm a perder?
Já não têm nada.
Desculpem o desabafo, mas ver, todos os dias, tanta gente morando nas ruas me machuca demais, porque me sinto muito impotente e covarde.
Gostaria de poder fazer algo, mas também não sei o que.
bjs.
WALDEREZ
Quero apenas dizer que em se tratando da Educadora vera Tamião,concordo em gênero,número e grau.Além de acompanhar o seu trabalho no sindicato,tenho o prazer de poder dizer que muito aprendi com ela.'Minha Professora' Vera Tamião.Hoje sou também educadora ,tentando seguir os passos da minha querida professora.Não é fácil mas vou continuar tentando.
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