sábado, 22 de agosto de 2009

UM AMIGO DO PEITO (29)

ARCÔNCIO, LÚCIDO E COMUNISTA AOS 94 ANOS
Arcôncio Pereira da Silva é personagem constante desse mafuá. Por uma dessas coisas inexplicáveis da vida mudou-se para São José do Rio Preto. Está afastado de sua cidade e das pessoas que gosta e aprendeu a conviver. Vive com a esposa e parentes dela longe de Bauru, mas volta com certa regularidade. Dessa vez, ambos vieram para consultas regulares aos seus médicos. Tudo bem com ele, prestes a completar 94 anos, no próximo 16 de setembro. Ontem, logo após chegar à cidade liga e pede que vá até a casa de uma sobrinha, no Jardim Redentor, queria bater um papo. Não resisti e na manhã de hoje, passei algumas horas ouvindo suas histórias. Percebo que Arcôncio tem uma vontade de colocar para fora suas histórias, muitas delas a lhe atormentar. Vou juntar tudo o que me falou num bloco só, numa costura única, demonstrando como anda seu pensamento:

"A igreja quer o povo analfabeto, pois não o quer pensando. Povo no escuro não conhece das coisas. Um vizinho aqui no Redentor me diz que a Bíblia explica tudo, tudo está no Genesis. O maior culpado do analfabetismo são as igrejas. Elas querem é tirar o dinheiro do povo. O princípio de ensinar o analfabeto elas nem pensam em fazer. O Genesis diz que o fim do mundo está aí, é inevitável. Nada disso, vejo que os cientistas ficaram tão envolvidos com o sistema capitalista que se esqueceram dos avanços. A busca do dinheiro fez o homem se esquecer de buscar mais avanços. Ele deixa de pensar. Sonhei que a ciência está afundando porque o homem não se preocupa com a natureza. Outra coisa, por que nossas cidades não se esparramam? Não tem sentido cidades pequenas ficarem subindo para cima. Apartamentos são verdadeiras prisões. Moro numa prisão, mas quero voltar a viver na terra, em casa, pisando no chão. Prédio é presídio, controle na entrada, com segurança. Eles querendo fecham as entradas e nos prendem lá dentro. Isso devia ser moderado. É o sistema do nazismo. (...) Estou dormindo vem aqueles sonhos me dizendo coisas. O problema do raio. As igrejas se reuniram e colocaram pára-raios escondidos dos fiéis. 90% não sabiam. O pobre achava que na igreja não caia raio porque eles rezavam. Isso é banditismo. (...) Digo com firmeza, conhecimento e responsabilidade. Em 500 anos não tivemos um presidente como o Lula. E não será fácil aparecer outro. Com a Dilma é difícil, ela diz que é de luta, mas a coisa se modifica. O Lula veio a entender a coisa agora no final. No começo foi meio carrasco, perdeu até o parlamento, que hoje só tem bandido. Não tem condições. Lá no Nordeste se falar mal dele apanha. Lula tem defeitos, mas os outros são piores que ele. Serra é safado. É contra nós. Ciro eu deixo de lado, o único que pode fazer frente é ele. Se for eleito, ele vai modificar alguma coisa. O Serra é pior. (...) Essa humanidade ainda elege safados como o Maluf, um bandido como o Collor. Fiquei doente ao ver o jeito dele com o Simon. Esse também tem o seu defeito, mas sempre tomou uma posição. (...) A juventude de hoje é diferente, é aquela do samba, pagode, rock. Não sou contra a diversão, mas não podemos ver só isso. Tem que variar. É necessário a revolta dos sacrificados. Não existe mais humanidade, pois se existisse, não existia tanta falcatrua".

Por fim, me conta que assim como Elias Calixto, está prestes a receber sua reparação pelas perseguições sofridas. "Minha luta é desde 49, na greve de Triagem. Quando sair, compro casa por aqui e volto para Bauru", me diz. Saio com ele para o quintal e acaba me ajudando a colher jabuticabas. A conversa acaba da seguinte forma: "Jabuticaba é uma fruta boba. Se não apanhar ela cai do pé. Quando morava na rua Padre João, 90% eu perdia. Não dava nem tempo". Sai de lá querendo mais, tanto que amanhã o apanho cedo para um passeio no Festival de Folclore, organizado por Tito Pereira. Arcôncio quer conversar, por para fora suas inquietações, em algo que flui de forma fácil e lúcida. Ele é dessas pessoas que recarregam qualquer bateria descarregada. Revigoro-me a cada reencontro.

4 comentários:

Anônimo disse...

Com este agasalho parece um líder da Revolução.
É o nosso Niemeyer.
Saudações Camarada!!!

Marcos Paulo
Comunismo em Ação

Anônimo disse...

Caríssimo Henrique
É um prazer muito grande ler os seus escritos. Sobre o velho Arcôncio Pereira da Silva, conheci-o e à família na Vila Falcão, na década de 50. Moravam na Rua Albuquerque Lins próximo à Rua Altino Arantes, vizinhos nossos. Eu era garoto mas já conhecia a "velha guarda", embora não entendesse muito bem tudo aquilo que eles faziam. Tenho registrado na memória, até hoje, uma frase pixada na Rua Campos Salles, ao lado de um açouge:Abaixo a carestia". Era pixe mesmo que ficou ali gravada por muito tempo. Era obra dos lutadores sociais de todos os tempos, inclusive do velho Arcôncio. Foi nessa época que conheci também o pai do Pedroso que trabalhava no Regulador de café, da Sorocabana, o Sr Antonio Pedroso. Outros daquela época:Gasparini, Edson Francisco da Silva, o Dr Paulo Preto, um advogado, Antenor Dias e tantos outros da velha NOB. Um dia ainda vou escrever sobre eles. Obrigado pela mensagem do Arcôncio.
Saudações socialis tas
Isaias Daibem

Anônimo disse...

Homem Fantástico! E desmente o que as pesquisas modernas dizem que religião dá saúde e longevidade rsrsrs... Fiquei curioso em saber sobre a tal luta dele. Seria uma ação judicial? Deesde 1949????? entendi direito? Abs parabens pelo blog. Chiko chikopenha@gmail.com

Anônimo disse...

gostei muito da leitura, parabens pela sensibilidade !!!

Marcelo Cavinato