segunda-feira, 30 de novembro de 2009

CENA BAURUENSE (45)

MUJICA, MARINA, PIMPA, BTC, FLAMENGO, ESSE MEU FIM DE SEMANA
Domingo de tempo nublado, fico boa parte da manhã em casa, plugado numa rádio uruguaia acompanhando a eleição naquele país, que ratifica o nome do 1º Turno, o ex-guerrilheiro tupamaro José Mujica, 74 anos. Advogado, dono de um pequena granja, homem simples, voltado para as questões sociais e sem dar muita atenção para a apresentação pessoal, nega-se a usar gravatas e vive aclamado por onde circula. Um belo sinal da continuidade dos sinais de governos populares espalhando-se por toda a América Latina. Que lindo, um presidente tupamaro e com jeitão de ser nosso avô. E por que não poderia ter continuidade também por aqui, uma vez que tudo está dando tão certo? O Brasil nunca teve uma situação como a atual. Lula recebeu o país quebrado de FHC, endividado e sem credibilidade. E circula uma falácia do PSDB, a de que tudo o que ocorreu no atual governo se deve ao governo FHC. Nunca vi coisa mais falsa. Em oito anos, somos outro país, mas existe uma turba a não reconhecer isso. Eles têm seus motivos (perderam poder e já não mandam, nem ganham como dantes). Por outro lado, Lula continua sendo aclamado mundo afora, mas aqui enfrenta problemas, causados principalmente por uma insana elite e uma facciosa mídia. O reconhecimento deu-se novamente pela mídia internacional (The Economist) e aqui pela capa da última Carta Capital, “Personagem do mundo – Lula não é só o presidente do Brasil. Ganha também aprovação planetária”.

E assim sendo, não tenho como ficar ao lado de Marina Silva (sou muito mais Dilma), hoje no PV, que sábado passou por Bauru. Não fui vê-la, nem vontade tive, pois se deixou um partido com problemas, mas com gente ainda a resistir e lutando por mudanças estruturais, está hoje num outro 100% fisiologista. Caiu dentro de um balaio desconcertado e desconexo. A ficha, se ainda não caiu, em breve estará escancarada. Sua candidatura patinará até fenecer, eis seu destino, cruel, mas fruto de uma escolha. Assim como não fui na festa do PT em Bauru, que reelegeu algo que combato (mesmo militando pelo partido), não existe empatia nenhuma com a causa do PV. Preferi fazer algo mais produtivo e de real significado. Fiquei o sábado e parte do domingo procurando meu cachorro, o Pimpa, que aos 13 anos, escapuliu pelo portão e escafedeu-se, sumiu como o vento. Vasculhamos o bairro, pregamos cartazes, batemos de casa em casa e nada. Na procura encontro no sábado, 10h, um menino abandonado, dormindo drogado meio que enfiado dentro de sua surrada camiseta. Eu a procura de meu cão e esse desgarrado de tudo, sem ninguém a procurá-lo. Do cão, ouço algo de um sábio velhote: “Seu cão, com a idade que tem e pelo amor que já recebeu de vocês, deve ter aproveitado o portão aberto e foi morrer longe, para que não percebessem seu padecimento final. Os cães fazem isso, você não sabia?”. Fico com meu filho conversando com o menino abandonado e juntos buscamos respostas para um monte de coisas inexplicáveis desses nossos tempos. A procura pelo Pimpa continua.

Nos jornais de Bauru uma reação de gente graúda contra um pedido de tombamento de uma edificação do tradicional clube da cidade, o BTC. Os motivos e justificativas estão todas baseadas num quesito muito forte para essa cidade, o dinheiro. Tudo é realizado em seu nome (um verdadeiro Deus) e quando interesses são contrariados, dá-lhe pau nos ousados a tentar impedir a ordem natural das coisas. Se "eles" assim o querem, que derrubem tudo e esqueçam de vez esse negócio de preservação histórica. Assumam o lado nefasto, mas mostrem sua face. No JC de hoje, caderno Segunda-Feira, coluna Sacadas, algo interessante sobre o assunto, com possibilidades de diálogo. Almoço um porco no rolete junto de amigos (ganhamos os vales) na Hípica e depois vou, na qualidade de corintiano, torcer para que meu time perca de pouco, favorecendo o Flamengo, contra um convencido São Paulo. E deu certo, estávamos num turma lá no Deck, o único lugar que se propôs a passar esse jogo. Fizemos uma festa e ainda por cima, presenciamos um show e tanto de samba da mais alta qualidade. Com algumas Itaipavas fazendo pressão, desmaiei cedo, pois hoje, segunda, algo de muito sério me espera: negociações com instituições bancárias. Teria que estar bem descansado e preparado para tudo (toc toc toc). Cruzo os dedos, peço para São Marx (o protetor dos sem capital) estar ao meu lado e vou à luta.

domingo, 29 de novembro de 2009

DIÁRIO DE CUBA (42)

REFLEXÕES E UMA PEÇA TEATRAL, A "LA PERICIAS", NO 16º DIA EM CUBA
Continuo meu relato do dia 22/03/2008, um sábado, em Santiago de Cuba. Passamos a parte da manhã visitando o famoso cemitério de Santa Efigênia, com túmulos famosos. Almoçamos no mesmo restaurante do dia anterior e aproveito para relembrar com o Marcos de uma foto que havia tirado pela manhã, uma livraria junto a uma sacada de uma casa e na mesma, a bandeira cubana desfraldada. Acho isso lindo e percebo essa demonstração patriótica por todos os lugares. Eles não possuem vergonha alguma de colocar os símbolos do país nas casas, escolas, lojas, hotéis, assim como o busto de Martí, também espalhado por tudo quanto é lugar. No Brasil, o verde-amarelo e a bandeira estão expostos diariamente um poucos lugares e de uma forma expressiva quando das Copas do Mundo, de quatro em quatro anos. Tirei outra foto, essa gerando boas risadas, um porco amarrado numa calçada, gordão, bonitão, lá nas imediações do cemitério. As risadas foram por não haver pedido para tirar a tal foto e sua dona não gostou muito. Percebi meu erro e na maioria das vezes, passando a tirar fotos de pessoas, pedia antes do click. Algo mais do que normal.

Rimos também de sua concentração na troca de guarda do mausoléu de Martí. Ele tão absorto, quase em êxtase e fui interrompê-lo justamente num daqueles momentos para que tirasse uma foto minha tendo ao fundo os soldados. Ele, sem virar o rosto da cena que presenciava, disse: "Agora não". E foi só, continuo em transe. Só agora, já passada a emoção, ele consegue conversar calmamente sobre o assunto. Sobre o restaurante, onde havíamos almoçado, notamos quase todas as mesas cheias e só nós e mais um casal de turistas estrangeiros. Todos os demais eram cubanos. Isso desmente o que dizem, de forma mentirosa, que eles não podem e não possuem condições de frequentar restaurantes. Podem até não representar parcela significativa da apopulação, mas os vejo em todos os lugares e nos mesmos locais que os turistas frequentam. Estamos aqui justamente para desmascarar algo mentiroso difundido no Brasil e em alguns outros lugaresdo mundo. Observei algo ontem, no mesmo restaurante, quando uma senhora pediu uma pizza, com o preço girando em torno de dois pesos, tirou de sua bolsa um yogurt, bebeu metade junto com a comida, guardou o restante, sem se preocupar com comentários. Fez e pronto. Achei lindo.

Provo a primeira cerveja Cristal ("La prefer da de Cuba") e o faço sózinho, pois Marcos vai de refresco. Descansamos no hotel e saio sózinho no meio da tarde. Quase trombo com um bêbado cruzando a rua na diagional. Os olhares de repreensão são iguais, tanto lá como cá. Me detenho diante da Taberna da Dolores, na praça central e fiquei observando por uma janela as carnes sendo manipuladas numa grande mesa de madeira, talvez um cerdo ou um porco inteiro. Fico encantado por ir descobrindo esses detalhes, muitos passando desapercebidos da maioria dos turistas. Vou parando pelas ruas e observando os gestos e a movimentação em geral, quase sempre sem procurar ser notado. Sento na praça, diante de uma fila de táxis, todos legalizados. Sei que existem os particulares, assim como as bici-táxis, com adaptações para levar até duas pessoas. Por mais interessante que possa ser, eu e o Marcos preferimos gastar nosso dinheiro em meios de transporte legalizados.

Por volta das 20h15 saio novamente só, descendo até o Teatro Calibán, tomando meu yogurt cubano pela rua. Assisto a peça "Las pericias". Uma justificativa por causa de um pequeno atraso, causado por um ator, que havia chegado naquele momento. A sala é acolhedora e lá já havia estado lá no "Mujeres". Vim no escuro, simplesmente por gostar de teatro e principalmente por não querer perder essas oportunidades, únicas e sempre muito ricas. Vim até aqui para conhecer algo novo sobre Cuba e assim procedo. A peça é humorística e se passa em pouco mais de uma hora. Uma empregada na casa de três idosas, todas recalcadas e cheias de desejos não realizados durante o transcorrer de suas vidas. Vão colocando para fora tudo aquilo que estava guardado/contido por muitos anos. Muitas famílias e jovens em grupos, compõem a eclética platéia.

Volto para o hotel por volta das 21h40 e me espanto em ver a praça diante do hotel, a La Marte, superlotada por jovens. Num dos cantos, num palco improvisado, um cantor aguçava a massa. Circulei por todos os cantos, com poucos espaços vazios e os trajes, como o de muitos jovens de várias partes do mundo. Vejo circular bebida entre alguns e cigarros. O cubano fuma muito, em todos os lugares. Uma das coisas que mais observam nos turistas é se fumam. Fico ali curtindo a música deles, com uma cervejinha na mão até bater o sono. Quando subo, lá de cima, ainda ouço o som da praça. Queria até descer novamente, subir ao andar superior, numa boate dentro do hotel, mas cai no sono. Amanhã, domingo, seria nossa despedida de Santiago e nem a mala tinha começado a arrumar. Conto isso logo mais.
ARTIGO DO JORNAL BOM DIA (49), UMA CARTA (39) E MAIS UM PRECONCEITO AO SAPO BARBUDO (19)

1 . PÉ-DE-CHINELO – texto publicado no BOM DIA, edição 28.11.2009
Outro dia, aqui nesse mesmo espaço intitulei-me de “cassandrista juramentado”, com muito orgulho e todas as honras que o termo possui. Hoje, quero anexar ao meu currículo outra titulação, também de graduado saber, só conquistada ao longo dos anos, o de “pé-de-chinelo”. Passei a fazer uso do título após ler matéria no BOM DIA (21/11), repercutindo entrevista do deputado Pedro Tobias (PSDB), dada à TV Prevê, sobre a traição de apadrinhados seus no escândalo na AHB estar respingando dentro do seu escritório político. Diante de algo incômodo, desferiu: “Não pode chegar qualquer pé-de-chinelo e denegrir sua imagem”. Esse destempero do deputado não é novidade. Diante de situações similares, explode e dá-lhe impropérios. Relembro aqui na qualidade de professor, algo envolvendo nossa classe. Na Assembléia, foi pego votando contra o professorado, que defendia em falas por aqui. Questionado via imprensa pelo diretor da Apeoesp local, Duílio Duka, acuado, não respondeu, mas cutucou: “Esse desqualificado tem várias mulheres, nem sei se paga suas pensões, um vagabundo”. Duka respondeu com elegância e luva de pelica na mão. Elogiou o deputado, ignorou a agressão pessoal e provou que a denúncia feita era verdadeira. No caso atual, achei injusto o golpe abaixo da linha da cintura, deselegante aos milhares de seus eleitores, muitos deles pés-de-chinelo, num momento onde o “pega-pra-capar” anda bravo. Não seria melhor exigir uma apuração rápida e firme, isentando-o de prováveis problemas?
PS, um breve anexo: Ontem, horário do almoço, chuva caindo, campainha toca em casa, vou atender é me surpreendo. Uma simpática professora aposentada, Enis Orti, veio até mim só para me cumprimentar pela coragem do texto. Lisonjeado fiquei a ouvir sua justificativa: “Pé-de-chinelo é o deputado, que chegou ao Brasil com uma mão na frente e outra atrás e agora se investe até contra os pobres brasileiros. Já deu o que tinha que dar”. Trocamos um forte abraço.
PS 2: Dando risada disso tudo, Duílio Duka.


2. A revista “VEJA” (não compro nem que a vaca tussa), edição da semana passada, saiu com a seguinte capa: “Lula, o mito, a fita e os fatos – Pago por empresas privadas com interesses no governo, o filme sobre a vida do presidente é um melodrama que depura a sua biografia, endeusa o político e servirá de propaganda em 2010”. Ri muito, pois tive a certeza do texto ser mais uma cria da Abril, pura obra ficcional, porém reconheceram no presidente algumas virtudes: “Lula tem uma bela história de vida (...) É um presidente da República eficiente e amado (...) Foi um líder sindical carismático e pragmático (...) A sua trajetória é de fato, dramática e admirável”. Não resisti à tentação e enviei para a revista uma carta, que como já sabia, não foi publicada na seção de Cartas da edição desta semana. Reproduzo aqui, para conhecimento e deleite de todos:

“Ao Diretor de Redação VEJA - Seção LEITOR - Adorei a matéria de capa da última Veja, "Lula, o mito, a fita e os fatos", tanto que a partir da mesma estou interessadíssimo em assistir ao filme, fato que talvez não ocorresse se não tivesse tido acesso ao texto. Com certeza o filme trará emoções, pois nunca tivemos um presidente como Lula, tão voltado para o social e com uma história de vida tão real, a cara do Brasil. E assim como li na coluna Blogsfera, o presidente anda todo pimpão e feliz: “Estou tranqüilo. A economia vai crescer bastante, o Brasil estará bem avaliado lá fora. Então, por que não elegerei a Dilma?”. Quanto a novas denúncias, elas como as demais levantadas e não comprovadas pela revista cairão no vazio. Agradeço a dica do filme. Assisto e conto a seguir para vocês. O diretor do filme também deveria agradecer a levantada de bola. Nesses momentos vocês ajudam bastante, pois a bilheteria deve bombar”.

3. A maluca história do estupro de Lula quando de sua prisão, ainda líder sindical (mais uma vez a Folha de S. Paulo) e o idiota que escreveu, Cesar Benjamim: O mesmo jornal que publicou a ficha falsa da Dilma Rousseff agora abre espaço para algo fantasioso. Na campanha presidencial de 1994, Cesar ouve uma estória, entre risos, contada numa roda, com todos cientes tratar-se de mera brincadeira. Pois o cara, passados tantos anos, antecipando o que será a eleição presidencial do próximo ano (uma sujeirama de dar gosto, na mídia mais suja ainda), reconta tudo como se aquilo fosse verdade. Não dá para acreditar na Folha de SP caindo de gaiato nisso. Eles sabiam que tudo era armação, mas mesmo assim, bancaram a publicação. Provam serem da pior espécie, pois anos atrás, quando circulava pela imprensa a história do filho bastardo de FHC, nenhum jornal publicou, pois todos estavam atrelados com o PSDB. Só a revista Caros Amigos fez reportagem sobre o assunto, sendo duramente criticada por isso. Hoje, ciente de tratar-se de uma brincadeira de Lula, publicam como se verdade fosse. Os interesses estão claros. Deixo a pergunta no ar: Dá para se ter algum tipo de credibilidade com atitudes como essa? Eu mesmo respondo, não, portanto, a Folha de SP não entra em casa nem mais para ser usada para limpar os pés e em último caso, ao lado do vaso sanitário. Deixo reproduzido algo lido no blog do Bob Fernandes, numa entrevista com o cineasta Sílvio Tendler, um dos produtores daquela campanha:

"Nesse dia, o Lula, claramente num clima de brincadeira, tava a fim de sacanear, de chocar o americano com essa história dele “seco” na prisão, todos na mesa, nós todos, sabíamos que aquilo era uma brincadeira, era gozação, sacanagem, e imaginando como seria se fosse traduzido pro cara… (...) Óbvio que era uma brincadeira, mais uma piada, mais uma gozação do Lula, nenhuma dúvida. E além disso a história, a cena toda não teve de forma alguma esse ar, essa dramaticidade que o César enfiou nesse texto melodramático. É incrível essa história… todos sabíamos que aquilo era uma brincadeira, como tantas outras feitas durante a campanha…". O que mais poderá vir pela frente na campanha a se iniciar, se já começam desse jeito? Li e assinei muito a Folha e entristecido/envergonhado constato sua situação atual, uma penúria de dar dó.
PS.: Não confundam, na 1ª foto, o crápula do Cesar e na 2ª, a cortada ao meio, o Tendler (que já esteve aqui no mafuá, numa história contada de Memória Oral). As duas ilustrações são do Bessinha e demonstram o papel atual da Folha SP, infelizmente, pois adorava ler esse jornal, isso no passado, anos 80/90.

sábado, 28 de novembro de 2009

MEMÓRIA ORAL (76)

NÓS, OS ETERNOS PÉS-DE-CHINELO
Bastou um deputado estadual aqui de Bauru, o único inclusive, Pedro Tobias, do PSDB, ser colocado na parede sobre o escândalo da AHB – Associação Hospitalar de Bauru (desvio de mais de R$ 16 milhões de reais entre apadrinhados), estar resvalando perigosamente dentro do seu escritório político, para numa tirada de pouquíssimo humor libanês explodir diante das câmeras da TV Prevê local: “Não pode chegar qualquer pé-de-chinelo e denegrir sua imagem”. Denegrir não pode, mas exigir explicações e providências, todos, inclusive os ditos pés-de-chinelo podem (e devem). E a vida anda brava para eles, ou seja, a imensa maioria da população brasileira.

Pés-de-chinelo é o que não faltam nos dias de hoje, onde a grande massa tenta sobreviver mal e porcamente, não se sabe bem nem como. Enquanto uns poucos fazem grandes negócios, na sua maioria ilegais, os do lado de cá, os sem nada, fazem das tripas coração para continuarem comendo e sobrevivendo. Li o destempero do deputado ao lado de suas pessoas em situação pra lá de crítica, num dos pontos movimentados da cidade, o cruzamento das avenidas Nações Unidas e Nuno de Assis, bem ao lado da estação rodoviária de Bauru. Passo por ali diariamente por várias vezes e me constrange observar duas pessoas constantemente circulando pela região.

Na quinta, 26/11, por volta das 17h30 quem estava por lá oferecendo revistas para colorir aos motoristas e vestido como palhaço, sua indumentária diária era Reginaldo Campanholli (me pede para não errar, “com dois eles, por favor”) da Silva, 37 anos, paulistano e radicado em Bauru pelo amor aos trilhos e às muitas composições ferroviárias aqui localizadas. “Sempre, a vida toda estive nessa vidinha de vender doces e revistas nos sinais. Nem sei nem quando comecei. Já faz tanto tempo”, me diz sobre sua forma de ganhar a vida.

Chama a atenção pela roupa colorida e as tintas no rosto, uma idéia sua para aumentar a produtividade do que revende. Vive longe do restante de sua família, num quartinho no Hotel Cariani, ao lado da estação ferroviária, pagando meros R$ 15 reais de diária e mais R$ 5 reais de almoço e outro tanto no jantar. Seu horário é uma rotina dolorosa, estando por ali, faça sol ou chuva, sempre entre 14 e 20h. “Com doce bom ganho um pouco mais, já com a revista é bem menor, mas nem sempre tenho para comprar as caixas de gomas e drops. Dia de vender revista é triste, pois luto até o fim para conseguir o dinheiro para pagar o hotel”, continua seu relato.

Já dormiu na rua e quando lhe digo sobre ser um pé-de-chinelo, concorda entristecido: “Tem dia que não agüento o desespero e antes de voltar para o hotel, sento aqui na ponte e começo a chorar, pois tudo o que ganhei terei que entregar na portaria do hotel. Se isso é ser pé-de-chinelo, sou um. Luto muito e honestamente, muita gente me conhece e buzinam para mim (um motorista de ônibus faz isso instantes depois), mas o mais triste é a indiferença e a humilhação”. Com o sinal fechado, ele de janela em janela nos carros, noto alguns fechados, outros viram o rosto, mas outros tantos compram para ajudar. Essa é a rotina do Reginaldo, que além disso fala muito de ferrovia, do gosto pelos trens (“paixão começou quando tinha dez anos”) e um assunto para uma longa e bela conversa. Carrega consigo um modelo de ferromodelismo, presente do último evento realizado na estação ferroviária, no mês de outubro.

Nisso vem surgindo lá adiante o outro personagem que avisto sempre circulando por ali. Trata-se de Denis Marques, 58 anos e jornalista autodidata, pois não possui diploma, mas exibe crachás e um número de registro da profissão. Vim ali por sua causa, pois dias atrás me cercou na rua pedindo ajuda. Queria oferecer seu serviço, talvez para assinar pequenos jornais ou revistas, numa tentativa de arrumar alguma coisa fixa, um ganho certo, pois me conta estar cada vez mais difícil ter para comprar o que comer.

Ambos se cumprimentam, se conhecem do local. Tiramos fotos juntos e ouço elogios de um para o outro. “Estou com ele direto. Tinha uma época que queria se matar, dormindo debaixo de um viaduto, num bueiro. Incentivei ele a dar a volta por cima”, me conta Denis sobre Reginaldo. A história do jornalista Denis ele me conta mostrando um crachá de um jornal, o Sintonia Sertaneja, que circulou na cidade entre 1993 até 2003. “Parei com ele e tento voltar, mas está difícil. Quero ajudar num outro jornal, qualquer um que se interessar eu assino. Antes preciso ler, para ver se não vai prejudicar ninguém. Tenho preferência por tablóides, o que eles chamam de pasquim, ou seja, os pequenos jornais. Estou na área escrita, falada e televisada desde 1982”, me relata.

Hoje vive sozinho, está divorciado, mora longe dali, no Beija Flor, indo e voltando sempre a pé, mas não abandona a roupa social e a gravata, um traje obrigatório em sua indumentária. Tenta manter uma imagem, mas acaba por relatar que sobrevive por causa dos amigos e dos irmãos da igreja, a Assembléia de Deus do Belém, que lhe deram a mão num momento dos mais difíceis. “Os bicos pintam e ajudam bastante. Essa é a minha situação e não tenho vergonha de dizer. Me prometeram um emprego na Prefeitura, na Cultura e pularam para trás, me enganaram. Ofereceram outra coisa bem diferente da que sei fazer e não tive como aceitar, tenho princípios e vergonha na cara”, conta.

Atravesso a rua com Denis, que quer tirar uma foto debaixo de uma árvore, bem na beirada do rio Bauru. De lá continuamos avistando Reginaldo no senta-levanta, a cada abrir e fechar do farol. Noto um embrulho nas mãos do Denis e ele me conta ser seu jantar, um marmitex, embrulhado num saco plástico do mercado ali do outro lado do rio. Dali a pouco o tempo irá escurecer e ele segue seu caminho até sua casa. Dou também um tchau para Reginaldo, que prefere ficar até diminuir o movimento de saída do trabalho. Viro a esquina e caio no meu mundo, não sem antes tentar entender os motivos deles não poderem nem questionar um deputado ou quem quer que seja, de atitudes um tanto esquisitas. Nós, os pés-de-chinelo dessa vida, além da invisibilidade, temos que nos manter calados, pois alguns graúdos podem não gostar.

PS.: Quem quiser se comunicar com o Reginaldo, ele possui um e-mail, acessado algumas vezes durante a semana de uma lan-house. É o romulo_7820@hotmail.com . O Denis deixou seus telefones para os contatos de prováveis interessados em seus serviços. São os números 14.30185946 e 96956743.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

UMA FRASE (43)

DOIS TEMAS, PRESENCIADOS NO MESMO LOCAL, NA ASSENAG E UMA FRASE BEM ELUCIDATIVA
1. Quinta à tarde, calor com aquele bafo vindo do asfalto, sensação térmica de 40º para mais, dou uma parada no serviço e compareço à reunião mensal e ordinária do CODEPAC, o nosso Conselho do Patrimônio Histórico. Todas as deste anos ocorreram lá na ASSENAG, aquele prédio de concreto armado, encravado atrás de um posto de gasolina na Getúlio Vargas. Chego cedo e como os conselheiros vão chegando aos poucos, me detenho em observar e fotografar uma exposição de plantas e projetos, criação e doação da ASSENAG, a Associação dos Engenheiros locais, para a Prefeitura Municipal, tudo devidamente assinado por Emerson Crivelli e Priscila Cucci.

Viajei no local vendo as amplas possibilidades criadas e expostas ali. Na primeira um projeto de Restauro da Estação Ferroviária Central. Tudo muito belo, com uma divisão do térreo contemplando opções de comércio, de lazer e cultura. O ponto negativo e muito discutível foi observar toda a gare, onde hoje existem duas plataformas (a terceira, a externa, parece será mantida) e dois túneis, transformada em um ambiente cheio de cadeiras e mesas, o tal do boulevard. Não gostei e espero ser convencido do contrário. Entendo que essa situação mereça um estudo mais aprofundado e cuidadoso, não só para não melindrar os ferroviários, alavancadores do progresso de Bauru, mas também onde se consiga contemplar tudo o que já foi proposto com o uso dos trilhos, principalmente nas atividades de turismo ferroviário. Trata-se de um projeto inicial. Essa minha contribuição, que se discuta mais (e mais).

Num segundo, o de uma Praça Paraesportiva, essa localizada na Nuno de Assis. Não sei se essa é que o vereador Roque Ferreira sugeriu, bem embaixo do viaduto João Simonetti ou é do lado de lá, numa área livre entre a avenida e residências. Gostei do que vi e ouvi que já existe até verba específica para sua implantação. Nada a contestar. Sendo o segundo projeto, aliado ao sugerido pelo Roque, de utilização de uma quadra, essa em área da antiga FEPASA, com pistas de skate e afins, todo aquele entorno teria uma bela revitalização. Torço por isso, moro nas imediações e sei o quanto é sofrível aquela região, principalmente a noite. Quanto ao cheiro do rio Bauru, espero e acredito vê-lo tratado em breve. Acreditem, em 1977, quando o Corintíans foi campeão paulista após 22 anos de jejum, as comemorações ocorreram naquela avenida. Ali era o point da cidade e eu tinha meros 17 anos.

O terceiro, talvez o mais polêmico, o da Câmara Municipal de Bauru, num local que não entendi direito, talvez lá na avenida Coube, acesso à UNESP. Explico o não entendimento. Não está certo que a Câmara será na Estação? Não se gastaria muito menos com isso? Ou esse é apenas um projeto, que já feito, está sendo meramente exposto. Tomara que não passe disso. Vejo obras muito mais urgentes e necessárias, mesmo o projeto sendo dos mais belos.

2. O outro tema presenciado foi na própria reunião do CODEPAC, com a apresentação e aprovação por unanimidade dos conselheiros presentes, pela abertura de um processo de tombamento do Bauru Tênis Clube. Comenta-se que o atual dono possuía intenções de apressar a demolição de tudo, um arrasa quarteirão. Antes que isso ocorra, a Associação dos Amigos do Museus de Bauru, presidida por mim e tendo como vice, o professor Fábio Paride Pallotta (esse ex-atleta do Tênis), encaminhamos ofício para promotoria Pública e o conselho, agilizando a abertura do processo. Não existe nenhuma intenção de frear ou impedir o progresso da cidade, como dizem as más línguas por aí. Pelo contrário, queremos isso sim, sempre, preservar a memória do rico patrimônio ainda existente na cidade. A sugestão, acatada por todos, é de que o processo tenha como alvo somente a nave central, o salão de festas, também conhecido como transatlântico, liberando todas as demais instalações. Quer dizer, a área sugerida para tombamento não ultrapassa 20% de todo o Tênis. Qualquer empreendedor mais aguçado, não se sentiria tolhido em nada diante disso, extraindo daí, amplas possibilidades. Quanto ao histórico do Tênis, percebam pelas fotos repassadas a mim pelo Pallotta, tiradas com seu celular, a rica arquitetura, que aliado a tudo o que já ocorreu naquele salão, a real necessidade dessa providência pelo tombamento.

Processo iniciado, aguardamos um amplo debate entre as partes, uma contrária e outra favorável, tudo dentro de uma discussão que deve ocorrer, com argumentos consistentes de ambos os lados. Algo que muito me entristece é um diálogo travado tempos atrás numa reunião do CODEPAC, com proprietários de um imóvel que não queriam o tombamento. Com muitas viagens ao exterior usaram esse tipo de argumento: “Veja, na Europa observamos muitos imóveis históricos, todos preservados e bem cuidados. Lá a valorização é certa e a preservação mais do que necessária. Aqui não, ninguém liga, temos que pensar no futuro do nosso imóvel e não se prender a velharias”. Lá e no dos outros, sim; aqui e no meu, nem pensar. Sair desse lugar comum é o papel que nos cabe nesse momento. No país não existe quase nenhuma mentalidade empresarial de preservação, só e unicamente a de ganhar dinheiro, negócios e mais negócios. Assim fica difícil, muito difícil.
Por fim a frase, lida hoje pela manhã no jornal BOM DIA, nas repercussões do início do tombamento, comprovando que para muitos (mas muitos mesmo), tudo não passa de um grande negócio, só isso, proferida/desferida pelo vice-presidente do Bauru Tênis Clube, Ricardo Coube: "Esse pessoal precisa arrumar serviço para fazer". Comentar o que diante de tamanha irracionalidade.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

RETRATOS DE BAURU (70)

RUTE DO AMARAL, A ELEGÂNCIA EM PESSOA
Rute Amaral é uma negra retinta, pessoa das mais simpáticas da cidade e a irradiar algo tão em falta, uma elegância natural, inerente à sua pessoa, fluindo no modo simples de tocar sua vida. Num contato rápido, algo chama a atenção, o jeito peculiar nos gestos e ações. Ao vê-la me vêem imediatamente na lembrança a imagem de duas grandes damas negras, Clementina de Jesus e Ivone Lara. São da mesma estirpe, do mesmo calibre e postura. Rute construiu essa imagem e a registrou ao longo dos anos. Veio de uma família simples da vila Seabra, trabalhando por 26 anos como doméstica, quando organizou a Associação das Empregadas Domésticas de Bauru, obtendo apoio de vereadores da época, como Isaías Daibem, Penna Jr e Rui Bertotti. Nunca deixou de militar politicamente, inicialmente no PT e depois no PMDB, sua marca registrada. Quando deixou de trabalhar para a família Salmen, prestou concurso para merendeira e foi atuar na Prefeitura, sendo a seguir cedida para trabalhar no Conselho Estadual da Comunidade Negra. Nunca abandonou suas origens e constantemente esteve ligada a ações no Clube Icaraí, além de participar de grupos de teatro amador. Em 1993, ajudou a fundar o Conselho da Condição Feminina e depois no CIAM - Centro Integrado de Atendimento a Mulher, onde atuou de forma decisiva. Sua vida toda esteve ligada a movimentos populares e sociais. Candidatou-se por três vezes à vereança (uma pelo PT e duas pelo PMDB). Aposentada, continua sendo vista nos mais diferentes lugares, sempre com a mesma disposição e elegância. Rute dignifica a luta de qualquer movimento.

PS.: Post-Scriptum. Com as fotos e o texto sobre dona Rute, minhas homenagens à Semana da Consciência Negra, encerrada no último domingo. Ela é tão elegante, que odeia fotos sem estar devidamente preparada.