quinta-feira, 12 de novembro de 2009

MEMÓRIA ORAL (75)

PANELINHAS À DOMICÍLIO
As miniaturas de panelas de pressão, feitas com as latas de cervejas e refrigerantes são muito conhecidas por aqui. Vendidas a preços bem baratinhos, muitos a compram, primeiro para prestigiar a arte de remodelar uma lata de alumínio, transformando-a artesanalmente em outros objetos e depois porque, algumas delas são muito bem feitas, obras de arte, com tampas abrindo igualzinho as verdadeiras. Vim a conhecer um desses artesões a produzir tais peças e revendê-las nos mais diferentes lugares.

Antonio Carlos Alves, 50 anos, anda pelo mundo e possui uma cor bastante morena, efeito de sol intenso tomado ao longo da vida. O que mais chama a atenção é um forte sotaque castelhano, sendo que uma das primeiras perguntas que lhe fiz foi: “De que país o senhor é?”. Rindo me diz, ser aqui mesmo do Brasil, da vizinha cidade de Pederneiras, mas que morou muitos anos no Uruguai, onde adquiriu o sotaque, nunca mais esquecido, muito menos abandonado. E passa a falar de suas andanças, Argentina, Paraguai, Chile, Colômbia, Peru e de quase todos os países da América do Sul.

Saiu cedo de casa e sobre a família, fala pouco: “Eles não gostam muito de mim e sai de casa, vindo a conhecer o mundo. Aprendi a fazer as panelas de alumínio, pois são fáceis de dobrar, fui pegando gosto e hoje gasto por volta de uns trinta minutos para aprontar cada uma”. Enquanto fala, não para de produzir mais peças, pois parado ali, sentado na sarjeta diante de minha residência, não é um pedinte. “Sou um andarilho, viajo por aí, fazendo minhas panelas e sobrevivendo disso. Deixo minha mala num local seguro e circulo pela cidade onde estou. À noite junto tudo e escolho um local seguro para dormir. Quando ganho um pouco a mais, até vou num hotel, mas durmo pelas rodoviárias da vida. Tenho também uma rede e encontrando um local seguro, durmo nela”, me diz.

Conta mais um pouco de sua história, tendo começado a peregrinação, sempre sozinho em 2003. “Não gosto de albergues e locais onde ficam amontoadas muitas pessoas, prefiro andar sozinho por aí. Cato as latas pela rua, sento num canto e vou dobrando e montando. Quando consigo uma certa quantidade, perto de umas dez, saio a vender e depois começo tudo de novo”, me diz. Vê-lo falando e trabalhando é algo interessante, pois já faz tudo meio que mecanicamente, saindo de suas mãos ásperas algo bonito e vistoso. Seus utensílios são poucos, todos bastante úteis: uma tesoura que corta alumínio fino, uma boa lima para os acabamentos, um gabarito para alguns cortes, uma colher para ajudar na modelagem, uma borracha retangular pequena, onde apóia as peças e um pedaço de fita métrica, usada para não exceder alguns cortes.

Sobre a arte de modelar as tais panelas diz: “O que muda nos vários tipos de panelinhas encontradas por aí é a montagem. A perfeição é o cuidado, o acabamento e para isso tenho um bom olho. Faço tudo no capricho. Quem compra não reclama”. O preço não tem variação, são cinco reais e não muda já faz um certo tempo. Além da panelas costuma fazer também outras peças, como um jogo de marmitas e até uma chaleira, todas com o mesmo material.

“Circulo muito e já sou bastante conhecido, ando muito de carona. Amanhã (quarta, 11/11) mesmo estarei em Pirajuí, ficando por lá mais de uma semana, fazendo suas peças na Festa do Rodeio (5ª edição da FAEPIRA) naquela cidade, como faz quase todos os anos. “Sou conhecido na BR inteira. Muitos caminhoneiros quando me vêem na beira da estrada, param logo, pois sabem que não dou trabalho e sou um bom papo. Lá em Pirajuí e em outras festas como a deles, vendo bastante. Acabo ficando lá mesmo no recinto da exposição, por lá como, bebo, faço as peças, vendo e durmo. Vou rever muitas amizades construídas nos anos anteriores”, conta ele sobre a nova viagem.

Na pressa, o deixo ali na calçada onde umas cinco panelinhas foram feitas, com ele sentado ali de cócoras, costas meio curvadas e esperando terminar sua cota, para revender ali perto, na estação rodoviária da cidade. “Um dos melhores lugares para vender aqui em Bauru é na estação rodoviária, pois circula muita gente e tem sempre aqueles que acabam levando uma de presente para alguém. Preciso vender tudo, pois preciso viajar com algum no bolso amanhã cedo”, finaliza antes de me despedir, deixando-o ali envolvido com seu trabalho de cortar, dobrar, juntar e polir. Só não comprei uma, pois já tenho uma em casa. É dessa forma que seu Antonio toca sua vida, sem grandes pretensões, deixando "a vida lhe levar”, como no famoso samba do Zeca Pagodinho. Voltei rápido para ouvir mais histórias de suas viagens, mas ele já havia sumido na curva, como poeira de estrada.

3 comentários:

Anônimo disse...

Caro Henrique.
Como sempre você nos encanta e nos faz viajar em seus textos.
Mais uma vez parabéns.
E, não se esqueça: um livro o aguarda, não nos prive deste fato.
Deste seu amigo e super fã,
Professor Toka ( que agora se prepara mental e fisicamente para enfrentar 2 super energizadas ( deve ser com z mesmo, ) quintas séries.
Até a próxima e que Deus nos abençõe.
Tk

Anônimo disse...

Oi Henrique, como vai?

Falei com Duka, que bom ter terminada bem sua jornada.
Um abraço,

luiza

P.S. só porque ia pedir uma panelinha de presente, vc perdeu o artista de vista...rs.

Anônimo disse...

Henrique
Aqui é o Alceu, de Pirajuí. Acabo de ler no Alfinete o texto sobre o homem das panelinhas. Enquanto muita gente, inclusive o jornal fica a enaltecer os figurões, você não dá ponto sem nó e só fala das pessoas menos privilegiadas. Cada história, uma mais interessante que a outra. Vou na festa hoje só para ver se encontro o artesão.