Na rotatividade do tema, nesse mês trago algo a lembrar um grande brasileiro, um que muita falta faz. Um estudioso e um amante inveterado das coisas brasileiras, DARCY RIBEIRO. Poderia me estender e falar dele coisas e mais coisas, todas de cabeça, como da vez que fugiu de um hospital, pois queria morrer em sua casa e assim o fez, vindo ainda a passear descalço por praias e ao lado de mulheres (sempre elas), mesmo debilitado. Darcy entendia de Brasil e ao lado de outro grande brasileiro, Leonel Brizola, realizou um sonho educacional dos mais vigorosos, o do CIEPs carioca. Algo visto com respeito até hoje, mas desmobilizado já no governo seguinte, pois tudo o que é bem feito por um, para que não fique com a pecha deste, o que entra, faz questão de desmontar tudo e iniciar algo novo, com a sua cara. Isso se repete no Brasil, como praga. E assim o CIEPs teve fim e a educação carioca feneceu e padece até hoje. Darcy por Darcy é o que vos apresento, com trechos extraídos de uma entrevista sua:
"Encaro os brasileiros como uns latinos tardios de além-mar, amorenados na fusão com brancos e com pretos, deculturados das tradições de suas matrizes ancestrais, mas carregando sobrevivências delas que ajudam a nos contrastar tanto com os lusitanos"
"O momento de nos percebermos brasileiros se dá quando milhões de pessoas passam a se ver não como oriundas dos índios de certa tribo, nem africanos tribais ou genéricos, porque daquilo haviam saído, e muito menos como portugueses metropolitanos ou crioulos, e a se sentir soltas e desafiadas a construir-se, a partir das rejeições que sofriam, com nova identidade étnico-nacional, a de brasileiros"
"Critico os que acusam os brasileiros de preguiçosos e indolência (herança dos índios). Tudo isto é duvidoso demais frente ao fato do que aqui se fez. E se fez muito, como a construção de toda uma civilização urbana nos séculos de vida colonial, incomparavelmente mais pujante e mais brilhante do que aquilo que se verificou na América do Norte, por exemplo. A questão que se põe é por que eles, tão pobres e atrasados, rezando em suas igrejas de tábua, sem destaque em qualquer área de criatividade cultural, ascenderam plenamente à civilização industrial, enquanto nós mergulhávamos no atraso"
"O momento de nos percebermos brasileiros se dá quando milhões de pessoas passam a se ver não como oriundas dos índios de certa tribo, nem africanos tribais ou genéricos, porque daquilo haviam saído, e muito menos como portugueses metropolitanos ou crioulos, e a se sentir soltas e desafiadas a construir-se, a partir das rejeições que sofriam, com nova identidade étnico-nacional, a de brasileiros"
"Critico os que acusam os brasileiros de preguiçosos e indolência (herança dos índios). Tudo isto é duvidoso demais frente ao fato do que aqui se fez. E se fez muito, como a construção de toda uma civilização urbana nos séculos de vida colonial, incomparavelmente mais pujante e mais brilhante do que aquilo que se verificou na América do Norte, por exemplo. A questão que se põe é por que eles, tão pobres e atrasados, rezando em suas igrejas de tábua, sem destaque em qualquer área de criatividade cultural, ascenderam plenamente à civilização industrial, enquanto nós mergulhávamos no atraso"
"Na verdade das coisas, o que somos é a nova Roma. Uma Roma tardia e tropical. O Brasil é já a maior das nações neolatinas, pela magnitude populacional, e começa a sê-lo também por sua criatividade artística e cultural. Precisa agora sê-lo no domínio da tecnologia da futura civilização, para se fazer uma potência econômica, de progresso auto sustentado. Estamos nos construindo na luta para florescer amanhã como uma nova civilização, mestiça e tropical, orgulhosa de si mesma. Mais alegre, porque mais sofrida. Melhor, porque incorpora em si mais humanidades. Mais generosa, porque aberta à convivência com todas as raças e todas as culturas e porque assentada na mais bela e luminosa província da terra"
"Portanto, não se iluda comigo, leitor. Além de antropólogo sou homem de fé e de partido. Faço política e faço ciência movido por razões éticas e por um profundo patriotismo. Não procure, aqui, análises isentas. Este é um livro que quer ser participante, que inspira a influir sobre as pessoas, que aspira a ajudar o Brasil a encontrar-se a si mesmo" (O Povo Brasileiro)
"Esse é o caso do culto a Iemanjá, que em poucos anos transformou-se completamente. Essa entidade negra, que se cultuava a 2 de fevereiro na Bahia, foi arrastada pelos negros do Rio de Janeiro para 31 de dezembro. Com isso aposentamos o velho e ridículo Papai Noel, barbado, comendo frutas européias secas, arrastado num carro puxado por veados. Em seu lugar, surge, depois da Grécia, a primeira santa que fode. A Iemanjá não se vai pedir a cura do câncer ou da Aids, pede-se um amante carinhoso e que o marido não bata tanto"
"Gostaria de ficar na memória das pessoas pedindo que sejam mais brasileiras. Digam que me amam porque eu amo vocês. Eu quero é agora"
"Esse é o caso do culto a Iemanjá, que em poucos anos transformou-se completamente. Essa entidade negra, que se cultuava a 2 de fevereiro na Bahia, foi arrastada pelos negros do Rio de Janeiro para 31 de dezembro. Com isso aposentamos o velho e ridículo Papai Noel, barbado, comendo frutas européias secas, arrastado num carro puxado por veados. Em seu lugar, surge, depois da Grécia, a primeira santa que fode. A Iemanjá não se vai pedir a cura do câncer ou da Aids, pede-se um amante carinhoso e que o marido não bata tanto"
"Gostaria de ficar na memória das pessoas pedindo que sejam mais brasileiras. Digam que me amam porque eu amo vocês. Eu quero é agora"
Tenho aqui comigo no mafuá, talvez o livro mais saboroso desse mineiro de Montes Claros, uma retrospectiva do Brasil, ano a ano, de 1900 a 1980, o "Aos Trancos e Barrancos - Como o Brasil deu no que deu". Quando estou meio pra baixo (como agora) busco refúgio na escrita de Darcy e isso me revigora. O livro possui um furo, bem no meio, de fora a fora, feito por um cupim. Tirei o bicho e continuo com o livro, agora refrigerado com esse artefato, derivado do improviso tupiniquim. Dele e extraído do livro, algo nunca mais esquecido: "Se discorda da interpretação, não esquente a cabeça, me desculpe, esqueça, ou escreva você mesmo sua própria versão: lerei encantado. (...) Minha versão dos fatos seguramente, desagradrá certa gente, assim como agradará a outra, o que me alegra muito. Detestaria ser um desses que não cheiram nem fedem".
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