MEMÓRIA ORAL (103)
CRÔNICA DE UMA MORTE ANUNCIADA
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A saga hoje aqui relatada é a minha e de mais 499 bauruenses, que no último domingo, 18/04/2011, viajamos de Bauru a Itu, para tentar empurrar um time de futebol, o Esporte Clube Noroeste, aqui da nossa aldeia, numa tentativa tresloucada para escapar do rebaixamento, na última rodada do Paulistão de Futebol 2011, fato esse que o levaria para a segunda divisão ou o faria continuar
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navegando junto aos times mais vistos e bem pagos do estado. Um domingo de festa, tendo início na feira dominical, desfile junto da Maria Fumaça Noroestina do artesão Chico Cardoso a unir os vermelhinhos na rua.
O título utilizado nesse texto é dos mais propícios e cópia assumida de livro de Gabriel Gárcia Marquez, um colombiano a escrever como poucos, retratando as agruras de um povo enganado e tripudiado a séculos, cheio de crenças e acreditando, como nós daqui, em milagres terrestres, sem querer enxergar algo muito sórdido, oculto pelos bastidores
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de vis negócios. Negócios esses embutidos em tudo o que se faz por aqui, seja futebol, trabalho, vida pessoal, passos na esquina, afinal, vivemos num mundo onde o senhor é o capital. Eu, amante de futebol, pareço não ter entendido que ele não é mais feito como antigamente, com romantismo e amor a camisa. Hoje é mais um lucrativo negócio,
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“brincadeira de gente grande”, como dizem alguns, “para poucos”, complementaria outros. Eu ainda amo o time da minha cidade, por ele perco o sono, a calma e até as estribeiras. E faço loucuras.
Não sou o único nisso, pois noto a existência de uma legião, pequena por sinal, de abnegados noroestinos que pensam e agem i
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guaiszinhos a mim. Acredito que o grupo esteja em torno de umas mil pessoas. Não querem saber do que acontece nos bastidores, como a coisa se processa, querem é continuar tendo um lugar para se distrair, passar alguns momentos de envolvimento com algo que gostam de verdade, no caso o futebol. Faço isso desde a me conhecer por gente e acredito não mudarei enquanto viver. Esse ano a coisa foi sofrível, o time
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não se deu bem desde a primeira rodada, um desencontro atrás de outro e a esperança sendo renovada a cada rodada. “Na próxima ganharemos”, era o lema de todos. Isso não vingou e desencadeou que na última rodada, além da necessidade de ganharmos o jogo, teríamos de contar com uma sucessão de resultados para escapar da degola. E se não deu certo no campeonato inteiro, por que deveria dar agora?
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Adrenalina a mil, todos mais do que cientes de que o time não foi nada confiável em 18 jogos, mas tentando acreditar no lema de que a “esperança é a última que morre”. Isso justamente na última rodada, a 19. Entramos numa barca muito em moda nessas ocasiões. Um ex-presidente do clube, Cláudio Amantini, associado a alguns empresários, paga transporte
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e entrada para 500 torcedores deslocarem-se quase 300 km daqui e dar a f
orça final para o time. Não deu nem tempo de discutir como isso foi feito, o fato é essa legião acabou gostando da idéia e na manhã do último domingo, todos na sede na única torcida organizada, a Sangue Rubro, lugar garantido com reserva antecipada e o embarque no denominado “trem da alegria” (trem, aliás, é o símbolo do time).
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Os torcedores vão chegando dos mais diferentes lugares, todos com as cores vermelho e branco, estampas da torcida e do time no peito, numa festa na rua. Amantini acompanha o embarque, Renato Alves e Pavanello, da torcida organizada idem, correndo para que ninguém se atrase e todos cheguem com tempo de folga em Itu. “Estarão nos esperando na entrada da cidade, o pessoal da Polícia Militar fará uma revista e escolta até o local pré-determinado no
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estádio”, me diz Pavanello. Escolho um dos ônibus e junto de Aldo Wellichan, munido do mesmo espírito, embarcamos na viagem. Problema mecânico logo nos primeiros 40 km, resolvido com a troca do ônibus, com 30 minutos de atraso, recuperados na parada e reencontro com o resto do comboio. Lanche rápido, enxame coletivo, barrigas devidamente cheias e o restante do trecho com cantorias mil dentro de todos os ônibus. Alegria incontida, talvez a esconder apreensão que acometia a todos, mesmo sem se fazer n
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otar.
Na chegada outro pequeno desajuste. Justo o ônibus em que me encontrava perdeu-se do grupo e adentra isolado a cidade. Da apreensão inicial, pois estaríamos à mercê de torcedores do time adversário, tudo certo e a chegada até antecipada no estádio. Palavras duras de um comandante da PM, dizendo-se ser o dono do pedaço e ditando regras. Na entrada, duas pessoas já designadas para entrega dos
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ingressos, revista feita e um amplo local para a torcida bauruense. O time adversário, dois pontos abaixo de nós, padece dos mesmos problemas e tenta se safar da degola, precisando ganhar a todo custo. A torcida, mesmo com preços reduzidos não comparece em bom número e após o reencontro com muita gente conhecida de
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Bauru, abraços mil, troca de informações, abraços e dedinhos cruzados, o jogo vai começar.
Bandeirona desfraldada sob a torcida, batuque bem organizado, balões de gás voando, o time vem agradecer a presença da torcida, mas ao começar o jogo a ficha começa a cair para todos. A apatia de todos os outros jogos se repete ali, justamente num dia onde o coração precisaria estar na ponta das chuteiras. Com o passar do tempo, uma única e decisiva chance de gol
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perdida e fisionomias mudando na face de todos. O time não correspondia novamente e assim se sucedeu. Toma um gol no primeiro tempo, outro num pênalti duvidoso no segundo tempo, o craque do time jogando vinte minutos e sendo expulso e nada mais a fazer do que o resignado entendimento de que tudo não passou de um sonho. E ele estava desfeito.
O Ituano, o adversário escapa do rebaixamento na “bacia das almas”, contando, além da vitória ali conquistada, com a vitória de um outro time.
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Para eles, festa, invasão de campo e alegria, para nós, tristeza e nada mais. Olhares incrédulos para o campo, fixos num horizonte distante e inatingível, incertezas sobre o futuro e agora o voltar para casa. Não vejo manifestações contundentes por algo que deveria ter sido conquistado e não o foi. Pelo contrário, todos ali parecem já previam que o que aconteceria e não deu outra, foi o que ocorreu, sem tirar nem por.
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Lamentações, histórias revividas de pontos que poderiam ter sido ganhos, os craques que desapontaram, os dirigentes ineptos, o dono da grana que não dá ouvidos à cidade e um time que cai. Da festa da vinda, uma tristeza tão encruada em todos, permitindo até uma soneca sem sobressaltos para quem desejasse assim fazê-lo. Despedidas melancólicas e a promessa de reencontro em algum torneio que porventura aconteça no segundo
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semestre. Falar o que mais?
Assentar a poeira, ver como é que fica, aguardar o algo novo, rescaldo disso tudo são as frases mais ouvidas nesse momento. Opiniões lúcidas de todos que acompanharam o time durante o campeonato todo, unânimes em afirmar que tudo começou errado, um grupo empresarial agindo em
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desacordo com os interesses da cidade, um dono prepotente e sem querer dar ouvidos aos torcedores e aos clamores de gente que entende do riscado e prenunciavam os erros. É triste ficar de fora do banquete dos melhores, do grupo de elite (mas você não é contra a elite? - sic), mas por aqui algo a mair precisa ser pensado e definido: Qual o Noroeste que queremos? Um com dinheiro no caixa e sem identidade com a cidade ou um com gente daqui, grupo com menos recursos, mas dando atenção para interesses que não os do time? E quem poderia representar esse algo novo para o Noroeste? E se Damião puxar o carro? Incertezas que ninguém ainda possui as respostas.
8 comentários:
Henrique, a ficha tem que cair logo, o capital acabou com o futebol, vc sabe o quanto gosto desta arte, mas já era, hj é um meio de empresarios lavarem dinheiro e isso, essa exploração acabou com a arte, jovens jogadores desde cedo a merce desses caras, não há estrutura que aguenta isso, não podemos deixar uma paixão virar fundamentalismo e entrar nessas barcas furadas de pessoas que só se aproveitam do futebol e ferram com ele.
Porque olha meu amigo, pegar um domingão de calor pra ir a Itu, onibus quebrando, policial folgado, futebol inexistente, time rebaixado, e tudo isso bancado por empresários usurpadores da cidade e com interesses tb futebolisticos de negocios é pra entrar num capitulo do "Mundo Bizarro".
Marcos Paulo
Comunismo em Ação
Henrique
A saga noroestina continua.
O que será feito desse time?
Você mesmo diz aqui sempre que clube não existe mais, que hoje é só um time, mas e daí, faremos o que daqui para frente?
Existe alguma possibilidade de ainda ser praticado um esporte sem esse interesse todo que o amigo aí de cima comentou? Como tocar um clube com todos os seus altos gastos sem pessoas a investirem pesado nesse "negócio"? Qual a saída? Alguém aí sabe...
Lembra da frase: Ruim com o Damião, pior sem ele.
André Ramos
Grande Henrique, como palmeirense estou empenhado numa nova campanha: "Família Garcia - Corinthians 2011 - Rebaixou o Norusca duas vezes, quem sabe não rebaixa de novo o Curíntia". Abraço,
Guto
Caro André, a questão é bem mais em baixo, ela é uma questão de ordem social, esporte como massa de manobra, fundamentalista, usada para corrupção, destruição da arte, lavagem de dinheiro, estou totalmente contra isso. Tenho ojeriza a essa coisa malufista do rouba mais faz, ruim com ele pior sem ele, é assinar a corrupção, enquanto muitos como vc sofrem pelo time, gastam dinheiro, são pessimamente recebidos no estadio pra ver um bando de pernas de pau, os barões estão enchendo os bolsos e levando dinheiro, se acha isso normal, bacana, então bata palmas ao Damião e cia, eu não.
Alias o Damião é bom nos negocios, mas mostra um incompetente para montar um time ao menos "razoavelzinho".
Marcos Paulo
Comunismo em Ação
Meu querido primo, como dói ver nosso velho e querido Norusca, na segundona......
Mas já era previsto, a incompetência predominou.
Mas... nós não desistimos NUNCA.. somos sempre NOROESTE.
Antonio Eduardo Lopes
Centro de Operações Packaged-Bauru-SP
White Martins Gases Ind. Ltda
Henrique,caimos pra A-2 mais uma vez...Eu ja perdi a contas de quantas vezes ja estivemos la. O Norusca e recordista de descenso no campeonato paulista. Alias enquanto os Garcias estiverem no comando do Norusca so tamaremos ferro.O clube virou um meio de lavagem de dinheiro e o time em campo tem sido um fiasco nas maos deste pessoal. Bonita cobertura feita por voce la em Itu.So foi uma pena o sofrimento da torcida. Abracos.
valeu grande amigo henrique pela matéria, a luta é essa mesmo fizemos e sempre faremos a nossa parte, o norusca nunca vai acabar estaremos onde ele estiver, a luta continua, um dia os incompetente não estarão mais por aqui e o clube voltará a ser nosso dos bauruenses, como eu voce e demais, valeu pela sua companhia e do aldo, breve estaremos novamente juntos, como disse a luta continua.
HENRICÃO
Um dia viraremos essa mesa.
Essa torcida é mesmo muito boa.
Viu só que legal a contoria do hino. é de arrepiar. Amamos esse time e os que estão lá no comando nem tanto.
Vamos nos ver em breve. No segundo semestre tem o reencontro onde justamos os cacos.
Paulinho
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