quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

OS QUE FAZEM FALTA e OS QUE SOBRARAM (42)

DUAS HISTORINHAS DO COTIDIANO CARIOCA - EM CADA ESQUINA UMA NOVA
Começo meu diário texto com algo que li num livro terminado por esses dias sobre a obra do escritor JOÃO ANTONIO, um cronista do submundo da marginália. Esse sabia como ninguém retratar os mais simples, os tipos comuns da rua, aqueles cujos muitos menosprezam e acreditam nada terem de relevante para ser descrito, mas possuem em cada passo um algo novo, uma descrição merecedora de atenção e destaque. É o que tento fazer, é o que gosto de fazer e é o que farei cada vez mais daqui para frente. Sempre inspirado em João do Rio, Lima Barreto, João Antonio e Plínio Marcos. Nesse ano tudo o que encontrar pela frente desses autores é o que estarei lendo. Esses dois relatos têm muito desses autores, vivência dos personagens das ruas. Essas histórias, as dos mais simples são as que me interessam.

1.) Pego o metrô na estação Saenz Pena, coração tijucano, destino Copacabana. Quando estamos pela altura da Glória, eis que adentra o vagão onde me encontro um grupo de jovens e começam um som dos mais degustáveis. No metrô qualquer tipo de som e venda de produtos é terminantemente proibida e eles fazem tudo escondidinho, quase na moita, o que me encanta. Achegam-se no meio do vagão, abrem a capa de um violão e a deixam aberta no chão, como que se oferecendo para receber trocados dos que gostarem do que vão ouvir e ver. Com um cavaquinho, um violão, um pandeiro os quatro garotos, todos músicos iniciam uma harmônica sessão musical, só com clássicos do cancioneiro popular. MPB da melhor qualidade e com algum vocal. São tão atenciosos que, na passagem pelas próximas estações, Flamengo e Botafogo, param com tudo e só voltam para o concerto com o trem em movimento. Encerram cada apresentação musical com muitas palmas e um deles, após tocarem umas três, saca do pandeiro e sai colhendo contribuições entre os passageiros. Não resisto, saio do meu canto lá nos fundos do vagão e vou para perto deles. Dou minha modesta contribuição e tiro fotos deles todos. Vejo que a grande maioria dos passageiros aprova o ato com palavras de incentivo. Esses atos, pequenos enfrentamentos à ordem estabelecida, às leis do metrô, são transgressões mais do que salutares e necessárias. Juntam várias coisas numa só, o arroubo junevil, a necessidade material ali exposta e mostram uma produção de valor. Vibro com gente que ainda se predispõem a fazer algo nesse sentido, pequenas ações que sejam, para mostrar e ousar, além da evidente necessidade de levantarem algum, pequenas quantias servindo para sobrevivência urbana. Descem em Copacabana e os acompanho com os olhos, quando se dirigem para o retorno interno dentro da estação, procurando retornar agora no sentido contrário, contrariando e burlando mandamentos e imposições, mostrando um bocadinho do trabalho e de algo que estão aprendendo e muito bem, tocar Música Popular Brasileira. Vibrei e me deu uma danada vontade de segui-los pelos caminhos subterrâneos do metrô carioca.

2.) No segundo momento, ontem à tarde, saio de um cliente e resolvo descer a pé da região do Sambódromo, perto do edifício Balança Mais Não Cai até o centro do Rio. Perto da praça da República, rua Vinte de Abril, nº 28 – loja C, num quarteirão todo dominado pelo intenso movimento de ônibus urbanos, gases senso expelidos em grande quantidade, pó espalhado nas vitrines das lojas, me deparo com uma pequena lojinha, nada mais que uns três metros de frente por um cinco de comprimento, com um produto que muito me atrai, CDs, é a RARITY MUSIC. Não resisto e adentro o referido local, reviro tudo, sujo muito às mãos no pó acumulado nos plásticos a envolver os CDs e separo alguns. Vou conhecer o proprietário, Pedro, um senhor de uns 60 anos, que me diz trabalhar com música sua vida toda, não sabendo fazer outra coisa. Digo ser ele um verdadeiro “Herói da Resistência”, conseguindo manter um comércio aberto com algo onde muitos foram praticamente obrigados a fecharam as portas. Fico encantado pelas novidades, qualidade do que vende, preços convidativos e ele me diz ter sido no passado representante de gravadoras variadas, viajado país afora (conhece Bauru e região) e que com os problemas todos com o mercado do que produz, foi perdendo empregos, mas não conseguindo se desvencilhar do produto música. A pequena loja lhe satisfaz, compra pequenas coleções e algo novo, troca muito e se mantém com uma clientela que vem de longe. Diz ter recebido gente de Vitória ES no sábado passado e acredito, pois se existirem ainda por aí muitos como eu, colecionadores inveterados, esses lugares nunca fecharão suas portas. Em cada cidade que viajo, procuro algum lugar para comprar meus CDs e qualquer dia desses escrevo aqui dos muitos lugares a resistir por aí. Esse do veterano Pedro é um desses, um pequeno tesouro escondido no meio de um amontoado de lojas deserviços. O encantamento é por perceber que enquanto muitos no centro do Rio fecharam suas portas, ele resiste e consegue se manter, num espaço diminuto, mas em pleno funcionamento. Isso é um encanto e ele um poço de histórias.

Aqui nesse mafuento espaço o que estará sempre em evidência são as histórias dos mais simples, resistentes, quase esquecidos, porém valorosos. A eles todos, meu reconhecimento, sempre.

5 comentários:

Anônimo disse...

Henrique

Você pode até não acreditar, mas ao ver seu texto aqui hoje no blog, olhei para a foto do Pedro, lojista de CD e o reconheci de cara. Esse senhor, como ele mesmo te diz está nesse ramo faz muito tempo. O conheci décadas atrás e não sabia dessa loja, tão perto de onde eu moro.

Esse mundo é mesmo incrível, pois precisou você ter vindo lá de Bauru, para descobrir o cara, publicar no seu blog e eu aqui tão pertinho dele, descobrir seu paradeiro.

Vou lá comprar CD, bater papo e depois de conto

Pasqual - RJ

Anônimo disse...

É hoje pessoal, o primeiro Baile Seresta do ano
começando às 21:00 indo até às 02:00 da madrugada,
no Clube dos Cabos & Soldados da Rua Alves Seabra,
com a mesa e o estacionamento para a sua caranga,
de quebra, totalmente gratuito. O grande baile será
abrilhantado pela banda do Renildo.
Você vai perder essa Pé de Varsa? (Aldo Wellichan)

Anônimo disse...

Não sabia que estavas aposentado guri.

Mafuá do HPA disse...

Falta muito coroa.
Trabalho e muito, venho aqui onde estou para isso e nas horas vagas escrevinho.
Concilio trabalho e lazer, vida dura com boêmia. É a forma de viver que escolhi. Aos 52 não mudo mais, não vim aqui para enricar, ludibriar pessoas, vim para tentar usufruir deste cruel mundo. tento...

Abracitos do Henrique - direto do seu mafuá carioca

Anônimo disse...

caro Henrique

E quem nos contariam essas histórias dos mais simples,dos menos favorecidos, dos renegados, dos postergados, dos bestializados, dos desencontrados, dos desvalidos... Alguém precisa fazê-lo e você o faz maravilhosamente. Imagino lendo algo seu só nesse sentido, as histórias desses todos, desde o mais marginalizado ao que está conseguindo superar a marginalidade, ao sobrevivente, ao que encontrou a luz, o esforço e também aquele que mesmo estando do lado infeliz, discursa como se estivesse do outro lado, faz da boca para fora o discurso do patrão. Vejo nos seus escritos todos esses escritos e gosto muito. Vejo neles uma Bauru que não encontro em nenhum outro lugar, por isso quando leio histórias como essas, mesmo de gente de longe, percebo aí o seu lado mais pungente, algo latente em ti. Queria te elogiar e o faço agora.

Um abracito, como sempre escreve, do Paulo Lima