O OVO DA SERPENTE, DE INGMAR BERGMAN E ALGO EM CURSO AQUI E ACOLÁ
Essa denominação de “ovo da serpente” nasceu aí nesse período do enfoque do livro, por volta do começo dos anos 20 (no livro 1923), com a degradação do estado alemão, propiciando o nascimento do nazismo. O surgimento de uma geração de párias, vivendo de migalhas foi o estopim para que Hitler os usasse para fazer valer o que tinha em mente. No livro a vida cotidiana, a luta desesperada pela sobrevivência de um judeu, Abel (David Carradine) e de uma cantora de cabaré, Manuel (Liv Ulmann) é o pano de fundo desse roteiro, sendo transformado em filme. Mostra claramente como algo de muito ruim quando não abortado no nascedouro pode se transformar num monstro. Isso serve para explicar muito coisa, talvez até algumas em curso, aqui e acolá. Eu não me presto a defender conceitos e argumentos conservadores, retrógrados e das classes sociais mais abastadas, pois o que eles querem não é o que eu quero. Essa briga toda travada aqui e em muitas trincheiras espalhadas por aí sempre é uma espécie de luta para que não nasça o que está sendo chocado em vários ovos plantados por quem só pensa em benefícios próprios, tirar vantagens para si e não olha nem um bocadinho para as necessidades e anseios da imensa massa de excluídos mundo afora. Sintam a força das frases e tentem por alguns instantes se colocar no lugar daqueles que lá estiveram:
- “Se você já não estiver mortalmente paralisado é provável que prefira realizar as suas artes circenses no Polo Sul ao invés de aqui em Berlim, quando o medo dos humildes se transformar em fúria”.
- “A cidade de Berlim se prepara para o novo dia (...). Esta cidade desgastada e pobre, povoada por uma multidão que está acordando para um renovado desespero, renovada angústia, renovadas tentativas de sobrevivência”.
- “Os judeus estão com a mão no dinheiro e enganam as pessoas simples com o peso dele. Eles estão esparramados pelo mundo inteiro, numa confraria, e ajuntam para si todo o dinheiro que pessoas simples trabalharam e juntaram para ganhar. E como são os judeus que puseram a mão em todo o dinheiro que existe, então são eles que decidem. Todas as pessoas simples são escravas dos judeus. Pessoas ordinárias, gentis e honestas são enganadas por eles. Por fim, essas pessoas ficam enlouquecidas de desespero e começam a odiá-los. É fácil de compreender. Tão logo uma dessas pessoas vê um judeu, ela sente vontade de mata-lo. Isso também é fácil de compreender. Até eu que sou judeu, posso compreendê-lo. Os judeus são um veneno, algo de anormal e doentio que deveria ser erradicado. Berlim está irrespirável de judeus – homens, mulheres e crianças. Frau, ali ao lado, é judia. (...) Somos ambos judeus e nos odiamos mutuamente e nos exploramos mutuamente e amanhã poderá aparecer alguém que nos mate os dois para ser aplaudido por isso. Sou um judeu que tem a consciência pesada. Talvez seja mesmo verdade aquilo de que nos acusam. Bem lá no fundo0, há um foco doente que manda para fora sinais contra os quais não posso defender-me. E, então, irei até um grande e idiótico policial alemão e direi: tenha a bondade de espancar-me, maltratar-me, punir-me, talvez seja necessário matar-me. Mas puna-me, finalmente, para que eu possa livrar-me dessa angústia que me suplicia die e noite, espanca-me tão fortemente que doa fundo, mas ainda assim talvez não venha a doer nem a metade do que me dói essa maldade que sou obrigado a carregar e suportar dia entra, dia sai. E agora que você me ouviu falar desta maneira, então compreenderá que sou exatamente um judeu tão perverso quanto qualquer judeu deve ser”, Abel, num desabafo para Manuela.
- “As pesadas e depredadas massas de edifícios congelam na falta de aquecimento, cheias de criaturas adormecidas, acordadas, chorosas, trêmulas e angustiadas. Casernas, fábricas, igrejas, estações de estrada de ferro, escolas, ruas infindáveis, monumentos, cemitérios, tudo treme de frio ao impacto do vento gelado”.
- “Nesta manhã não há mais leite em Berlim, muitas lojas de comestíveis fecharam suas portas por falta do que vender, o marco alemão praticamentedeixou de existir – considera-se apenas o peso de suas cédulas e não se presta mais atenção ao valor impresso. Apesar disso as pessoas comparecem ao trabalho. As sirenas das fábricas tocam, os bondes e os trens arrastam-se através de uma nuvem de chuva, indignados gerentes despedem infelizes empregados que chegaram com atraso, colegiais dormitam, donas de casa lavam o chão e as suas despensas vazias, policiais patrulham, homens de negócio fazem negócios, prostitutas se prostituem, atores ensaiam, orquestras sinfônicas se exercitam, coveiros cavam sepulturas, soldados fazem manobras e médicos diagnosticam, quando não estão operando. Nascem centenas de crianças em Berlim e um número bem, menor de pessoas morre. O medo ergue-se do asfalto, todos o carregam consigo como um veneno alojado nos nervos, um veneno que vai lentamente fazendo efeito e que mal pode ser percebido a não ser pela pulsação mais rápida ou mais lenta, ou por um instantâneo espasmo de náusea”.
- “O pior de tudo é que as pessoas não tem nenhum futuro. Não somos só nós, os dois, que pouco temos a esperar. Todos perderam seu futuro”, Manuel conversando com Abel.
- “Algo de extraordinário está acontecendo lá em Munique. Um salvador está nascendo, mas o parto ocorre em meio a dores e sangue. Uma época terrível está a caminho, mas que importam 30 ou 40 anos de sofrimento e morte? Que importamos nós, eu e você? Que importam milhões e milhões de vidas sacrificadas? O mórbido tempo do individualismo acabou. Alguém está preparado para dar, ao grito suprimido, uma voz, à angustia muda, palavras”, doutor Soltermann para Abel, crente que o que virá salvará os seus.
- “As pessoas farão qualquer coisa por um pouco de dinheiro e uma refeição sólida”, Vergérus desafiando Abel.
- “Olha só para todas essas pessoas. Elas não ousam fazer nenhuma revolução, elas estão por demais humilhadas, amedrontadas, espezinhadas. Mas daqui a dez anos. Os que tem hoje dez terão vinte, os que tem quinze terão vinte e cinco. Eles terão herdado o ódio dos mais velhos, mas com a adição do seu próprio idealismo e sua própria impaciência. Alguém se adiantará e dará nome aos seus sentimentos sem palavras e falará em grandeza e sacrifício. Os jovens e os inexperientes transmitirão sua coragem e sua fé aqueles que estão cansados e vacilantes e, então, teremos a revolução em que o nosso mundo submergirá num colapso de sangue e fogo. Daqui a dez anos, não mais, estas pessoas criarão uma sociedade sem paralelo em toda história universal!”, Vergérus ainda destilando para Abel algo sobre o hipotético futuro da Alemanha.
Esse meu primeiro livro lido no ano novo, dia 05/01. E o seu, qual seria... Me diga, vai!
6 comentários:
- “Os judeus estão com a mão no dinheiro e enganam as pessoas simples com o peso dele. Eles estão esparramados pelo mundo inteiro, numa confraria, e ajuntam para si todo o dinheiro que pessoas simples trabalharam e juntaram para ganhar. E como são os judeus que puseram a mão em todo o dinheiro que existe, então são eles que decidem. Todas as pessoas simples são escravas dos judeus. Pessoas ordinárias, gentis e honestas são enganadas por eles. Por fim, essas pessoas ficam enlouquecidas de desespero e começam a odiá-los. É fácil de compreender. Tão logo uma dessas pessoas vê um judeu, ela sente vontade de mata-lo. Isso também é fácil de compreender. Até eu que sou judeu, posso compreendê-lo. Os judeus são um veneno, algo de anormal e doentio que deveria ser erradicado. Berlim está irrespirável de judeus – homens, mulheres e crianças. Frau, ali ao lado, é judia.
Henrique, esse trecho que você extraiu do livro é representativo de qual era o sentimento daquela época pós primeira guerra, tem muita gente que acha que a história começa a partir da segunda guerra e ainda de forma toda distorcida.
Nossos conceitos são opostos ao fascismo alemão, como os comunistas alemães eram oposição e caçados por isso nesta época, mas o sentimento de ódio a estes que deixaram a Alemanha a beira do caos era comum, por ser um fato, qualquer um de nós estaria nessa mesma posição.
Aliás, a Alemanha mudou, o leste europeu mudou, mas quem ainda continua mandando na grana e bancando a política norte-americana??? Preciso dizer mais??
Recomendo você assistir, se quiser te tiro uma cópia, do filme "O julgamento de deus", baseado em fatos reais, mostra judeus discutindo presos num gueto onde alguns colocam em xeque a existencia de deus e a consciencia de que eram os responsáveis por tudo aquilo estar acontecendo.
A estrela de Davi precisa cair em chamas meu camarada.
Marcos Paulo
Comunismo em Ação
Marcos
O mais significativo é que o trecho foi escrito por um judeu. Muitos na história fazem uma bela autocrítica do papel desempenhado e exeutado por eles na história. Ele fazendo um retorno a tudo o que está vendo, faz as observações que Bergman sabiamente expõe no texto. No filme, fácil de ser baixado na internet, vendo as imagens de recriação da época, algo ainda mais contundente.
O que me assusta é que, anteontem, aqui no Rio, sentados num bar, conversava com um casal que passou um mês na Grécia, coisa de um ano e meio atrás e conta histórias de muita dor. O início do que hoje está se degradando a olhos vistos. Li na Carta Capital, matéria de gianni Carta, que ele foi na mesma Grécia e ficou fotografando cenas do cotidiano, quando foi acintosamente abordado pelos grupos direitistas espalhados pelo país todo e cada vez tomando mais força, que queriam quebrar sua máquina. Negociou e conseguiu que só apagassem suas fotos.
Na Alemanha antes de Hitler, nesse período do livro, isso ocorria. Os grupos saiam às ruas e agrediam todos os que achavam já pudessem representar algo que contrariasse o que pensavam e a polícia, como na Grécia atual, fazia vista grossa.
O Ovo da Serpente pode estar nascendo de novo. Quanto ao papel dos judeus, eles hoje, ontem representam o papel de quem possui muito dinheiro e assim, consequentemente poder e o usam somente para conseguir arrebanhar mais e mais. Isso é histórico e precisa ser refreado. A História não pode ocultar esse triste papel a eles.
Vamos conversar muito sobre isso no meu retorno. Por enquanto, escrevinhamos por aqui.
Henrique - direto do mafuá carioca
ESTOU RELENDO RAZÃO E REVOLUÇÃO DE ALAN WOODS E A QUESTÃO JUDAICA DE MARX.
ROQUE
Camarada Henrique, aguardando seu retorno a cidade.
Essa observação inicial sua foi feita no comentário, por isso citei o filme que é semelhante a essa abordagem.
Quanto ao que ocorre no mundo hoje e aqui também, há diferenças grandes do contexto da época, da forma que se levantaram os alemães acho improvável que ocorra de novo, até pela passagem da sociedade de consumo hoje, as serpentes já estão nos sufocando há tempos e diferente daquela época onde o fascismo alemão era visível, hoje aqui como em outros lugares, conta-se dinheiro como judeus e discursam como nazistas ocultos.
Já abordei isso várias vezes o quanto o fascismo é maquiado hoje, além do fortalecimento do capital para reforçar a alienação do trabalho, a inclusão social a escravidão é apresentada como uma boa causa e o mesmo nacionalismo nazi é colocado de forma encantada nos clichês formados nas opiniões.
Os nazistas queimavam livros que não eram de acordo com suas ideias a fim de estreitar a visão das pessoas, hoje as redes sociais, criando guetos virtuais, fazem isso com a cabeça das pessoas e sem fazer uma chama sequer, e o que é pior, naquela época ainda era feito ao som de Wagner o que garantia alguma cultura, hoje qual seria a trilha sonora daqui???
Não se preocupe com o ovo, a serpente já nasceu e mordeu a todos faz tempo, só não se deram conta ainda, espero que não seja tarde.
Agora o que não muda nunca são os judeus, esses continuam com tudo e mandando na economia mundial, o Obama pede a benção de cristo mas conta a grana sobre a torah.
Marcos Paulo
Comunismo em Ação
Meu querido amigo/irmão Henrique.
Atendendo ao seu pedido, minha primeira leitura deste ano foi o Livro HISTÓRIAS EXTRAORDINÁRIAS, de Edgar Allan Poe, com tradução e adaptação de Clarice Lispector, editado pela Ediouro Publicações Ltda.
Um conjunto de 18 Histórias verdadeiramente extraordinárias, em 161 páginas, no estilo Allan Poe de escrever, levando os leitores ao mundo imaginável da incógnita, do sonho, do pesadelo, do medo, do terror, da suspense, da incerteza, mas também da certeza, frente ao mundo real em que vivemos, diante de tantas atrocidades humanas no campo sentimental, político, social, cultural e econômico.
É uma leitura que eu recomendo neste ano de 2013, meu amigo, principalmente depois de tantas "histórias extraordinárias" que a gente leu e ouviu, em 2012, como a história do fim do mundo... e tantas outras!
BOAS LEITURAS!
Duilio Duka de Souza Zanni
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