“Vamos fazer um pecado do lado debaixo do Equador”, cantava décadas atrás Ney Matogrosso. Essa linha do Equador é uma espécie de marco delimitador do que ocorre aqui nesse nosso continente, torrão varonil onde nascemos, crescemos e morreremos. O bom mesmo, muito melhor do que criticar é ir desvendando cada pedacinho dessa América Latina, a mesma que um dia já foi considerada com “Latrina” e quintal dos EUA e hoje, na mais recente definição, a do criador do WikiLeaks, Julian Assange, encerrado na embaixada do Equador em Londres é a de que “essa é hoje a a região mais otimista do mundo atual”. Também a enxergo assim e uma boa parte dos seus países, do México até a gelada Patagônia argentina passam por momentos alvissareiros em sua história, experimentando uma liberdade que nunca tiveram antes em nenhum momento de suas histórias.
Não me convidem para visitar os EUA e seus templos idiotizantes de consumo ou a decadente Europa nos seus redutos de intolerância, com a constante perda dos direitos dos trabalhadores, pois troco tudo isso e sem pestanejar por um país qualquer da América Latina. Podem achar absurdo, mas prefiro ir bater perna hoje nas ruas de Assunção, no Paraguai ou em Cartagena, na Colômbia, ou mesmo em Rosário, na Argentina, por qualquer passeio num desses transatlânticos cheios de pompa ou ida a lugares como Disneylândia ou Las Vegas.
Prefiro e adoraria fazer o circuito culinário em Lima, onde dizem que os peruanos arrasam com as panelas nas mãos e uma idéia na cuca, do que adentrar qualquer desses templos de fast food espalhados mundo afora. Quem me dera poder voltar a circular por Cuba, onde posso andar tranquilamente de dia e de noite, sem medo nenhum de ser assaltado, do que fazê-lo, por exemplo em Long Beach, mesmo diante de todas as disponíveis peladas de plantão circulando por lá. Eu prefiro bater perna na velha Quito, no renascido Equador ou andar num velho trem pelo interior da Bolívia, um país que conseguiu a duras penas manter seus trens funcionando, do que atravessar o Canal da Mancha no seu trem subterrâneo. Sim, aquela travessia feita para Inglaterra para a França é algo de primeiríssimo mundo, mas prefiro valorizar o que é do meu pedaço de mundo e me representa mais, mantido à duras penas e com o suor desse sofrido povo. Questão de preferências.
Queria muito poder revisitar os lugares onde foram travadas as batalhas da Guerra do Paraguai e sei que lá choraria e muito lembrando dos motivos de nossos povos terem sido enfiados numa guerra que não era a deles. Tenho absoluta certeza que choraria se pudesse percorrer a trilha pelos caminhos por onde Che Guevara tentou mover a Bolívia e foi assassinado. Imagina a emoção se pudesse olhar o oceano Pacífico do lugar onde viveu Pablo Neruda no Chile. Choraria demais diante do Palácio Governamental chileno , onde Allende foi brutalmente assassinado em 1973 na sua Santiago do Chile. Imagine a baita emoção diante do Estádio Nacional, também em Santiago, templo do futebol transformando em campo de concentração. O fato é que a América Latina possui tantos e tantos lugares pelos quais me são gratos e pelos quais ainda não tive oportunidade de visitar, que abro mão de qualquer passeio turístico pelos points mundo afora por esses.
Dentre todos os latinos, acredito ser o brasileiro o que menos valoriza esses lugares, todos esses no entorno do seu país. Triste observar muitos tecendo loas para lugares tão pobres do dito primeiro mundo, virando literalmente as costas para os de sua própria linhagem. Essa primazia em enaltecer os algozes e seus feitos não é de hoje e faz parte de parcela que adora comer frango e arrotar peru. Pior são os que conseguiram galgar degraus nos padrões de renda, mas nada adquiriram além disso e não enxergam nada de bom em nenhum dos países latinos, só nos patrões de sempre.
Felizmente nem todos hoje pensam ou agem assim. Vibro quando vejo uma excursão de bauruenses saindo daqui para ir conhecer Cuba, com empresários variados e voltam de lá falando maravilhas. Souberam enxergar aquilo tudo com outros olhos. Daí chego a acreditar que nem tudo está devidamente perdido. Da mesma forma vibro intensamente quando vejo estudantes universitários escolhendo e querendo perambular pelo interior do Uruguai e Argentina, parando de cidade em cidade e conhecendo detalhes desses países. O mesmo para outro grupo saindo da capital paulista só para conhecer in loco se a Venezuela é mesmo tudo de ruim que dizem por aqui. Outro tanto foi perambular pelo Panamá e o famoso Canal. Ano passado um grupo saiu aqui de Bauru direto para a Cidade do México só para fazer o circuito religioso da Virgem de Guadalupe, ao invés de ir à Lourdes, em Portugal. Eu mesmo certa feita fui com um amigo a Buenos Aires só para assistir um discurso de Hugo Chavez. Conheço um grupo de bauruenses que saiu daqui para trilhar os caminhos dos sandinistas nicaragüenses.
Não gosto dos que menosprezam as coisas daqui e de nossos conterrâneos, rebaixando tudo o que temos em prol de outros mundos e culturas. Machu Pichu é dez. O Pantanal é dez. As pirâmides dos astecas são dez. Aruba é dez. A Patagônia é dez. Mujica é dez. O vinho argentino e o chileno são dez. Gabo e Borges são dez. Daí, chego a conclusão de que quero mesmo é me perder por aqui. Isso tudo não é uma maravilha, mas é o que temos. Prefiro MIL VEZES viver aqui e entre isso tudo.
OBS.: As fotos são de murais diversos espalhados por Buenos Aires.
4 comentários:
Henrique,
realmente a Europa esta atolada de intolerancias - o que ha sao redutos de resistencias - e eh nitida a corrupcao de valores que se deu aqui em 30 anos como resultado da ideologia Tacher / Reagan dos anos 80. So quem viveu aqui ha 30 anos atras e voltou agora pode ver o quanto eh gritante a diferenca.
Quando a gente convive com uma pessoa nao percebe se ela engorda ou envelhece. Pode ser que esse processo de transicao do materialismo espiritual para o materialismo americano e a sociedade puramente de consumo tenha se dado daquela forma em que, quando alguem acorda , se pergunta o que aconteceu.
Agora , ta me preocupando esse fundamentalismo religioso facista que esta tomando conta da sociedade brasileira. Ta na hora de chamar o povo ' a razao .
Marcia Nuriah - direto da Holanda
Esse amigo me enche de emoção e orgulho.
Liliana Martins Dotta
Sim, Márcia, isso atrasa desmedidamente um povo. O paulista já é o mais retrógrado do país hoje. Uma pena e lá no fundinho um pouco desse fundamentalismo incutido na mente das pessoas.
Obrigada, amifa Liliana.
Henrique - direto do mafuá
Henrique
Conhecer a cultura da América Latina me deixara extasiada, (do pouco que sei já amo). Tem muitas Histórias que infelizmente desconhecemos. Só não gostei da parte de Che Guevara e Hugo Chaves.
Lê Baptista
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