AOS 96 ANOS, SEU GABRIEL NÃO MAIS RELEMBRARÁ DE MEMÓRIA A HISTÓRIA DA “SEM LIMITES”
Bauru é terra fértil de variados memorialistas, esses mais antigos que se deram a escrever da história da cidade e na imensa maioria das vezes o fazem sem consultar alfarrábios, mas de própria memória. Cito alguns também de memória, Gabriel Ruiz Pelegrina, Antonio Francisco Tidei de Lima, Vivaldo Pitta, Isolina Bresolin Viana, Irineu Azevedo Bastos, Walter Morthari, Antonio Pedroso Junior, Luciano Dias Pires e outros. Durante a história de Bauru outros se fizeram presentes e um mais se junta a esses todos, Correia das Neves. Muito tempo depois professores universitários efetuaram prolongada pesquisa sobre a história bauruense. Li quase tudo o que esses publicaram e mais que isso, quando não li, ouvi pessoalmente, pois alguns desses gostam de conversar e em suas memórias o registro de fatos nunca dante revelados e também escritos.
Desses todos o que mais desfrutei de conversas foi Gabriel Ruiz Pelegrina. Certa vez, a última quando estivemos juntos me fez uma provocação e eu, besta que sou, não a levei adiante. “Henrique, tem muita coisa da história de Bauru que eu nunca contei, pois as pessoas estavam vivas e isso podia incomodar. O tempo passou, todos morreram e também a maioria dos seus descendentes já morreram. Daí, podia ir relembrando algo ainda não dito, não revelado”. Eu não levei aquilo adiante e hoje, com seu falecimento aos 96 anos, nada mais disso será possível. Alguns desses memorialistas vivos continuaram a frequentar sua casa e talvez tenham registrado algo nesse sentido. Tomara que sim e um dia ainda publiquem o resultado dessas conversas.
Tenho outra passagem significativa com ele. No período em que atuei nas hostes do Patrimônio Municipal, 2005 a 2008, frequentei muito sua casa. Ele ainda vivenciava uma outra experiência, a do Núcleo de Documentação Histórica da USC, aberto e pulsando pesquisa por aquelas bandas. Ele tinha uma mesa por lá e manuseava aquilo tudo, a maioria doada por ele, sabendo muito bem do que se tratava cada um daqueles papéis. O tempo se foi, o Núcleo definhou e hoje, sinceramente, nem sei se ainda continua ativo. Revelo algo de uma conversa com ele, preocupação dele e passada imediatamente para o pessoal da Cultura municipal, os que cuidam de todo o acervo público, de três museus municipais (um só aberto, o Ferroviário). Em seu quartinho de escritório, paredes com estantes recheadas de livros e documentos, muito foi doado para a USC. Ele me diz: “Não queria doar mais nada para a USC. Sei que meus filhos não vão ter onde colocar isso tudo quando eu me for e o melhor lugar é mesmo com a Cultura, a Prefeitura”.
Ele se desanimou com o que viu com os próprios olhos. Todos sabemos, acervo público pode ser até descuidado, mas é público, podendo ser cobrado, visitado e pesquisado a todo instante. Dou como exemplo vivo disso o acervo do Centro de Memória da ITE, funcionando por alguns anos ali perto do Tauste, quando da decisão de fecharem, se não fosse a ação dos servidores municipais, iria tudo para a calçada. Gabriel sacava isso muito bem. Sei que o pessoal da Cultura já deve ter arrebanhado aquele rico acervo de sua casa e dará boa destinação para tudo. É o mínimo que pode ser feito para valiosos documentos que, não podem se dar ao luxo de serem deixados ao deus dará em algum lugar insalubre da cidade. Fico também muito contente quando vejo que todo o acervo do memorialista Luciano Dias Pires está hoje em poder do Jornal da Cidade, num local ao menos seguro. O melhor mesmo, é surgir uma união de forças e interesses e criar um local específico para arrebanhar todos esses acervos dentro da nova estrutura do Museu Histórico Municipal, que um dia ainda será reaberto ali onde funcionou a Estação da Cia Paulista, início da rua Rio Branco.
Escrevo isso em homenagem ao esse senhor e encerro falando de nossas diferenças. Todos as tem e isso é magnífico, pois possibilita muita conversa, troca de informações e um recarregando o outro. Ruim é alguém como seu Gabriel, possuindo tanta informação e não ter com quem trocar ideias. Ele sempre teve e foi muito procurado, tanto pelos memorialistas aqui citados, acadêmicos, jornalistas e estudantes, todos ávidos de saber algo. Iam na fonte certa. Ele adorava explicar as coisas, mas como a maioria das entrevistas que vi não se aprofundavam nos temas, até por desconhecimento de quem efetuava a pergunta, tudo permanecia no campo do superficial. Mestre Gabriel sempre esteve conectado a uma linhagem muito próxima dos poderosos, os coronéis da cidade, daí ter demorado tanto para querer revelar segredos da história bauruense. Foi sua escolha de vida, atuava assim. Muita coisa fui juntando nas conversas e leituras do que me passou ao longo dos anos, mas muito guardou para si e se não tiver escrito nos cadernos que mantinha em seu escritório ou revelado para os mais próximos, estão definitivamente perdidas.
Ele sempre morou ali na rua Júlio Prestes, entre a Araújo e a Nações, perto de onde a cidade nasceu, a Baixada do Silvino. Por um bom tempo frequentei o posto de combustível defronte sua casa e ele sempre sentado na área, clamando por conversas. Parei umas poucas vezes e sempre fui muito bem recebido por ele, esposa e pela secretária do lar de uma vida inteira. Era um desatino parar só para cumprimenta-lo, pois velho nenhum gosta só disso. Quer falar e como, na maioria das vezes, a gente sempre anda correndo, deixei de usufruir daquela rica companhia e instigar a ouvi-lo sobre essa Bauru mais que “sem limites”. Deixo aqui para quem se interessar, um link com tudo o que já escrevi dele no blog Mafuá do HPA, de 2007 até hoje, exatos dez anos de constante funcionamento: http://mafuadohpa.blogspot.com.br/search…
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