domingo, 20 de agosto de 2017

MEMÓRIA ORAL (214)


A VOZ DA CONSCIÊNCIA

Eis meu artigo para a seção que abre a revista, BRASILIANA e ARGENTINA da última edição de Carta Capital, a de nº 966, páginas 12 e 13, chegando às bancas de Bauru hoje pela manhã. Nele um relato do que já conhecia ouvindo um dos melhores programas de rádio da atualidade, o La Mañana (www.750am - prefiro ouvir eles no horário do que os a defender o bestial modelo economico brasileiro e golpistas por natureza), de segunda à sexta das 9 às 12h. Algo impensável no Brasil de hoje, alguém ainda conseguindo fazer o (necessário) contraponto ao neoliberalismo predatório em nossos países. Ele faz e de forma brilhante, o que me motivou na visita que fiz à Argentina no começo deste mês em conhecer pessoalmente essa experiência. Virou escrevinhação para a revista, num texto prontamente aceito e que, creio possa ser utilizado como exemplo latente e vivo, da necessidade de algo dessa natureza ter início aqui também no Brasil, onde vivemos o péssimo momento do jornalismo pelas ondas radiofônicas ocorrer somente por uma via, a permitida pelo dono do meio de comunicação massiva. Jornalismo com somente uma via, a do patrão, do dono do negócio. Meu texto tem o intuito de demonstrar a necessidade de um outro lado. Mais tarde disponibilizo aqui mesmo o texto na íntegra. Agora, vou para feira dominical e à tarde disseco meu texto final de mestrado. Rever Victor Hugo, que já conhecia de dois anos atrás quando fui levar um livro seu para autografar e dessa vez poder escrever dele, é para mim motivo de jubilo e contentamento e agora ampliado ao conhecer pessoalmente também Gustavo Campana e Fernando Borroni, baluartes do bom jornalismo argentino. Sua experiência é mais que única, exemplo de dignidade jornalística na acepção da palavra. Citem um aí que ainda consegue fazer isso aqui no Brasil em rádio massiva e sem represálias? Não mais existem.

A VOZ DA CONSCIÊNCIA
Juan Carlos, o taxista

Vítima do expurgo ideológico da mídia, o radialista Victor Hugo Morales resiste pelos microfones da 750 AM.

A 750AM é uma pequena rádio do Grupo Octubre, que concentra investimentos dos sindicatos argentinos em mídia tradicional. Além da emissora, o grupo mantém participações acionárias no jornal Página 12 e nas revistas Caras & Caretas, El Planeta Urbano e Diário Z. O alcance e a notoriedade do canal são potencializados pelo vozeirão de Victor Hugo Morales, perfeitamente adequado aos seus quase 2 metros de altura. De segunda a sexta, entre 9 da manhã e meio dia, Morales, uruguaio de origem, entrincheira-se diante dos microfones da 750 AM para dar sua visão sobre os fatos na Argentina e no mundo.

No ano passado, ele perdeu o emprego na rádio Continental, seu antigo trabalho, por fazer oposição ao governo de Maurício Macri. Muitas outras portas no mainstream midiático se fecharam. Se perdeu uma vitrine, o jornalista ganhou em liberdade. O La Mañana, sob seu comando, exercita a crítica da maneira mais desabrida possível. Ao lado de Gustavo Campana, Fernando Borroni, Adrián Stoppelman e Gabriel Mororini, o uruguaio não poupa o Clarín, espécie de Globo argentina, que define como “máfia jornalística”, o neoliberalismo (“não existe sem traição”) e o fenômeno da “fake news” (“ela não existe sem a mídia hegemônica”).


No caminho até a sede da 750 AM, sondo as impressões do taxista que me conduz. “Vai conhecer um homem muito interessante”, ouço de Juan Carlos. “É único no que faz. Muitos jornalistas são mercenários e trabalham por interesses. Ele é digno, coerente e esclarece a população contra os retrocessos do governo de Macri

Enquanto espero a entrevista, acompanho o programa do estúdio. Morales discorre a respeito da situação da Venezuela. “O periodismo que quer mostrar da melhor maneira possível a verdade não pode repetir o que todos dizem. Assim vivem os meios de comunicação na Argentina, 95% dominados por uma máfia, mentindo descaradamente para a população, favorecendo uma minoria que explora o povo. Uma imundice dominada pelos interesses mais inconfessáveis que existem. Mentem sobre a Venezuela, mentem sobre o Brasil, mentem sobre Cristina Kirchner e adulam Macri e tudo o que faz, vivem para seus negócios e a informação correta vai para a lata do lixo”.

Há entradas ao vivo de diversos pontos de Buenos Aires. O noticiário acompanha o fechamento de fábricas ou casos de demissão em massa, frutos da crise econômica que, como aqui, abala o vizinho. La Mañana abre os microfones aos trabalhadores, que têm voz e vez no programa. “Na Argentina, está cada vez mais difícil fazer o que faço, as perseguições são enormes e ocorrem de todas as maneiras. Os espaços livres, do verdadeiro jornalismo, têm sido bloqueados e cerceados e acredito que o mesmo ocorra no Brasil”, afirma.
Morales na porta da rádio



Falo que a 750 AM é um milagre e que não há nada comparado no Brasil. Ele me interrompe para mostrar as notícias na tevê sobre a decisão do Congresso brasileiro de impedir a continuidade das investigações contra Michel Temer. “Há alguma possibilidade de ele perder o mandato?”, questiona. Digo que não, pelo fato da maioria dos parlamentares terem recebido “estímulos” para salvá-lo. “Não muito diferente daqui” argumenta. “Pelo que vejo, no Brasil, se não impedirem Lula de concorrer, o futuro reside na próxima eleição. Aqui o Judiciário tenta impedir Cristina Kirchner de concorrer, no Brasil fazem o mesmo com Lula. Cerceamento da lei em situações muito parecidas. Resta a nós, aqueles que ainda conseguem falar, não nos calarmos nem ser cooptados. Nosso papel é denunciar tudo, esclarecer os cidadãos”.

Para não perder o pique, Morales reveza o café com mates em uma xícara com as asas quebradas. Na saída, o radialista é frequentemente abordado por ouvintes, que levam sugestões de assuntos a serem abordados, dicas de espetáculos e eventos e CDs ou fazem pedidos. O radialista os atende com paciência no pequeno espaço entre a porta da emissora e a calçada. Tira fotos, anota os pedidos, aceita papéis e envelopes. No estúdio, a programação não destoa. A 750 AM continua a criticar Macri, o poder financeiro, os golpes na América Latina. Neste dia em especial, a rádio não deixa de noticiar o desaparecimento forçado de um militante de esquerda, Santiago Maldonado. Por um instante, o fantasma da violência da ditadura dos anos 1970 parece campear pela rádio, um oásis de diversidade e resistência.

*Jornalista e professor de História em Bauru, São Paulo. Mantém o blogwww.mafuadohpa.blogspot.com.
A capa da edição de Carta Capital, destaque para o Desastre Meirelles.
Victor Hugo durante o La Mañana na 750 AM
Gustavo  Campana
Fernando Borroni

3 comentários:

Anônimo disse...

sou professor de história de Tupã, trabalhei pesquisando para o jornalista Fernandes Morais. Estive em Buenos Aires e conheci Victor Hugo Morales na Casa das Madres da Plaza de Mayo, quando ele era homenageado. Acompanho quase que diariamente o programa matutino que comanda. Creio ser uma das ultimas trincheiras contra o neoliberalismo de Temer e Macri. Parabéns pela brilhante matéria. Paulo José de Oliveira Silva

Anônimo disse...

desculpe ter encaminhado como anônimo o meu comentário, porque não consegui me identificar corretamente: Paulo José de Oliveira Silva - e-amil paulojs@terra.com.br Tupã - SP, estou disponível para qualquer contato. gratos.

Henrique disse...

Obrigado José de Oliveira Silva
Se consegui te tocar, quer dizer que atingi meu objetivo.
No seu caso, vc já conhecia o programa, mas quis apresentar o La Mañana para o público brasileiro, pois não existe nada igual no meio radiofônico brasileiro.
Vamos divulgar o programa por aqui.
Baita abracito do
Henrique