segunda-feira, 7 de maio de 2018

OS QUE FAZEM FALTA e OS QUE SOBRARAM (111)


JOSÉ PERAZZI, O AVÔ COM SANGUE ITALIANO ME APARECE EM SONHO E NOS DIAS DE HOJE
Sonhei com meu avô lendo seu jornal diariamente em sua casa, num lugar onde hoje é o setor das bebidas no Confiança da vila Falcão. Ele morou a vida inteira na rua Martin Afonso, quadra logo na virada da Campos Salles. Sua casa foi engolida pelo mercado, mas muito depois dele e de minha avó terem partido. Tenho muita saudade daquele lugar, da jabuticabeira e de sua mesa, a das refeições, mas também o lugar onde todo dia ele lia o seu jornal. Nos meus tempos de moleque quase adentrando os entendimentos da vida, fui várias vezes buscar a Folha de SP para ele e aprendi ali, juntando com outros hábitos de minha casa, o gosto nunca mais abandonado pela leitura dos tais órgãos da imprensa. A Folha era mais palatável naqueles tempos e era algo de sabor inenarrável, para quem décadas depois volta no tempo em busca de recordações de um avô me ensinando e perpetuando em mim muita coisa de minha atuação atual.

Algo salutar nele é o fato de nunca ter sido carola. Igreja não era com ele, os de batina nunca o enganaram e assim, os preferia bem distantes de seu lar. Esse italiano, aposentado da RFFSA, onde trabalhou décadas na marcenaria das Oficinas férreas, tinha no sangue esse sobrenome italiano, Perazzi, mas o renegou no momento de nunca ter tido coragem de torcer pelo Parmera, preferindo o Curintia. Cheguei a torcer pelo time da colônia, mas não resisti e aderi ao time da massa, por influência dele. Esses dois fatos dizem muito dele, o de se manter distante dos púlpitos das igrejas e de ter optado pelo Corinthians.
Só por isso, um baita avô. Tinha mais, muito mais. Adorava se reunir com amigos numa bocha ali nas imediações e várias vezes fui chamá-lo aos domingos, logo após a avó terminar o almoço e ficávamos à sua espera para degustar a macarronada. Aprendi o caminho de ir ver jogos no Amador bauruense (perdi o gosto nos dias de hoje), lá no campo do Padilhão, muitas quadras acima, mas na mesma rua, por influência dos seus gostos futebolísticos, mesmo que nunca tenha ido comigo. Aliás, ele jogou no Noroeste, mas nunca o vi indo a um jogo de futebol, mesmo que fosse do Noroeste. O fazia pela TV e o rádio, um daqueles de válvula, quando sentava numa poltrona, a sua poltrona e ali desfrutava das audições.

Sacava tudo à volta com uma sabedoria imensa. Ele e minha avó Olívia nunca tiveram veículo rodante. Não acharam necessário, preferindo outros gastos. Ele ferroviário da Noroeste e meu pai da Fepasa/Paulista e foi por essa via, a do trem, muitas vezes fomos para São Paulo e na maioria das vezes todos instalados no sítio dos tios Carlos/Helena em Franco da Rocha. No sonho fui me lembrar de algo dito por ele e lembrado de vez em quando por minha mana Helena, a de uma pessoa dentre todos nós, um que ele encafifou e nunca quis muita aproximação: “Esse não vale nada”. Isso era fruto das observações, quase sempre certeiras. São tantas lembranças, mas no fundo, sonho é um negócio sem pé nem cabeça, toma rumos estranhos, a gente não consegue conduzi-los segundo nossa orientação. Ele tem vida própria.

Encerro, mesmo podendo escrever horas sobre esse avô, com algo do final do sonho. Meu avô apoiou as Diretas Já, mesmo nunca tendo sido nem de esquerda, nem de direita. Suas posições eram muito claras, evidentes, límpidas, nunca nem em hipótese o imagino apoiando algo a favor dos poderosos de plantão. Daí, sei que abominaria tudo o que viesse desse antro nojento tucano que dominou São Paulo quase de cabo a rabo nesses mais de 25 anos. O velho italiano não se seguraria nas calças para atacar, do jeito que o via falar das coisas erradas de sua época e que no sonho veio à tona com os paulistas todos dominados (e domados) pelos piores, guiados como manada e a nos apunhalar. Meu avô até podia continuar lendo a Folha SP nos dias de hoje se vivo fosse, mas tenho a mais absoluta certeza, não seria daqueles a ler e dar crédito absoluto para tudo o ali contido. Ele em sua sabedoria de ferroviário, não desmereceria os grandes feitos de Lula enquanto governante e não se posicionaria ao lado dos golpistas hoje no poder.

Assim o vi me aconselhando a noite passada, com aquele sangue dos muitos mais velhos que ele, os libertários italianos aportando neste país com a mente construída, pronta para lutar contra as injustiças e não se deixando levar pelo discurso de poderosos a nos apunhalar. Acabo de ler o livro do Gianni Carta sobre a passagem de Giuseppe Garibaldi na América Latina e acho que esse me fez embolar tudo, os dois galopando em minha mente. O velho Perazzi hoje poderia desapontar alguns da família, quando esses tomam outros rumos. Não se vergaria aos mesmos interesses que esses tiveram na tomada de posição adotada em relação aos acontecimentos com esse insólito Brasil. Não preciso nem de sonho para ver de que lado estaria neste momento. Meu avô nunca teria posições fascistas, disso tenho a mais absoluta certeza. Disso me orgulho demais da conta.

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