Fechou as portas com o advento da pandemia e assim permanece, com suas pernas ao ar, sofás erguidos, algo empoeirado, primeiro para se preservar das enchentes que todo ano o invadem de forma inclemente, depois tudo em espera, aguardando a poeira baixar para ver como é que fica. Vou lá regularmente, enfim, os vizinhos me ajudam a manter a casa, olham tudo para mim e também o retorno tem nome, o cão Charles, que ali permanece, guardião do lugar e de todos, o maior motivo para ali voltar quase todo dia. Volto e mergulho nos discos e livros, tendo ao lado o Charles, deitado de barriga pra cima ao meu lado. São momentos de puro êxtase, inebriantes e inenarráveis, dessas maravilhas que todo ser humano precisa um dia desfrutar na vida.
Com o tempo, as enchentes principalmente, o saco foi se enchendo e coloquei placa de VENDE-SE no portão. Queria - e quero - trocar por algo menor, mais modesto e onde possa dar continuidade ao sonho libertário de manter algo assim e receber pessoas, desfrutar da boa convivência. Apareceram alguns interessados, um me fez ir ver um rancho na beira do Tietê. Chego lá e tudo tomado pelo mato, casinha mal conservada e muita sujeira. Queria me dar o rancho e mais um velho automóvel em troca do Mafuá. Recusei e continuamos amigos, ele de longa data, dos tempos do colegial. Valeu pelo passeio. Vez ou outra passa um ali defronte e pergunta, mas ao ver as marcas da altura que a água chega em dias de enchente, desiste e se assusta. Eu quero vender, mas isso me dói, pois ali foi a casa dos meus pais, moraram ali nas barrancas do rio por mais de 50 anos, muitas enchentes, mas também muita alegria em cada cômodo. Sou tomado de muita emoção e recordações a cada dia ali retornando. Trata-se de uma conjunção de fatores me ligando umbilicalmente ao local, mas assim mesmo, até o vendo, porém, precisa ser numa ocasião e situação mais que especial.
Semana passada mais um capítulo da tentativa de ir recebendo interessados. Não quero entrar em detalhes de como ele ali chegou e nem quem me indicou, enfim, conto a história, sem declinar de alguns detalhes. O fato é que recebi ligação, marquei a visita do interessado para um dia, tive que desmarcar e voltei no seguinte, o final da tarde da última sexta. Eu me preparo hoje para poder sair de casa, me paramento todo, cuidados exigidos pela companheira de todas as horas, tanto na ida, como principalmente no retorno, algo demorado, meticuloso e assim me apresento. Chego, abro a casa, brinco com o cão, perambulo pelos cômodos e uma hora depois o sujeito chega até o portão. Foi quando tudo se deu e o narro, numa tentativa de lembrar o que se passou a seguir:
- É essa a casa que o senhor quer me vender? Pelo que vejo o sr é petista?, me pergunta o gajo, vendo do lado externo uma faixa contra o golpe, cartazes pró-Lula e outro da campanha pra vereador, exaltando o candidato Cláudio Lago. Tudo ali permanece, pois com o advento pandemia é como se tudo tivesse por ali sido congelado.
Olho com surpresa para senhor de meia idade ali diante de mim, barbicha bem escanhoada, cabelinho penteado em gel e lhe respondo ao meu modo e jeito:
- Sim, petista e lulista. Algum problema?
- Não compro casa e nem quero ter propriedade de gente que gosta disso - e fechou a cara.
Eu também fecho a minha e lhe tasco algo, antes do mesmo bater em retirada:
- Pelo que vejo, minha modesta casa já me pede encarecidamente para não seguir adiante com este negócio, pois depois de tudo o que já vivenciou aqui, não resistiria a ter sob seu domínio um bolsonarista. A casa também não lhe receberia bem e assim sendo, não temos mais nada a tratar.
Ele me deu as costas e se foi. Fiquei um tempo o olhando partir, ligando seu carrinho e saindo pisando fundo, como se tivesse sido ofendido. Na verdade, a ofensa parte destes, misturando alhos com bugalhos, não enxergando um palmo diante do nariz e ainda por cima, destilando ódio nas ventas por onde passe. As pessoas podem não concordar com o que ali veem, mas deixar de conversar comigo por causa disso faz parte da burrice que hoje se espalha pelo país, destruindo-o em tudo, tornando as relações impossíveis.
Decididamente, o Mafuá merece destino melhor. O cidadão em voga, se espantou com o que viu do lado externo e talvez tenha sido bom não adentrar a parte interior, pois na sala ainda permanece frase da época do início da manifestação pelo golpe, anterior a 2016, emoldurada e bem visível: "EU TE RESPEITO, MAS SE VOCÊ VEIO NA MINHA CASA FALAR MAL DE MINHA FAMÍLIA, DO LULA OU DILMA VEIO NO LUGAR ERRADO", além de tantas outras coisas, objetos guardados ao longo do tempo e pelos quais não tenho a menor disposição em me desfazer, recordações das lutas, embates, amigos e algo disso tudo me envolvendo e entrelaçando ao longo dos meus 60 anos. Por fim, este pelo visto não volta mais. Volto ao portão, jogo um sal grosso onde pisou e o esqueço, não sem antes reviver a história, até para, mais uma vez, demonstrar como andam as confabulações deste momento propiciado ao país pela insanidade bolsonarista.
LEMBRANÇAS QUE GUARDO COMIGO DE NILSON COSTA E ALGO DE SEU LEGADO, O MAIOR FEITO COMO PREFEITOTomo conhecimento neste momento do falecimento do ex-prefeito NILSON COSTA, também ex-deputado estadual, jornalista, aposentado e com mais de 90 anos nos costados. Sento para escrevinhar alfo dele, pois o tinha como alguém sempre a propor uma salutar e boa discussão, dentro do campo das ideias. Até coisa de pouco menos de uma década, quando ainda podia sair sozinho de casa, tinha um lugar, o único onde se reunia em quase todas as manhãs, de segunda a sexta, num bar ali na Primeiro de Agosto, entre a Gustavo e a Rio Branco, bem defronte onde um dia foi o banco Real. Uma turma de velhos conhecidos ali se reunia, nem todos se podia travar uma elevada conversa, mas era o lugar onde conseguiam se manter vivos, proseando e relembrando algo do passado, para eles glorioso e cheio de reminiscências.
Nilson ali batia cartão e das vezes em que ali o vi, parei e conversamos. Ele queria e precisava conversar. Não estava mais no Jornal da Cidade, nem na Prefeitura e ali comparecia, depois de comprar os jornais do dia, principalmente o Bom Dia, que levava ao bar e depois, circulava de mão em mão. Creio que até o deixava ali, para circular e ser digerido por mais gente. Em quase todas as vezes dizia não ter mais espaço para escrever e disso sentia falta. Não era afeito aos meios eletrônicos e internéticos, daí a preferência pelo modal impresso. Queria gravar, contar suas histórias e creio, perdia a rica e única oportunidade. Não creio ele ter feito isso com alguém e aquilo tudo que queria por pra fora se perdeu agora definitivamente. Nilson sentava e discorria sobre tudo, fazendo bela revisão de seus tempo na política e de vários em atuação. Ele percebia a degradação em curso, queria poder fazer algo e como não conseguia, precisava botar aquilo pra fora e também pouco conseguia. Chegou a me dizer que, ali no bar, poucos o entenderiam, pois eram a maioria muito conservadores. Certa feita me confidenciou algo mais, tanto que escrevi no meu blog este texto abaixo repetido:
“Hoje a conversa foi com Nilson Costa. Sei que ele se reúne nas manhãs dos dias de semana num café na rua Primeiro de Agosto, com amigos, aposentados, conhecidos e muitos outros. Fez parte do Lions e outras associações, como a extinta Associação dos Cronistas Esportivos de Bauru. Hoje se diz um tanto desiludido, pois na maioria das rodas em que circula prevalece algo a favor do golpe e do impedimento de Dilma. Assim sendo, prefere mais ouvir, pois está sempre em minoria e até deixou de escrever, pois diz não existir mais espaço para publicação como gosta de fazer, pela via escrita. E dessa forma, mesmo ainda circulando pela cidade, cada vez menos expõe seus pontos de vista. Num desabafo diz: “Falta um espaço democrático na cidade, um ponto de encontro onde ainda circule livremente as opiniões e não ocorra só a expressão de uma linha de pensamento”, publicado no blog Mafuá do HPA em 23/08/2016, num texto sobre a falta de lugares na cidade para a boa discussão de ideias.
Não trabalhei com Nilson, dele tenho recordações como editor do Jornal da Cidade e como prefeito. Nunca me faltou espaço para minhas cartas por lá naquele período e como, prefeito, comparando-o com outros, consigo colocá-lo num patamar de altivez. A maior lembrança que tenho dele, talvez não seja a de muitos, mas é de minha área de atuação. Ele foi o grande idealizador e conseguiu implantar no seu governo o Projeto Ferrovia para Todos, que nada mais é do que a restauração dos carros ferroviários antigos, colocando-os em circulação. A Maria Fumaça nos trilhos de Bauru só foi possível por causa dele e do pessoal junto dele no seu governo. Eu atuei na sequência, segundo governo de Tuga Angerami e tentei dar prosseguimento naquela maravilha sob meus cuidados. Fiz o que consegui e creio, não deixamos o sonho fenecer. Nos governos seguintes, infelizmente, tudo se perdeu e hoje, o projeto ainda existe, mas está estagnado, parado, esquecido, abandonado e até hoje, move a cidade, pois todos gostam muito de ver aquilo tudo funcionando. Não tenho como escamotear com a verdade dos fatos. Aquilo foi obra do Nilson Costa, seu maior legado. O CODEPAC - Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico e Cultural de Bauru também deve muito a ele, pois foi na sua gestão a quase totalidade dos itens tombados na cidade. Depois, a manutenção da coisa como incialmente pensada é bem outra coisa.
Era o que tinha pra escrever dele. Creio, tinha admiração por mim e gostava de me ver chegando ali no bar, pois tinha a certeza, teria com quem conversar e desabafar. Não era o único, mas falhei com ele, pois neste momento, podíamos ter pronto seu livro de memória, um resgate necessário de como se deu muita coisa, bastidores da política, desde quando foi cassado pela ditadura militar, seu tempo como jornalista no JC e depois como prefeito. Nos últimos tempos, algumas vezes o liguei. Ele demorava para chegar até o telefone e quando o fazia, perceptível o esforço. Seu filho estava sempre próximo, zelando pela saúde do pai. A esposa já havia ido e ele nunca esteve só, pois sua família, pelo que sei, sempre foi muito unida. NILSON COSTA se foi e agora, só lembranças. Eis minha modesta contribuição.
OBS.: A única foto dele tirada por mim, a composição do projeto Ferrovia pra Todos e na última, algo dos tantos passeios, aqui Isaías Daibem junto do neto num destes.
Eu e Ricardo Santana numa manifestação no Calçadão da Batista em 24/09/2016, protestando contra o avanço do que depois foi consolidado como golpe a destruir o que ainda tínhamos de soberania, democracia e direitos adquiridos. MARCHA EM BAURU CONTRA O RACISMO, A VIOLÊNCIA POLICIAL E XENOFOBIA. Eu fiz parte dos que resistiram, resistem e resistirão, pois temos ciência de onde estão nos metendo desde então. A foto é de Roque Ferreira.
- "5 ANOS DE IMPEACHMENT CONTRA O POVO BRASILEIRO PARTE DO GOLPE 17/04/2016 INÍCIO DO PROCESSO DE IMPEACHMENT DE DILMA
NÃO É DIZER QUE "ESTAVA DO LADO CERTO DA HISTÓRIA"
É REFLETIR QUE A MAIORIA DE NÓS TODAS E TODOS COMPACTUAMOS COM O IMPEACHMENT DA PRIMEIRA MULHER PRESIDENTA DO BRASIL. DILMA ROUSSELF FOI VÍTIMA DE UM GOLPE, AINDA HOJE EM EXECUÇÃO CONTRA A SOBERANIA DA POPULAÇÃO BRASILEIRA.
24/09/2016 -->
MARCHA EM BAURU CONTRA O RACISMO, A VIOLÊNCIA POLICIAL E XENOFOBIA
APESAR DE .... NADA IMPEDIU NÓS 2 DA LUTA CONTRA O GOLPE
"Sábado contra o golpe no esquenta antirracismo; antigolpista... #ForaTemer com parceiro de loucura Henrique Perazzi de Aquino", jornalista Ricardo Santana.
Ao final do dia de hoje, algo mais de Ricardo Santana: "Obrigado Henrique Perazzi de Aquino por me convidar a descer a Batista da Rui Barbosa à Machado de Mello. Não assumo uma posição de superioridade agora que se desnuda que enfrentamos um golpe a partir dos interesses estadunidenses no petróleo brasileira, na destruição das nossas empresas de obras pesadas e da privatização da Petrobras, em curso com venda da BR Distribuidora e de refinarias Brasil afora".
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