sábado, 13 de maio de 2023

MEMÓRIA ORAL (292)


EU E O FILHÃO RUANDO POR BAURU NUMA TARDE DE SÁBADO
Foi neste sábado, 13/05/2023. Ele veio de Araraquara, passar o Dia das Mães com a sua e deixou sua linda Gabriela Oliveira, cara metade em Araraquara, ela curtindo o mesmo dia com a dela. Aproveitei e combinamos algo que há muito vinha tentando fazer por aqui, o de rodar com ele pelo circuito dos sebos no centro de Bauru. Certa feita, mais de dez anos atrás, eu e ele no Rio de Janeiro, fizemos algo parecido, quando meu falecido sogro, seu Zé Pereira circulou conosco pelos sebos cariocas, nos apresentando para aqueles divinais lugares, sendo reconhecido em todos. Revivi a história e a conto aqui, primeiro através das fotos, depois tentando juntar num texto, toda a emoção de uma manhã, almoço a três, quando nos juntamos com Ana Bia Andrade e depois, finalizando a caminhada.

Marcamos de nos encontrar no Sebo Literário - trazido por sua mãe -, quase junto da praça Rui Barbosa. O filho manteve um estreito relacionamento com o proprietário do sebo, o Antonio Guerra e sua filha, quando vendeu ali e por vários anos os bottons feitos por ele. Creio ter mais feito permutas com livros do que recebido - tento reaver a parceria nos próximos dias. Rever e conversar com o simpático proprietário, que já teve restaurante, mas voltou a se dedicar com exclusividade para o negócio livresco é algo para ser contado com mais detalhamento. Ele, me pede para subir na parte superior da loja e ali me presenteia com uma caixa de livros. Ganhei o dia e o Mafuá a ampliação de seu acervo. "Estes possuem selo do Governo do Estado, doado para bibliotecas públicas, me chegam sempre de várias formas e não os vendo. Quando te vi, pronto está feita a doação, passe adiante", me diz.

O filho vasculhava algo dentro do que sempre gostou, novidades de HQ e literatura nacional e estrangeira. Quando chegou estava com um boné marron, com um desenho do mapa da China por dentro, nos fundilhos e tanto falou do meu, que acabei o presenteando. O meu foi comprado de um artesão de boinas e bonés, na Feira de Palermo, em Buenos Aires e estará daqui por diante na cabeça do filhão. Pelo que vi, ornou mais. Do Sebo e das infindáveis conversas, trago em livro, o relatando algo do grupo Porta dos Fundos, que já tive, emprestei para pessoa querida, nunca me foi devolvido e nunca cobrei, pois sei, além de estar em boas mãos, o danada o fez circular. Compro outro e o filho me mostra um de sua escolha. Leva uns quatro e num catatau a História dos EUA, por autores desconhecidos por nós, mas quando ele viu ter sido editado pela Alfa Omega, editôra brasileira de esquerda e pelos capítulos dissecados, preço justo, leva com a certeza de boa leitura pela frente. Ele trouxe outros, mas não me lembro dos títulos.

De lá, hora do almoço, ambos com fome, ligamos para Ana Bia e ela nos diz que hoje é dia de comer feijoada. Passamos pelo novo Convívio, ali junto do Vitória Régia, confirmamos hoje ter a iguaria e a buscamos. Da passagem em casa, coloco outro boné na cabeça, desta feita um trazido de Cuba, cheio de pins, presente que ganhei do Zé Canella. Sentamos do lado de fora do Convívio e lá engordamos um pouco com a generosa porção para dois e dividida por três. Ao lado o Neto DJ (fone 14.997024103), com sua vitrolinha só botando pra jambrar clássicos antigos de nossa música, sucessos dos anos 60/70 e no máximo 80. Bem ao nosso lado, vê-lo trocando os LPs e saboreando playlist pegando muito bem com a comida sendo servida. Já o contratei para meu aniversário de 63 em junho e agora terei de roubar um banco para poder pagar.

Isso de roubar um banco é divertido e nem sei quem nos assoprou no ouvido nos vendo ali falando de livros, algo escrito por mim num guardanapo e guardado, pois como a memória não anda boa, melhor ter o escrito no bolso. "Eu tenho uma simpatia por qualquer um que faça algo pra enganar o patrão e trabalhar menos", a lapidar frase anotada e aqui compartilhada. Rimos destrinchando-a junto com a feijoca ali na mesa. O tempo ia passando e como o dia era sábado, corremos em deixar Ana em casa, partindo rapidamente para tentar completar ao menos três sebos visitados no dia, enfim, em cada sebo horas de pura perdição. Triste foi se deparar com o Hesse Sebo, na Treze de Maio já fechado. Neste chegamos tarde.

Passava das 16h, descemos mais um pouco a rua Treze de Maio e aportamos no Sebo do Bau, ufa!, ainda aberto e com dezena de gente lá dentro, vasculhadores de estantes e prateleiras. Nos juntamos a estes, já separei alguns expostos na banca na calçada (dentre eles destaco o Manual dos Chatos, do Guilherme Figueiredo e o de cronicas do Mauro Rasi, contando de suas tias, que já tive e, creio eu, alguma enchente no Mafuá o levou para longe) e adentramos o local para o sacrilégio do vasculhamento. Filhão entabula conversa com o Roberto, peço para que alguém registre o momento, tirando uma foto nossa juntos, rindo ali naquele templo onde se cultua o deus livro, este sempre em primeiríssimo lugar. Subimos para o andar de cima e de lá, após alguma poeira, o filho sai com um nas mãos, o "The Bell Jar", da Sylvia Plath, que segundo ele é o melhor dela - eu não a conhecia. Fala tanto do livro na frente do Roberto e lhe alerto: "Pronto, o livro valia dez, mas agora ele irá lhe vender por cem. Valorizou agora mesmo, neste exato momento".

Saímos de lá já quase com o comércio todo fechado, perto das 18h. Ele se foi com sua mãe para outras paragens e eu atendendo aos pedidos lá de casa, volto com a carroceria do carro cheia de livros, de dois belos lugares, merecedores de toda a atenção em Bauru, o Sebo Literário na rua Antonio Alves e o Sebo do Bau na Treze de Maio. Indicamos também o Sebo Hesse, na Treze quadra debaixo da Duque, mas não o encontramos aberto nessa tarde. Ele se foi, com a algibeira recheada de novos motivos para continuar lendo, eu com os meus e nos prometendo rever, antes de sua volta para Araraquara, de marcar presença domingo, na Banca do Carioca, onde vou realizar o 2º Conversa na Feira. Só de rever o baita filhão que tenho já teria ganho o dia, mas andando com ele por estes lugares, onde nossas afinidades se fundem, daí tenho um orgasmo total, sem ao menos fazer uso das mãos. Viver é mais que bom, mesmo com todas as adversidades, lutas, perdas e danos, quando a certeza de ter conseguido construir um filho com a envergadura deste meu. Sou o pai mais feliz deste mundo. Vida que segue.
OBS FINAL: Rimos muito com a explicação do filhão para o imponente bigode ostentado em sua face. Ele nos explicou em detalhes da orientação recebida por um barbeiro lá de Araraquara, lhe dizendo, nele ficaria muito bom, pois é possuidor de boa bitola, ou seja, boa largura para o danado vicejar, florescer e se fazer marcante, presente. Então, pelo que entendi, para se ter um bom bigode, em primeiro lugar, se faz necessário ter uma boa bitola, o espaçamento entre o lábio e o nariz.

outra coisa

O CONSERVADORISMO TEM MORADA AQUI BEM JUNTINHO DE TODOS NÓS*
* Este o 109º texto de minha lavra, publicado na edição semanal do DEBATE, de Santa Cruz do Rio Pardo, hoje circulando pela aí:

Quero escrevinhar nesta semana algo sobre como enxergo a composição das atuais casas legislativas brasileiras. Isso desde a de vereadores até as da Câmara de Deputados e Senado Federal. Dos 513 deputados eleitos, pra começar a conversa, somente 91 são mulheres, duas delas trans. No Senado, apenas 11 mulheres de um total de 88 cadeiras. Vivemos sob uma hegemonia masculina. Como se isso representasse alguma novidade. Nenhuma. Daí vou pra onde quero chegar com este escrito. A desigualdade não é apenas numérica. Eu sempre votei em alguém, não olhando se seu gênero, mas sua “política de ideias”, essa vindo antes da “política de presença”.

Durante essa semana vi muitas mulheres deputadas, todas bolsonaristas, por sinal, votando contra a equiparação salarial entre homens e mulheres no serviço público. Ou seja, voto com quem me identifico. Minha intenção com este escrito é demonstrar que, os brasileiros elegeram um Congresso Nacional mais conservador do que nunca, principalmente no que diz respeito a temas relacionados a direitos sexuais e reprodutivos, violência contra a mulher, concepção de família, posicionamento contra o cuidado, religião e posições anti gênero. Ou seja, os parlamentares eleitos nos último pleito, em 2022, vão perpetuar muito do que o fascismo semeou nos últimos quatro anos de desgoverno de Jair Bolsonaro: retrocesso, preconceitos e perda de direitos.

Filtrando tudo, a extrema-direita conseguiu, de fato, deixar a sua marca na política institucional brasileira. Acrescento a isso o fato do atual Congresso Nacional ser majoritariamente religioso, onde 63% deles fizeram questão de destacar suas crenças durante a campanha e agora, as colocam em prática, na hora da votação de projetos onde esse posicionamento esteja na origem de tudo. Não tem como desdizer que, votações hoje estejam contaminadas por convicção de origem religiosa, o que, convenhamos é um desastre para o País, pois quando este regido, perdendo seu formato laico, a certeza de tudo estar piorando. Grande parcela destes também adora propagar da boca pra fora fazerem a defesa da família, sobretudo aqueles ligados a outro segmento também conservador, o do agronegócio.

A intenção deste escrito não é demonstrar o óbvio ululante, ou seja, o mundo está piorando, se tornando mais conservador e isso em pleno século XX, quando deveríamos estar discutindo algo muito mais avançado. Tem gente ainda colocando em dúvida se a Terra é redonda ou não, daí falar em retrocesso é pra doer na alma. Mas este retrocesso não existe e é vivenciado só lá em Brasília, pois tudo também se repete aqui onde vivemos. Experimente fazendo uma rápida observada no posicionamento dos vereadores aqui de Bauru e me espantei. Tá quase tudo dominado. Perceba, apelar para pautas morais e costumes mobiliza o eleitorado, isso por todos os lugares.

O mesmo deve acontecer aí em Santa Cruz e por todo o país. A pessoa pode até ser eleita por um movimento, onde tenha algum envolvimento com algo renovador e transformador, porém, com o passar do tempo, começa a agir para contentar os movimentos mais retrógrados. Este pensamento de “não se prejudicar eleitoralmente” o faz ir assumindo posições perigosas, menos corajosas e tudo para tentar ter futuro político. Como manter a dignidade e posicionamento construído ao longo de uma vida inteira diante disso tudo? Sei que o cenário é bastante adverso, inclusive quando sei da presença de uma extrema-direita violenta e misógina nos nossos parlamentos, mas como a esperança é a última que morre, noto que alguns temas ainda pode propiciar alianças. Não é fácil, mas desistir é deixar que tudo piore. E se piorar ainda mais, daí sim estaremos todos num mato e sem cachorro.

Henrique Perazzi de Aquino, jornalista e professor de História (www.mafuadohpa.blogspot.com).

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