quinta-feira, 18 de maio de 2023

UM LUGAR POR AÍ (167)


TRAGÉDIA ITALIANA NA EMIGLIA ROMAGNA (NORDESTE DA ITÁLIA) E ALGO DE FRANCO E ROSANGELA MAZZOTTI
As imagens recebidas deste casal amigo, moradores da região da Emilia Romana (abrasileirando o termo), muito devastada pelas chuvas contínuas e também por uma barragem rompida, provocando alagamento na região onde vivem, com transtornos não somente como aqui, quando as chuvas vem, a enchente chega, mas algumas poucas horas depois se vai e tudo volta ao normal, sobrando somente a limpeza e rescaldo de tudo. Neste ano, tudo veio de forma muito violenta, chegando de uma só vez e ali permanecendo. Já são algumas semanas com água ocupando tudo e sem previsão de volta da normalidade. Tudo o que havia sido plantado nas terras da região está debaixo das águas.

Rosangela Mazzotti é pessoa muito querida aqui em casa. Amiga de minha esposa, Ana Bia, ambas cariocas, vivenciaram bons momentos juntos, desde muito jovens. Casada com Franco Mazzotti, um proprietário herdeiro de um área onde planta de tudo um pouco e dali subtrai o seu sustento. Se conheceram, casaram no Brasil e na Itália e lá vivem, junto de seus cachorros e gatos, plantando e cultivando um pequeno pedaço de terra. Estivemos lá na casa deles por duas vezes, convivendo com seus animais e num ano, além de desfrutar da hospitalidade, havia neve por todos os lados. A neve é algo esperado, previsível ano após ano e para isso existe toda uma preparação, quando já cientes de sua chegada, fazem provisionamentos e estoque de muito do que plantam - lembro de caixas de maçãs debaixo das escadas. Já com o ocorrido neste ano, nada disso foi possível e vivem agora uma situação sui generis, imprevisível e sem perspectivas de solução.

Tudo à volta de onde moram está devastado e a água toma conta de tudo. O lugar onde Franco herdou seu pedaço de terra é ao lado de uma pequena cidade, BAGNACAVALLO, próxima de Bolonha (80 km), cheia de encantos mil. Com castelos e edificações remetendo ao passado, por lá algo bem instigante unindo o passado e o presente. Moram, por sorte, num casarão na frente do pedaço de terra, com dois andares e ali hoje resistem bravamente no andar superior, fazem o que podem e aguardam a água baixar para resgatar e recuperar o que puderem. Quando reclamo de tudo o que passo com as inundações entre dezembro e março de cada ano, com as enchentes no rio Bauru, hoje tento me colocar no lugar deles dois, vivenciando junto de toda a população, uma enchente que veio e se instalou, ocupou todos os espaços e está demorando demais da conta para ir embora. Como conviver com algo assim? Só de pensar, algo a revirar as entranhas.

Estamos mais do que sensibilizados com eles e todos os italianos, pois isso é mais do que uma simples tragédia. Tudo, evidente, tem a ver com as mudanças climáticas ocorrendo mundo afora. Por lá, passaram recentemente por intensa seca, quando a terra também se solidificou mais, dificultando neste momento a infiltração da água. Este só um dos problemas. Não me recordo deles relatando a nós algo parecido na história daquela localidade. Eu e Ana permanecemos do lado de cá em estado de choque, recebendo as informações de forma bem condoídos com tudo o que vemos. À distância, sem saber o que e como fazer, junto tudo o que vejo, com o que acontece também por aqui e em outras partes do planeta, com a certeza de que, daqui por diante, viveremos cada vez mais, tragédias e tragédias. Transformaram e judiaram tanto da natureza, da condição ecológica, resultando em algo desta natureza. Entristecido por demais, sinto a pequenez a que estamos submetidos diante de algo tão grandioso e do quanto somos, não só indefesos, como pouco podemos fazer. Mas podemos protestar e exigir reparações. É o que fazemos, sempre e sempre.

OBS.: Em 2019, o casal passou por Bauru, hospedados por nós e os levamos para vários lugares, como o Bar do Genaro, onde contou histórias da região onde vivem. Depois passeamos pela Barra Bonita, cachoeira em Mineiros do Tietê, Dois Córregos e Jaú.


CRISTINA NÃO VAI MAIS SER CANDIDATA NA ARGENTINA E QUANDO LEIO DOS MOTIVOS, OS ENXERGO IGUAIS NO BRASIL - E EM BAURU???
A senadora e vice-presidente da Argentina Cristina Kirchner, em discurso para a nação, reafirma o que o país temia, ela não será candidata a nada nas eleições presidenciais do segundo semestre naquele país. Deixa praticamente desemparados legião de fiéis eleitores peronistas. Triste demais, pois era a única em condições de enfrentar de fato o "poder real", aquele que de fato domina um
país. Hoje, sabe-se, tanto lá como cá, que não é porque um presidente foi eleito que ele de fato comanda todas as ações num país. Na Argentina hoje comandada por Alberto Fernández algo assim, quando a mídia, capitaneada pelo diário Clárin, depois por uma elite agrária e empresarial, junto do Judiciário, todos cruéis e insanos, fazem de tudo e mais um pouco para desestabilizar todo e qualquer governo que tente realizar algo perto de ações sociais em prol da maioria empobrecida. Cristina, assim como Lula, foram perseguidos por parte da Justiça, toda comprometida com um dos lados. Aqui a Lava Jato, já desbaratada, lá um poder paralelo, unido e coeso a impedir que ela concorra, pois se isto ocorrer, grande chance de vencer e por mais quatro anos, com ela no poder, um confronto real, direto e reto.

Ouço no programa de rádio de Vitor Hugo Morales, pela manhã na 750AM, o La Manãna algo das justificativas e vindas pela boca dos locutores do programa. Algo assim: "Tentaram dar um tiro e assassiná-la e a reação popular não foi contundente a ponto de paralisar o país, depois a Justiça, desmarca eleições em alguns estados, pelo simples fato do peronismo estar bem à frente e constituirem importantes redutos e, novamente a reação não levou o povo para as ruas em algo paralisando o país. Ela, Cristina foi impedida e é já considerada culpada pela mesma Justiça e em algo sem provas, com o povo se revoltando, mas de forma contida e sem causar maiores embaraços para os detratores da lei. Ocorre uma sucessão de fatos de idêntico tamanho e a reação não se mostra suficiente, daí ela desiste de concorrer".

Trago o tema para o Brasil e vejo o mesmo ocorrendo aqui. Tudo o que Bolsonaro proporcionou de malefícios para o país e por mais reação que tivemos, nenhuma de fato o encurralou. Sem o povo nas ruas, sem a pressão necessária, tudo continua a ser ameaçador, o golpe continua espreitando o Brasil, assim como a Argentina, a Colômbia, o Peru, o Equador e tantos outros. Sem uma reação popular, com demonstração de muita força, pelo que se vê, o poder constituído de forma ilegítima, porém dito e visto como legal irão prosseguir dando as cartas e impondo derrotas nos anseios populares. É isso, a coisa ao meu ver, passa exatamente por isso.

E EM BAURU não ocorreria o mesmo? Sim. Antes lotávamos a Câmara e as ruas, a mobilização popular acontecia, hoje não mais. Por tudo o que a prefeita já fez, nem com a processante foi conseguida mobilização de forma contundente. A pressão sobre os vereadores é mínima. Neste caso do hiperfaturamento no Palavra Cantada nenhuma mobilização. Nadica de nada. Como querer fazer frente aos descalabros com mobilização zero? Impossível. Tudo é deixado pra depois ou para trás. Como enfrentar quem tem a máquina na mão só com textos contrários, num escreve escreve, verdadeira patinacão? O jogo segue bruto e quem deveria estar mais do que organizado e comandando a resistência, se mostra inerte. Tá difícil. Assim como faz Cristina, assim sendo, melhor nem participar. O que acontece e está a facilitar a continuidade do avanço da ultra-direita ao poder?

O FATO E A VERSÃO DISTORCIDA, SEGUNDO INTERPRETAÇÃO DO ABOMINÁVEL PODER REAL
Preciso muito desembuchar, por pra fora uma história ouvida hoje pela manhã num programa de rádio, na 750AM argentina, pela boca de alguém admirável, o jornalista Fernando Borroni. Por lá, como cá, existem os donos do poder real, os que realmente mandam no país. A gente pensa que um presidente manda, mas na verdade, tem gente acima dele, com mais poder e este exercido com o bordão e o facão nas mãos. Lá quem exerce esse poder de fato é o dono do jornal Clárin, inclusive com ramificações dentro do Judiciário, cumpridor de ordens do todo poderoso. Daí, diante da renúncia de Cristina Kirchner em concorrer à presidência e de tantos horrores perpetrados pelos donos do jornal, Borroni conta a seguinte historieta:

No bairro de Palermo, homem salva um menino de um cão feroz, pronto para lhe estraçalhar a jugular numa calçada e é obrigado a sacrificá-lo.
O repórter do dito jornal Clárin se aproxima e diz ao homem:
- Que bela ação, amanhã no Clárin daremos em destaque, "Homem de Palermo, numa boa ação, salva um indefeso menino da fúria de cão, num ato envolvendo muita coragem".
O homem se volta ao repórter e diz:
- Eu não sou de Palermo.
O repórter:
- Pois bem, mudaremos, diremos ser de Buenos Aires e daremos tudo com bastante ênfase.
O homem novamente o corrige, dizendo enfim:
- Desculpe, também não sou de Buenos Aires, sou da região de La Matanza, a mesma dos Kirchners e sou peronista convicto.
No Clárin do dia seguinte, eis a manchete sobre o ocorrido:
"Homem violento e descontrolado, peronista fora de si, mata violentamente numa calçada de Palermo, um indefeso cão de raça, sob os olhares de singela criança a presenciar tão dantesca cena".

Assim são construidas as manchetes diárias dos Clárins da vida, como também as interpretações diárias em milhares de fake news circulando pela aí, como editoriais de jornais da grande imprensa brasileira. Pelo visto, o problema que ocorre lá, ocorre cá, só mudando os nomes de seus executores. Por lá, peronistas e por aqui, petistas e a esquerda, os abomináveis deste mundo. Não sei se muitos já se deram conta, mas estamos diante de uma guerra de interpretações e nela, quem tem o poder da palavra, o exerce ao seu bel prazer, não visando a verdade dos fatos, mas seus interesses.

O TREM E BAURU
Dias atrás, Kyn Junior publicou essa foto, que não sei a autoria e junto dela uma poesia sobre a importância dos trilhos urbanos passando pela nossa cidade, algo hoje não mais entendido. Infelizmente muitos opinam sobre sua retirada, não lhes dando a importância devida. Tudo isso merece uma infindável discussão:

E OS TRENS QUE VÊM DE BAURU
E os trens que vêm de Bauru
Trazem cheia a segunda classe,
Com catingas de porão de navio,
Com choros de crianças embrulhadas em grossas lãs
européias,
Com caras rubras queimadas de sóis estrangeiros,
Famílias salubres e miseráveis
Que o Brasil chamava, miragem de ultramar.
Nesse amontôo de povo mal dormido
— Cabeças com lenços de cores, boinas de veludo negro —,
Nesses corpos fétidos que os beliches balançaram
Na travessia do vapor inglês,
Há uma poesia profunda,
Há uma poesia violenta,
Poesia das plebes agrícolas da Europa,
Poesia de raças antigas e obstinadas
Que qualquer coisa para este lado do Atlântico atrai;
Poesia da sorte desconhecida sobre o mar,
Poesia do porto de Santos,
Poesia da São Paulo Railway Company,
Poesia da Capital entrevista na bruma,
Poesia da imigração.
Publicado no livro Noroeste e Outros Poemas do Brasil (1933). Poema integrante da série Noroeste.
In: COUTO, Ribeiro. Poesias reunidas. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1960. p.24

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