O Daniel é o proprietário, um cara com a cara de quem leva a vida ali ao lado dos universitários, rodando todo tipo de trabalhos que lhe chegam às mãos, mas sem perder a fidalguia, que no seu caso é o jeito bonachão, desleixado e descuidado. Ele sempre tocou seu negócio desta forma e jeito e isso, para mim, é o encanto, o chamarisco e o causador de muita querência entre os alunos. Estes, chegam já com certa intimidade, brincam com o cachorrinho, mascote do lugar - que só caga numa caixinha num canto -, pegam algumas guloseimas sem o dono ver, mas na hora de acertar as contas com os impressos que foram lá fazer, pagam e assim ajudam o negócio a ir sendo tocado pra frente. A sessão de cadernos é inigualável, bagunçada como tudo por ali e como sei, as papelarias de Buenos Aires são um luxo, com cadernos de todas as matizes, uns mais lindões que os outros, mas ali você acaba encontrando a maioria dos que estão nas casas chiques da cidade, com um enorme diferencial, preços muito mais honestos e convidativos.
Enfim, eu, enquanto Ana Bia está lá do outro lado da rua, dentro da unidade da UP, participando de uma apresentação acadêmica, ministrando uma aula ou se inteirando deste lugar, onde nunca vi nada igual, a maior mistura de gente de todos os cantos desta América Latina, naquilo que, verdadeiramente vejo sendo colocado em prática nessa tal de Pátria Grande, pois tem gente de quase todas as nacionalidades aqui na América do Sul e Central. E a maioria acaba passando pelo BAR y DISEÑO - LIBRERIA TÉCNICA Y ARTÍSTICA, um destes locais onde se encontra de tudo um pouco, inclusive local para uma boa conversa. A Unesp Bauru já teve um lugar assim, não tem mais e a ITE, lá na vila Falcão, também j´pa teve, mas também fechado. Por aqui, Daniel permanece aberto e irradiando algo divinal, o jeito sem ligar pro que se vê com os olhos, mas se sente com a alma.
Eu aprecio demais da conta lugares assim, sem a devdia pompa, mas destes resolutivos, onde você vai, o cara está lá do outro lado do balcão com a barba por fazer e se possível, com o cigarro entre os dedos, mas atencioso e resolvendo seu problema. Não vejo aquele paraíso com outra formatação, algo mais organizado. Hoje, ao passar por lá, revejo o Daniel e lhe digo: "Vim aqui a primeira vez, há uns oito anos atrás e sabe o que mais gosto? Nada mudou, nem pra pior, nem pra melhor. A bagunça é a mesma e encontro sempre suas pratelerias, cadernos deliciosos e com preços que não encontro pelos lugares da moda". Ele abre um sorriso, e me diz não ter tempo para arrumações, pois trabalha, atende alunos e quando sobra um tempo livre, vai fazer outra coisa e acaba se esquecendo de espanar o pó. Então, meus caros e caras, quando venho pra cá e me pedem indicações turísticas, aquelas que todos já mais ou menos conhecem destas plagas, eu indico lugares assim, perdidos dentro da metrópole e com a cara da picardia, ousadia e destes comerciantes com jeitão de, em primeiro lugar, saber tocar suas vidas sem se deixar levar por modiscos e frescuras. Precisam ver os cadernos que acabei comprando lá desta vez e na conversão do peso pro real, preços que ninguém encontraria no Brasil. Nem sei se a Tilibra, por exemplo, produz cadernos com a cara e jeito dos que ali encontro. Sou vidrado na bagunça da casa do Daniel.
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