QUANDO CACEI DALTON TREVISAN PELAS RUAS DE CURITIBA
Trabalhei por muitos anos em Curitiba. Meus tempos de vendas das chancelas. Era uma semana no Rio de Janeiro e outra em Curitiba. Na maioria das vezes não ia de carro, mas de ônibus. Saia de Bauru 22h, preferencialmente pela Princesa do Norte. Chegava na rodoviária por volta das 6h. Passei em alguns períodos do ano, um frio de lascar. Tinha meu lugar para ficar no centro do da cidade, um hotel que escolhi numa das primeiras idas, por acaso e acabou sendo meu porto seguro, o Palace. Um lugar simples, 50 metros da rua Quinze, foram anos no mesmo lugar. Menos de duzentos metros da praça Santos Andrade e, consequentemente, da Faculdade de Direito. Centro nervoso da cidade, uma infinidade de sebos por todos os lados. Devo ter conhecido todos, vendido chancelas na maioria deles e também nas livrarias.
Escrevo de uma delas, loja única, bem ao lado da faculdade mais agitada da cidade, a Federal do Paraná. A livraria é a do Chaim. São dois andares forrados de livros. É o atendimento mais personalizado da cidade. Seus vendedores são treinados pelo tempo. Estão ali há mais tempo do que o de qualquer outra. Uma delícia ser atendido por gente assim, preparada e sabendo realmente te sugerir algo ou ao menos conversar a respeito. Sabem tudo. O Chaim é uma instituição paranaense e quando o descobri, passava por lá quase toda vez na cidade. Desde aqueles tempos, começo dos anos 2000 até lá pelos 2015, sempre li ou vi dizer que ali era o local de preferência de um dos maiores escritores brasileiros, Danton Trevisan.
Confesso. Ia lá com segundas intenções, ver o escritor, o mais arredio brasileiro. Mais que ele, só mesmo o J.D.Salinger, norte-americano do “O apanhador no campo de centeio”. Estes dois fogem de leitores. Circulam nas sombras. Assim mesmo, ficava rodando pelas imediações dos Altos da Glória, perto do estádio do Coritiba, tudo para tentar descobrir qual a casa do escritor. Sabia até a rua onde residia, na Ubaldino do Amaral, mas não a quadra, muito menos o número da casa. O reconheceria de longe, magro, aqueles óculos na face meio esquálida. Não dei sorte. Era uma obsessão. De tanto marcar presença lá no Chaim, acabei sendo reconhecido por um dos vendedores e este me dizia da minha má sorte. “Esteve ontem aqui, me disse certa vez. Seus livros tenho quase todos, o dito “Vampiro de Curitiba”, textos curtos, todos de fino trato, com um poder de concisão inexistente no país. Talvez só Millôr Fernandes e seus hai-kais cheguem perto.
Mas como tudo na vida pode ser alcançado pela persistência, meu dia chegou. Foi numa tarde, mas tive que me contentar em observá-lo de longe. O vendedor me disse, ele ser muito simpático, mas não gostava nada de ficar conversando, trocando figurinhas, não por pedantismo, mas por querer viver isolado. Eu entendia e não teria mesmo nem como se apresentar. Cheguei neste dia, estava rateando uma das prateleiras quando o vendedor me cutuca e diz: “O homem está aí”. Não precisou nem me mostrar quem era, o reconheci de bate pronto. Tremi nas pernas. Fingi não estar abalado e fiquei o observando pelo canto dos olhos e dos livros. Gestos lentos, sincronizados, reservava livros e os folheava num canto previamente reservado pelo dono da livraria. Foi o máximo. Fiquei ali bem uma meia hora e depois, passei a ler com maior sofreguidão seus textos.
Hoje, passados mais de uma dezena de anos sem que volte na Chaim, abro a Piauí deste mês e lá uma belo texto, “Vampiro no apartamento – O escritor Dalton Trevisan, que fez 99 anos neste mês, organiza sua vasta correspondência e prepara novas edições de seus contos”, escrito por Leonardo Fuhrmann. No texto fico sabendo que, o escritor morou na mesma casa por 68 anos e hoje mora num apartamento, distante das ruas por questão única e exclusivamente da idade. Foi o que li primeiro na revista e agora, depois de reviver meus tempos de Curitiba e da caçada empreendida, até um dia conseguir ao menos vê-lo, penso em pedir permissão para Ana Bia e voltar a pegar o ônibus das 22h, chegar bem cedo em Curitiba e passar um dia inteiro andando pelos lugares que um dia vasculhei com sofreguidão. Com certeza passarei no Chaim, na Boca Maldita, nos sebos da cidade, onde um dia descobri que, num deles, o Joaquim, ele é nascido na vizinha Reginópolis. Vai ser o máximo. Descubro também que, o aniversário dos 99 anos deste magistral escritor brasileiro ocorrerá no próximo dia 14. Dalton é merecedor de toda louvação e ao relembrar essas andanças minhas por Curitiba, tempos quando ainda não existia por lá Sergio Moro, nem a pérfida Lava Jato e muito menos os paranaenses tinham como governador um Ratinho, sendo hoje, um dos locais mais abomináveis, reduto do conservadorismo nativo. Circulava por lá nos tempos onde quem reinava era Paulo Leminski e, é claro, Dalton Trevisan.
"É tolice pensar que tem de ler todos os livros que compra, pois é tolice criticar aqueles que compram mais livros do que alguma vez conseguiram ler. Seria como dizer que deve usar todos os talheres ou óculos ou chaves de fenda ou brocas que comprou antes de comprar novos.
"Tem coisas na vida que precisamos ter sempre abundância, mesmo que usemos apenas uma pequena porção.
"Se, por exemplo, consideramos os livros como medicina, entendemos que é bom ter muitos em casa em vez de alguns: quando se quer sentir melhor, então vai ao 'armário dos remédios' e escolhe um livro. Não um aleatório, mas o livro certo para aquele momento. É por isso que você deve ter sempre uma escolha nutricional!
"Quem compra apenas um livro, leia apenas esse e depois se livra dele. Eles simplesmente aplicam a mentalidade do consumidor aos livros, isto é, consideram-nos um produto de consumo, um bem. Quem ama livros sabe que um livro é tudo menos uma mercadoria. "
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