sábado, 2 de novembro de 2024

MÚSICA (241)


VITROLINHA DO HPA VOLTA PARA ESPEZINHAR O AGRONEGÓCIO*
* Sim, a vitrolinha voltou. Aqui o registro do que ouço, o que me toca e faz tirar um LP/CD das estantes, colocando som na caixa, na dança - ou para dançar. Já fiz listas por aqui e depois, com o tempo, não dei conta, parei. Hoje, recomeço, sempre com aquelas que fazem minha cabeça, muitas vezes, não só pela letra, mas pelo autor, pelo tema, pelo momento, interpretação, indicação, lembrança... O fato é que, a música me move e não vivo sem ela, ainda mais agora, neste momento, cheio de incertezas e desaproximações. Daí, eu me refugio lendo, escrevendo e ouvindo música. Espero que gostem - de algumas, pelo menos -, pois para mim é tudo de bom buscar tempo para aqui revivê-las, agora como primeira publicação do dia. Acordar com música é indescritível.

REIS DO AGRONEGÓCIO (Chico César e Carlos Rennó), voz e guitarra de Chico César, do CD, "Estado de Poesia", Urban Jungle/Chita Discos, 2015.
Entrei ontem no Mafuá predisposto a ouvir algo de Chico César, ainda sem saber ao certo o que. Não queria algo das antigas e sim, mais recente. Lembrei de uma que ele canta divinalmente, desdizendo dos rodeios e dessa áurea no entorno deste modal, que fujo como o diabo da cruz. Dei de cara com este CD e é claro fui logo na última, a 16ª faixa e até agora não entendo como Chico a canta inteira, tudo bem decoradinho, pois sua letra é um belo exercício de memória. Da letra, um líbelo contra o avanço desmedido dessa bestial ultradireita no país, encabeçada pelo Agro, para mim, segmento abominável, detestável, deplorável... A letra é mais que um corajoso manifesto.

Ó donos do agrobis, ó reis do agronegócio
Ó produtores de alimentos com veneno
Vocês que aumentam todo ano sua posse
E que poluem cada palmo de terreno
E que possuem cada qual um latifúndio
E que destratam e destroem o ambiente
De cada mente de vocês olhei no fundo
E vi o quanto cada um, no fundo, mente
E vocês desterram povaréus ao léu que erram
E não empregam tanta gente como pregam
Vocês não matam nem a fome que há na terra
Nem alimentam tanto a gente como alegam
É o pequeno produtor que nos provê
E os seus deputados não protegem, como dizem
Outra mentira de vocês, pinóquios véios
E vocês já viram como tá o seu nariz, hem?
Vocês me dizem que o Brasil não desenvolve
Sem o agrebis feroz, desenvolvimentista
Mas até hoje, na verdade, nunca houve
Um desenvolvimento tão destrutivista
É o que diz aquele que vocês não ouvem
O cientista, essa voz, a da ciência
Tampouco a voz da consciência os comove
Vocês só ouvem algo por conveniência
Para vocês, que emitem montes de dióxido
Para vocês, que têm um gênio neurastênico
Pobre tem mais é que comer com agrotóxico
Povo tem mais é que comer, se tem transgênico
É o que acha, é o que disse um certo dia
Miss motosserrainha do desmatamento
Já o que eu acho é que vocês é que deviam
Diariamente só comer seu alimento
Vocês se elegem e legislam, feito cínicos
Em causa própria ou de empresa coligada
O frigo, a multi de transgene e agentes químicos
Que bancam cada deputado da bancada
Até comunista cai no lobby antiecológico
Do ruralista cujo clã é um grande clube
Inclui até quem é racista e homofóbico
Vocês abafam, mas tá tudo no YouTube
Vocês que enxotam o que luta por justiça
Vocês que oprimem quem produz e que preserva
Vocês que pilham, assediam e cobiçam
A terra indígena, o quilombo e a reserva
Vocês que podam e que fodem e que ferram
Quem represente pela frente uma barreira
Seja o posseiro, o seringueiro ou o sem-terra
O extrativista, o ambientalista ou a freira
Vocês que criam, matam cruelmente bois
Cujas carcaças formam um enorme lixo
Vocês que exterminam peixes, caracóis
Sapos e pássaros e abelhas do seu nicho
E que rebaixam planta, bicho e outros entes
E acham pobre, preto e índio tudo chucro
Por que dispensam tal desprezo a um vivente?
Por que só prezam e só pensam no seu lucro?
Eu vejo a liberdade dada aos que se põem
Além da lei, na lista do trabalho escravo
E a anistia concedida aos que destroem
O verde, a vida, sem morrer com um centavo
Com dor eu vejo cenas de horror tão fortes
Tal como eu vejo com amor a fonte linda
E além do monte um pôr do sol, porque
Por sorte vocês não destruíram o horizonte ainda
Seu avião derrama a chuva de veneno
Na plantação e causa a náusea violenta
E a intoxicação ne' adultos e pequenos
Na mãe que contamina o filho que amamenta
Provoca aborto e suicídio o inseticida
Mas na mansão o fato não sensibiliza
Vocês já não tão nem aí com aquelas vidas
Vejam como é que o ogrobis desumaniza
Desmata Minas, a Amazônia, Mato Grosso
Infecta solo, rio, ar, lençol freático
Consome, mais do que qualquer outro negócio
Um quatrilhão de litros d'água, o que é dramático
Por tanto mal, do qual vocês não se redimem
Por tal excesso que só leva à escassez
Por essa seca, essa crise, esse crime
Não há maiores responsáveis que vocês
Eu vejo o campo de vocês ficar infértil
Num tempo um tanto longe ainda, mas não muito
E eu vejo a terra de vocês restar estéril
Num tempo cada vez mais perto, e lhes pergunto
O que será que os seus filhos acharão
De vocês diante de um legado tão nefasto?
Vocês que fazem das fazendas, hoje
Um grande deserto verde só de soja, de cana ou de pasto?
Pelos milhares que ontem foram e amanhã serão
Mortos pelo grão-negócio de vocês
Pelos milhares dessas vítimas de câncer
De fome e sede, e fogo e bala, e de AVCs
Saibam vocês, que ganham com um negócio desse
Muitos milhões, enquanto perdem sua alma
Que eu me alegraria, se afinal, morresse
Esse sistema que nos causa tanto trauma
Eu me alegraria, se afinal, morresse
Esse sistema que nos causa tanto trauma
Eu me alegraria, oh
Esse sistema que nos causa tanto trauma
Ó donos do agrobis, ó reis do agronegócio
Ó produtores de alimento com veneno

COMEÇO NOVEMBRO RELENDO CALVINO, COM SUAS MIRABOLANTES FÁBULAS, SÁTIRAS E LINGUAGENS SIMBÓLICAS
Cliquem na imagem e ela aumentará, facilitando leitura.
Gosto de livro, quase todos. Passo ao largo com auto-ajudas, destes mantenho distância. Este aqui, por exemplo, tenho carinho mais que elevado, pois me chegou às mãos de uma forma muito dolorosa e, também carinhosa. Almir Ribeiro possuia uma biblioteca das mais valiosas da cidade e nelas um carimbo especial, "Bilblioteca Leon Trotsky - 1979", feito sempre na página inicial. Sim, este livro foi dele e me foi dado, dentre outros, pela sua esposa, algum tempo depois de seu falecimento e desde então, incorporado com louvor na Biblioteca do Mafuá. Almir sabia muito bem cuidar de um livro, sendo que todos recebidos dele, estavam até então, impecáveris. Espero manter o mesmo cuidado do dedicado Almir, inveterado devorador de obras como essa, dita como clássicos mundiais. A trilogia de Calvino prende o leitor em todos os seus momentos. Sou por ela abduzido e só consigo abandonar o iniciado quando o escrito se finda. Essas duas metadas do ser humano, separada uma nhaca e quando juntas, esses seres, como somos, fazemos e acontecemos. Escrever sobre o absurdo, ou como eles se apresentam para nós, algo que só mesmo os com um algo mais na verve escrevinhativa conseguem conduzir com sapiência. Calvino foi mestre neste quesito.

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