UMA ALFINETADA (31)Essa eu escrevi em maio de 2007 e hoje ao encontrá-la no meio da organizada bagunça desse mafuá, resolvi publicar aqui também. As idades e datas são de um ano atrás. Não revi nada.
MEUS VELHOS
Eu mesmo, nos quase 47 anos, estou mais para velho do que para moço. Nem por isso, deixei de fazer e acontecer. Estou em plena atividade. Afinal, ainda tenho lenha para queimar (cuido do meu estoque). E queimo, como todo velho deveria continuar fazendo. Adoro velhinhos inquietos, que não ficam sentadinhos na área de suas casas olhando para a rua como algo intransponível. Quero hoje homenagear os velhinhos que continuam na ativa, impondo suas opiniões e colocando a cara para bater. São ótimos. Isso me faz lembrar de alguns que já se foram, como meu avô Perazzi, Ezza Pound, Mário Quintana, Borges, Jorge Amado, Prestes, Picasso, minha vó Maria e tantos outros. Morro um pouco a cada dia de saudade deles todos. Adoro os velhos que se atrevem a continuar fazendo coisas sózinhos (mesmo correndo os riscos todos), como ir a bancos, dirigir carros, trabalhar e se mostrar ativos. Presto uma justa homenagem a três deles, bem singulares, da melhor cepa e meio que únicos:
1.
Ariano Suassuna é paraibano e está prestes a completar 80 anos.Ficou nacionalmente conhecido com a montagem do Auto da Compadecida e hoje faz parte da ABL. Dia desses ouvi entrevista sua no rádio, onde esbravejava contra o lixo cultural que invade nossas casas: "Madonna, Michael Jackson, Elvis... Em cinco séculos eles estarão esquecidos. Mozart não." Demonstra ser um insatisfeito por natureza, daqueles que regularmente desmancha tudo e escreve tudo de novo. Adoro seu jeito ranzinza, sem ser sectário: "Dizem isso porque sou firme. Enfrento a batalha. Mesmo que possa sair derrotado." Equando o interpelam sobre essas batalhas diárias, é enfático: "Os moinhos de vento existem sim".
2.
Oscar Niemeyer é o arquiteto mais conhecido do meu mundo e está prestes a adentrar o centenário. Continua mais vivo do que nunca. Após ver quase de tudo em sua vida, anda reclamão (e com razão) da chatice do mundo atual: "O mundo anda uma merda." Mistura palavrões em suas falas e baixa o sarrafo (como sempre fez), enquanto continua produzindo traços livres e sinuosos. Estava numa recente entrevista ao Conexão Internacional do Roberto D'Ávila, quando blasfemou contra amiséria, a injustiça e a pobreza (do jeito que merecem): "Sabe de uma coisa? Nós estamos é fodidos."E tudo saiu na TV, pois ninguém se atreve a editar mestre Oscar. É lindo o ver colocar a boca no trombone.
3.
Fidel Castro chega aos 80 anos apresentando os seus primeiros problemas de saúde. Continua com a mesma lucidez de sempre, porém o corpo já não consegue acompanhar o ritmo da mente. Uma pena. Após a demorada convalescença no hospital, sempre que solicitado, nunca se furtou a continuar dando seus pitecos em tudo. Foi enfático no ataque à política de Bush para o etanol: "Não é correto utilizar alimentos que poderiam matar a fome de bilhões de pessoas em todo o mundo para fabricar combustíveis." Mesmo para nós brasileiros, os grandes beneficiários, o negócio é preocupante, pois a simples idéia de converter alimentos em combustível é trágico para a fome mundial. Fidel comprova continuar antenado com os males desse mundo.
Quero ser exatamente igual a esses meus velhos, ranzinzas, intransigentes, mas não perdendo a irreverência, jamais. E não me esqueço dos velhinhos que permanecem por aqui, como aroeiras, resistindo bravamente. Dentre eles, rendo homenagens eternas a meu pai Heleno, Dercy, Rubem Alves, Rachel de Queiroz, cardeal Arns, Bibi Ferreira e tantos outros. Nunca me esqueço de uma historinha quando de uma eleição perdida pelo Lula, esse convidou para seu vice o jurista Raymundo Faoro. Ele, viúvo, aposentado, tendo passado a vida quase toda dentro dos tribunais entre papéis e decisões, declinou educadamente do convite com um argumento inquestionável: "Não vou suportar mais cobranças nessa vida. Quero viver livremente. Daqui para frente sou das putas e isso poderá lhe trazer problemas." E assim seguiu sua vida até o desfecho final.
Henrique Perazzi de Aquino, 46 anos, rende com esse texto homenagens a seu pai, que com 78 anos causa espanto, pois ganhando sempre muito pouco, construiu três casas, comprou chácara e casa no campo. Eu que já fiz e desfiz, hoje não tenho nem casa, muito menos carro em meu nome. Continuo sendo um gauche na vida e com família para susentar.