domingo, 18 de março de 2012

BEIRA DE ESTRADA (17)

O CAMINHÃO DO BARULHO - publicado na Revista do Caminhoneiro, edição nº 288, fevereiro de 2012, circulação nacional, tiragem de 100 mil exemplares, http://www.revistacaminhoneiro.com.br/ *
Rodo pouco na vida. Tenho poucos quilômetros rodados em meu currículo, pois não sou estradeiro e sim, bicho urbano. Sai da fábrica novinho em folha, zero bala, tinindo de brilho e já fui logo sofrendo uma transformação danada nos meus costados. De cara nova, já sai da oficina pronto para promover barulho. Não estão entendo nada? Explico.

Sou um caminhão de som, desses chamados Brasil afora de Trio Elétrico. Fui montado para prestar serviços de som e de palco para eventos culturais em uma Prefeitura Municipal do interior brasileiro. Cidade grande, movimento garantido o ano todo. E dou conta do recado, isso o mais importante.

Durante o ano rodo os bairros com artistas fazendo shows, palco para apresentações pela periferia da cidade. Acontece de tudo um pouco em cima de mim e seguro bem o tranco. Sou personagem principal nesses eventos, pois sem a minha presença a festa marcada não acontece e um dos meus maiores orgulhos é quando chego e sou logo rodeado de pessoas, principalmente crianças a me tocar e buscando os melhores lugares na frente de uma de minhas laterais, transformada num imponente palco.

Sou uma espécie de transmissor de cultura. Agüento o baralhado o ano todo, com sol ou chuva, dia ou noite e minha maior sorte é ter encontrado pessoas dedicadas, que cuidam de mim com esmero e dedicação. Não tenho do que reclamar.

Quando termina a festança da passagem do ano, eu no meio daquele foguetório por todos os lados sou levado para um breve período no estaleiro, ou seja, vou para a manutenção. Recauchutagem geral em todos meus equipamentos e recomeço o ano fazendo a festa do Carnaval.

Acredito todos conhecerem aqueles caminhões que descem as avenidas onde ocorrem os desfiles das Escolas de Samba, lotados de caixas de som, com os puxadores de samba e um monte de gente fantasiada no cangote. Sou um desses. Trabalho muito por esses dias, agüentando tudo sem pestanejar, mas de uma coisa tenham toda a certeza, a diversão é garantida, pois estou no meio do furdunço. O principal de tudo é ter um espírito carnavalesco e para isso escolheram a pessoa certa, pois sou forte, aguerrido, resistente e como todo bom brasileiro, gosto de nossa música e dessa que é nossa maior e mais bonita festa popular.

Não conheço muitas estradas, só as daqui de perto, mas não reclamo de nada, pois gente ao meu lado é o que não falta. Vivo no meio da alegria e mais importante que tudo, proporciono a alegria. Sou útil no que faço e de um dos escalados para me dirigir, dia desses o ouvi num diálogo com outro profissional em algo que não esquecerei jamais. Dando um carinhoso tapinha no meu costado falou:

- Esse é dos nossos. Sabe qual a receita para ele não falhar nunca quando precisamos? Tratamos bem dele, nunca deixamos faltar nada e a resposta é essa, está sempre pronto para o que der e vier. É uma espécie de toma lá dá cá. Essa a harmonia desse trabalho em equipe.
* Esse texto escrevi tendo como fonte inspiradora o hoje aposentado Caminhão Palco, da Secretria Municipal de Cultura de Bauru, relembrando tempos idos quando na ativa e percorrendo bairros e mais bairros da periferia da cidade, presença marcante em eventos durante décadas. Infelizmente não tenho nenhuma foto dele (a publicada é meramente ilustrativa), nem nesses áureos tempos, nem agora, esquecido num depósito da Prefeitura. De utilidade mais do que comprovada, meu texto é uma ODE para que um dia algo semelhante novamente marque presença no cenário cultural de Bauru.

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