sexta-feira, 30 de março de 2012

FRASES DE UM LIVRO LIDO (58) e MEUS TEXTOS NO BOM DIA (170)

SERIA BATMAN UM MELIANTE? – publicado BOM DIA BAURU em 24.03.2012
Eu sempre gostei muito de HQ. Meu filho herdou o gosto e minha coleção de tudo o que havia guardado em caixas e mais caixas. Dentre eles, Batman e aqueles malucos todos de Gotham City. Travo hoje com ele uma conversa que vai muito além da HQ e recebo em troca homéricos toques sobre os desvios de conduta do personagem roteirizado, dentre outros, por Frank Miller. “Pai, prefiro muito mais o traço alternativo do Alan Moore, abertamente de esquerda e criador entre outros do ‘V de Vingança’. Ele trava uma discussão mais do que séria com Miller, esse abertamente de direita e a enxergar no seu personagem uma viável alternativa em contrapartida ao governo local. Sua cria, o Batman é viril, poderoso e muito influente com as autoridades locais. Gordon, o Comissário de Polícia sempre libera seu acesso até o Asilo Arkhan para interrogar os internos. E o que é isso se não transgressões? Por outro lado o Alan Moore me fez entender que Batman e o Coringa são crias do mesmo material”, me diz. Viajamos nessa conversa. Confesso, depois de décadas, reli novamente Batman. Tudo para tentar manter discussões em grau de igualdade. Da última vez, foi com o citado Asilo Arkhan, me mostrando a inquietante indagação do psicólogo do lugar, Hugo Stranger para Batman: “Você já pensou na possibilidade de que a sua presença seja o elemento catalisador de todos esses malucos?”. De cara concordei com sua tese. Dias depois lhe mostro a revista “Samuel” (http://www.revistasamuel.com.br/ ), onde no HQ, “A Sociologia do Batman”, traço de Zé Dassilva, a seguinte sequência de diálogos: “Que Gothan City é uma cidade violenta todo mundo sabe. Agora pergunta para qualquer sociólogo o que ele acha disso (“Violência urbana é causada pela concentração de renda”). Quem é o cara que ali mais concentra renda? (Bruce Wayne). E quem combate a criminalidade na cidade? (Batman). Então, deixa ver se entendi. Não satisfeito em gerar milhares de excluídos, o playboy ainda sai a noite para meter porrada neles? Mas é muito cinismo!”. Falamos a mesma língua.

AS FRASES DE UM LIVRO DE HQ: “Batman, a Piada Mortal”, edição especial de luxo, roteiro de Alan Moore e desenhos de Brian Bolland, capa dura, prefácio de Tim Sale, Panini Comics, 2011, 82 páginas. Para quem nunca leu, a HQ até pode parecer uma distração como outra qualquer, mas vai muito além disso. Não é minha intenção contar aqui a narrativa e sim separar alguns diálogos. Reflexões nada abusrdas dessa loucura provocada pela instabilidade causada ao ser humano pelos dias atuais:
- “Você já sofreu bastante se casando comigo... sou um fracassado. (...) Eu não consigo sustentar você! O que vamos fazer? (...) Eu queria ter dinheiro para morar numa vizinhança decente. Tem garotas aí na rua que ganham mais do que eu e não precisam contar uma única piada”, Coringa, ainda casado e tentando sobreviver como humorista, antes do nascimento do filho.
- “As lembranças são traiçoeiras! Num instante você está perdido num carnaval de prazeres com o aroma da infância, os neons da puberdade. No outro eles te levam a lugares aonde você não quer ir, onde a escuridão e a sombra trazem à tona coisas que você gostaria de esquecer! As lembranças podem ser vis, repulsivas, brutais... como crianças. Ah ah ah! Mas podemos viver sem elas? A razão se sustenta nelas. Não encarar as lembranças é o mesmo que negar a razão! Mas e daí? Quem nos obriga a ser racionais? Não há cláusula de sanidade! Assim, quando você estiver dentro de um desagradável trem de recordações, seguindo pra lugares do seu passado onde o risco é insuportável... Lembre-se da loucura. Loucura é a saída de emergência, Você só precisar dar um passo pra trás e fechar a porta com todas aquelas coisas horríveis que aconteceram... presas lá dentro... pra sempre”, Coringa torturando um prisioneiro, o comissário Gordon.
- “Quando o mundo está cheio de preocupação e todas as manchetes gritam aflição, quando tudo é estupro, fome e guerra, bem... então, só há uma coisa certa a fazer e vou te ensinar pra você saber. Você deve soriiiiiiir. Se você começar a olhar as pessoas meio irado, é sinal de que está ficando inteiro pirado”, Coringa ainda ma mesma sessão de tortura.
- “Senhoras e senhores! Vocês Jô o conhecem pelas manchetes dos jornais! Agora, tremam ao ver com seus próprios olhos o mais raro e trágico dos mistérios da natureza! Apresento o Homem Comum!!! Fisicamente ridículo, por outro lado, uma deturpada visão de valores. Observem o seu repugnante senso de humanidade, a disforme consciência social e o asqueroso otimismo. É mesmo de dar náuseas, não? O mais repulsivo de tudo são suas frágeis e inúteis noções de ordem e sanidade. Se for submetido a muita pressão ele quebra!Então, como ele faz para viver? Como esse pobre e patético espécime sobrevive ao mundo cruel e irracional de hoje? A triste resposta é: Não muito bem! Frente ao inegável fato de que a existência humana é louca, casual e sem finalidade, um em cada oito deles ficaz piradinho! E quem pode culpá-los? Num mundo psicótico como este qualquer outra afirmação seria loucura!”.
- “Demonstrei que não há diferença entre mim e outro qualquer! Só é preciso um dia ruim para reduzir o mais são dos homens a um lunático. É essa a distância que me separa do mundo. Apenas um dia ruim. (...) Quando vi que piada de mau gosto era esse mundo, preferi ficar louco. Eu admito! E você? (...) Tudo pelo que as pessoas lutam e dão valor não passa de uma monstruosa e insensata anedota. Então, por que você não vê lado engraçado? Por que não está rindo?”, sua fala quando Batman o caçava.

ALGO PARA ENCERRAR O DIA E NÃO ESQUECER DE NADA: Pedem que escreva algo sobre Chico Anísio e Millôr Fernandes, recentemente falecidos. Que mais poderia fazê-lo além de tudo que já foi escrito, visto e dito. Não sei mensurar qual dos dois gosto ou desgosto mais. Tenho comigo algo de muito bom de ambos e algo também de ruim. São mestres no ofício que escolheram para suas vidas. Li muito, mas muito mesmo de Millôr e gosto de suas reflexões, mas desgosto muito também de sua última passagem pela revista "veja" (sempre em minúscula), pois poderia muito bem ter passado distante de tudo o que essa revista representa de nefasto, diante de tudo o que ele, como escritor consagrado representa para uma legião de fãs. No mais, continuarei o lendo sempre, principalmente por conseguir dizer tudo em textos tão curtos, todos magistrais. Do Chico gosto muito de vários de seus personagens, outros nem tanto. Tudo normal, dentro de alguém que tenha criado mais de cem. Aprendi a conviver com muitos deles via TV e deixo o nome de um como registro de uma época, o boleiro Coalhada, que sempre me fez rir muito. Mas a melhor lembrança que guardo do Chico não é como ator, mas como letrista de sambas, principalmente reverenciando o Rio Antigo. Foi magistral nisso e cantarolo algumas dessas letras sempre com muita emoção. Escrever mais é bobagem, fico nisso.

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