sexta-feira, 13 de outubro de 2017
MEMÓRIA ORAL (217)
“MODA É CONTAR HISTÓRIA, A SUA HISTÓRIA” - O DESFILE INCLUSIVO DE JOÃO PIMENTA EM BAURU E A IDEIA DE ALGO JUNTO COM OS ASSENTADOS SOCIAIS
Vamos por partes. Primeiro a realização de um Colóquio de Moda, desta vez em Bauru, em sua 13ª edição. Sob a direção da professora da área de Design de Moda, Monica Moura, após árdua batalha, eis o mesmo adentrando o campus da Unesp Bauru e de 12 a 15 de outubro, algo mais a ocorrer nas hostes desta cidade, dentro de um prolongado feriado. O calor resolveu dar as caras de vez justamente por esses dias e a única reclamação ouvida dentre os congressistas é sobre o implacável abafado da cidade. “Mas até ontem tínhamos chuva, semana passada até blusa usamos”, foi uma das justificativas ditas pelos locais.
O palco principal do evento é o Guilhermão, como é chamado o confortável Centro de Convenções da Unesp, um local amplo, arejado e por ter aberturas laterais imensas, por ali adentra um vento reconfortante. Dentre todas as atividades programadas para ocorrer, uma chamou a atenção. Semana passada ocorre uma convocatória para reunir interessados em participar de um desfile de moda inclusiva, com peças do estilista João Pimenta. No texto isso: “Nos dias 12/10 o Colóquio de Moda contará com um Desfile Inclusivo (sem distinção de altura, peso, idade, raça, gênero social e outros) de um dos maiores designers de moda contemporâneo brasileiro da última geração, João Pimenta. Serão escolhidos 40 pessoas entre cidadãos bauruenses e alunos da Unesp-FAAC para realização do desfile”.
Segundo, para quem nunca ouviu falar, não é do ramo da moda, nada melhor do que algo sobre tão reverenciada pessoa. “João Pimenta começou a sua história no mundo da moda brasileira assim que saiu de Minas Gerais e chegou em São Paulo, no ano de 1987. Hoje, ele é um dos principais nomes da moda masculina e sustentável. João Pimenta deixou de lado o trabalho de lavrador no interior e se transformou em um dos maiores estilistas brasileiros. Isso tudo sem abrir mão do seu passado, que é uma característica principal em todas as suas coleções. Ele mudou para São Paulo na tentativa de se tornar ator, mas precisou se entregar para os tecidos em uma confecção no bairro do Bom Retiro, pois precisava se sustentar. Foi assim que percebeu seu talento para a costura, corte e modelagem. O passado de João, que gira em torno dos temas religiosos, folclóricos, artesanais e culturais dos povos brasileiros, fez com que o artista utilizasse materiais irreverentes em suas criações.”, informações do Passarela Blog, agosto 2017.
Pois bem, João aceitou o convite de trazer parte do seu trabalho para Bauru e quando soube que os inscritos eram 59, não pensou duas vezes e disse que traria roupas para todos desfilarem. Chegou o dia da apresentação, ele já na cidade um dia antes, com uma van lotada de suas roupas. Foi vendo a foto dos inscritos e fazendo adaptações para encaixe no perfil de cada um. Quando conheceu a gare da Estação da NOB de Bauru, foi motivado por outra paixão, acabou arrebatado pelo transmitido pela edificação. Ao lado de Sivaldo Camargo, diretor da Cia Estável de Dança que o ciceroneou pela cidade e logo se tornaram amigos, conheceu um pouco da realidade onde atuaria. “Ele me deixou muito a vontade, adorou a estação e a proposta de desfile ampliado, coletivo. Nos demos tão bem que, acabou me convidando para ser o produtor do desfile. Aceitei e o ajudei em todos os detalhes. Ele quer saber de detalhes da cidade antes da tomada de qualquer decisão.”, conta Sivaldo.
Chega o grande dia e as pessoas começam a aparecer, o público enche o local, muito antes dos convidados do Colóquio e quando esses chegam, tiveram que se acomodar não nas primeiras fileiras, já praticamente tomada pelos familiares dos que iriam desfilar. No camarim, a loucura estava estabelecida. Surgiram pessoas dispostas a ajudar na maquiagem, na organização e em ir compondo a ordem dos desfiles, a arrumação de todos. No local, abafado pelo intenso calor, a apreensão pelo primeiro desfile da imensa maioria era sentida na forma como todos aguardavam o abrir das portas. Já haviam feito um ensaio prévio, estavam todos preparados e dispostos a sair sob os holofotes. João os acalmava com sua fleuma e simpatia. Isso talvez tenha sido um dos principais fatores do sucesso de tudo, o jeito como tratou a todos, a simplicidade na comunicação e no relacionamento humano.
Chegou o grande momento e um por um ia saindo do improvisado camarim e percorrendo uma passarela montada diante dos trilhos, na antiga plataforma, tendo ao lado composições férreas e do outro, o calor humano do público. O desfile encerrou as atividades culturais na estação, iniciadas com a apresentação da Orquestra Municipal e dos bailarinos da Cia Estável de Dança, essa também sob a batuta de Sivaldo Camargo. A receptividade do público foi imensa, intensa e superou também as expectativas dos congressistas do Colóquio. Dentre os que desfilaram uma chamou muito a atenção, Suka Miranda, aposentada da Unesp, cantora sertaneja, negra, riso de orelha a orelha, alegre por ali estar. Mãe, avó e com todos os netos ali a presenciando, trouxe junto de si a filha, Maria Alice, ambas pela primeira vez numa passarela. “Sinto-me realizada, feliz da vida e nunca mais vou me esquecer deste dia”. Outros tantos repetiam algo semelhante pelos cantos da estação.
Num comentário posterior, a professora carioca Lucia Acar define bem como foi o desfile: “Vi uma senhora pertos dos 70 anos vestindo uma roupa imponente, desfilava como se fosse a própria rainha, estava incorporada na vestimenta. Todos agiram assim, desfilavam incorporados. O João conseguiu algo de tamanha envergadura junto aos que usaram suas roupas”. Esse o grande feito de tudo o que foi ali presenciado. Dulce Lagreca é uma senhora ligada ao teatro, 75 anos e uma vitalidade que a tirou de casa, junto de amigas e veio para a estação. “Se tivesse forças iria também desfilar. Saio maravilhada, pois vejo um profissional dos mais sensíveis. Foi lindo ver as pessoas do povo na passarela e todos altivos, valorizando o momento”.
Salto do desfile para sua palestra, no dia seguinte, manhã de sexta, 13/10, no palco principal do evento, 9h30 da manhã. Ele voltou a ser o foco das atenções e de sua fala extraí alguns fragmentos. “A roupa é uma definição do dia das pessoas, mas nunca vai definir quem você realmente é. Não queira vestir algo e se achar dentro dela. (...) No futuro as pessoas vão ter uma espécie de uniforme, algo com que se identifique, goste e vista por longo tempo, duradouro. Hoje tem muita roupa rolando por aí e isso não resistirá ao tempo. (...) Moda é contar história, a sua história. Se você quer ser estilista, faça roupa de qualquer qualidade, mas faça, use o que tiver a mão, até grampeador vale. Sua autoconfiança muda quando você vê algo seu, mesmo feito de qualquer forma. Enquanto não fizer, estará cada mais distante da concretude do fazer. (...) Necessário fazer algo para reduzir a ansiedade das pessoas. Repensar essa ansiedade. Muitos acham que vestir a roupa vista na passarela na noite de ontem os tornará incríveis e não é bem assim”, diz.
Desde o dia anterior João havia aceito muito bem uma ideia lançada a ele assim como não se quer nada. “João, seu trabalho visto na estação me faz te lançar um desafio. Que acha de fazer algo assim dessa magnitude com assentados? Aqui em Bauru vários deles e num, mais de 1500 pessoas. Como preparou algo para os que aqui desfilaram, vejo algo mais grandioso ao lado desses”, lancei a ideia num roda de conversa. Seus olhos brilharam, topou de cara e só não fez tudo já para o próximo domingo, pois tinha retorno para a capital ainda na manhã de ontem. No reencontro pela manhã, me cercou, questionou se era verdade a intenção dele produzir algo para o assentados, quis saber mais e mais e antes de ir, deixou a van esperando um pouco mais, voltou para questionar Monica Moura e lhe disse: “Me ajude, instigue, provoque, quero voltar para fazer esse desfile, vai ser uma realização pessoal de grande importância para meu trabalho. Viajo pensando no que já irei utilizar. Vou ficar muito decepcionado se esse desfile não ocorrer. Vou fazer um documentário sobre essa integração. Não vejo a hora. Quero conhecer algo mais dos assentados, me envie tudo o que puder”. E se foi, deixando a ideia lançada por mim a ele, já como algo praticamente em andamento, um desfile no Assentamento Cannã. Arrebatadora ideia.
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