RARIDADES MUSICAIS EM TERESÓPOLIS - HERÓI DA RESISTÊNCIA*
* dedicado para Silvio Faria, da extinta Discoteca de Bauru.
Como resistem as lojas de discos nestes tempos onde tudo pode ser baixado, pouco se compra e quase tudo se consegue de formas e maneiras nada convencionais? Em Teresópolis RJ um verdadeiro “herói da resistência” persiste em manter suas portas abertas e continuar remando contra a maré. A história de João Alberto Lima, 54 anos e seu envolvimento com a música vêm de longe, desde os tempos quando trabalhava num frigorífico, mas não era feliz. Fazia o que não gostava. Dezessete anos atrás decretou sua independência, não financeira, mas a de fazer o que gosta e montou uma loja para irradiar sons musicais pela região serrana fluminense. Aliar o desejo de fazer o que sempre gostou deu certo.
Foram sete anos num primeiro ponto e já há dez numa pequena loja de pouco mais de 10 metros quadrados, dentro de uma galeria no centro da cidade. Durante bom tempo a roda girou a contento, mas depois de outro, nem tanto. Lojas com igual teor à sua foram se fechando ao longo dos últimos tempos, não resistindo a onda de inovações no mercado fonográfico. A pior delas vem das vendas terem minguado e muitos comerciantes terem optado por mudar de ramo.
Não esperem, mesmo diante das adversidades encontrar um João entristecido atrás do balcão de sua “Entre & Ouça Raridades”, pois ali persiste um abnegado comerciante. A loja é realmente como acentuado no próprio nome, uma raridade. O maior diferencial de João é possuir de tudo um pouco, atendendo todos os gostos, inclusive os mais refinados. Pelo espaço ser reduzido, a organização é o que vale e a separação, primeiro por gêneros e depois cada cantor (a) por ordem alfabética e de lançamento. Perguntei por Fito Paes e ele me abriu um gavetão e ali os temas latinos. “Mesmo os não muito procurados, tenho algo e sempre estou pronto para discorrer sobre qualquer gênero, música ou cantor. Tenho que ser rápido quando o cliente pede algo e o levo direto para o que me pediu ou não tendo, para algo similar. A partir daí, sempre rola uma conversa das mais animadas com os clientes eaté reservas, retornos futuros”, me diz.
A clientela não é mais como antes e nem seu estoque. Mesmo abarrotado, diversificou para a revenda de camisetas de rock, clube de trocas de seminovos e as raridades em LPs ou CDs. Do mesmo tamanho, no andar de cima, o acervo de LPs e ali, mais um lugar para os colecionadores passarem horas vasculhando raridades, sujando os dedos (impossível não sujar os dedos num lugar desses). “A gente vai se adequando com os novos tempos. Quando sai algo novo, tipo o trabalho atual do João Bosco, eu compro alguns, mas aumento o pedido após ligar para meu cadastro de clientes que sei gostar dele e digo se posso reservar um para ele. Isso movimenta a loja”, conta.
Mesmo agindo assim, esbanjando simpatia e todos na região estarem mais do que cientes de que ali tem de tudo, papo sempre rolando agradável, impossível não notar as latentes dificuldades em se manter uma loja exclusivamente de música no interior de uma média cidade no interior brasileiro. João faz o que pode e mais um pouco, “Não faço isso por dinheiro, faço por amor. Gosto demais do que faço e não me vejo fazendo outra coisa. A concorrência desleal no meu meio não vem de outro comerciante, mas pelo fato de tudo ser baixado.Eu tento me garantir, pois baixar o que vendo aqui até de forma gratuita é possível, mas o consumidor não vai encontrar pela frente alguém conversando com ele sobre o lançamento e nem ter o encarte com as letras. O diferencial é o clima criado neste ambiente”, diz.
O fato é que, observar como comércios como o dele se sustentam, tem muito a ver de abnegação. Considerado uma espécie de oásis e como outro dia um cliente lhe designou, “Herói da Resistência”. Ele ri, concorda e segue seu caminho, fazendo algo único, não só em Teresópolis, na região e quiçá no próprio Rio de Janeiro. Até pouco menos de dez anos, muitas lojas iguais a dele em diferentes cidades interioranas, até menores que Teresópolis. Quase todas fecharam e seus donos foram em busca de novos ares. Pergunto a ele sobre isso, ele ri, desconversa e conclui: “Eu não me vejo fazendo outra coisa na vida”.
Conhecer a loja é como um cliente lhe disse dia desses: “A gente sai de lá maravilhado. É como se estivéssemos não diante de uma loja, mas do acervo pessoal do João. A nítida impressão de aquilo tudo, na verdade, não estar à venda, mas ser dele próprio, como o é de fato”. João é único no que faz e como tanto, por ser peça única, hoje sem possibilidade de reposição e por viver numa cidade com poucas alternativas musicais, pedi a ele uma indicação para desfrutar de um ambiente musical, uma casa onde se pode ouvir música no mesmo nível do propiciado pelo seu rico e raro espaço. Lépido e fagueiro diz concluindo: “Vá para o Paradise Garage e depois me diga. Um lugar tão pequeno como este aqui, mas respirando boa música por todos os poros”. A raridade cavalga também em outros ares.
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