sábado, 20 de janeiro de 2018

OS QUE FAZEM FALTA e OS QUE SOBRARAM (107)


CARTEIRA ASSINADA E A INFORMALIDADE – CONVERSAS E REFLEXÕES DE ONTEM Á NOITE
Conversei ontem à noite com um indignado professor unespiano no campus bauruense desta universidade, que segundo ele, perdurando as condições atuais de degradação na universidade pública, “não possuem mais dez anos de sobrevida”. Eis mais um dos motivos pelos quais todos precisam estar unidos e fazendo o possível e o impossível para dar cabo ao golpe e golpistas infelicitando este país. Participei de uma atividade junto deles, algumas defesas de TCCs e numa delas o mesmo professor ao analisar um dos projetos desabafa: “Algo salutar me motiva quando noto de uns tempos para cá como tem despontado muita coisa voltada para as questões sociais e não mais, temas sem esse viés”. Um alento, pois quando o estudante está voltado para algo social, uma real possibilidade dele transformar este país. Esse e outros tantos professores resistem ao seu modo e jeito e numa das atividades, confessa, estará de classe em classe esclarecendo como algumas atividades podem facilitar a derrocada do ensino público. Esse papel de arregaçar as mangas e ir à luta é o de todos e todas ainda conscientes precisam fazer, mais e mais, dia após dia, algo ininterrupto. “Cada um fazendo a sua parte no seu ambiente de trabalho ou morada, a resistência crescerá mais e mais e o golpe não se consolidará como algo permanente”, me diz.

Saio de lá e desço para uma festa num bairro popular e promovida por um bloco carnavalesco. Ainda movido pelo clima do que presenciei na universidade, vi pouco ali na periferia de gente focada nas suas desventuras, muito ampliadas com o advento golpista. Festa é festa e mesmo com dois gritos de “Fora temer” ao microfone, a repercussão foi pífia. Defendia até então uma tese de que o trabalhador brasileiro ainda não se deu conta de tudo o que foi feito contra ele, a perda total de direitos trabalhistas. É sabido que nas novas contratações com carteira assinada o trabalhador não mais terá direito a férias regulamentares, 13º salário, fundo de garantia, horas extras, etc e tinha comigo que, ao ir tomando conhecimento disto, a revolta ocorreria. Olho para os lados na festa e todos cantam e bebem alegremente, com certeza naquele momento, não pensam em nada disso. Eu relembro o que o mesmo professor havia me dito horas atrás, quando lhe expus minha tese. “Henrique, pare com isso, não creia nisso, pois uma imensa parcela do trabalhador brasileiro já não vive mais sob o regime da carteira de trabalho assinada. Ele está fora da Previdência, vive na informalidade e a renda obtida com o que faz mal dá para sua sobrevivência, quanto mais para contribuir mensalmente. Precisamos trabalhar mais e mais com essa parcela da população, a dos alijados de tudo, pois algo novo deve vir deles, também trabalhadores, mas já algum tempo à margem do processo”. Começo a imaginar quantos ali na festa não se encontram nessa situação e constato de soslaio, a maioria.

Junto tudo, a cabeça embaralha as ideias, a vista fica até turva com um algo mais, um dado repassado pelo IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada sobre o enbranquecimento dos grandes centros urbanos. Isso mesmo, cidades como São Paulo, por ser o maior centro urbano brasileiro, onde se concentram as maiores indústrias, empresas produtores do giro financeiro, elas possuem a maior concentração de brancos do país e o negro vai sendo alijado desses lugares. Nesses lugares, vários iguais à São Paulo espalhados país afora, lugares onde conseguiram incutir na mente dos que ali vivem de que, nossa histórica desigualdade social se dá em razão da corrupção, como prefere o pensamento dominante nesses tempos de Lava Jato. Muitos acreditam nisso. Na contramão disso, um ex-presidente do IPE, Jessé Souza, 57 anos, escancara isso que acabei de relatar e vai além, afirmando que “uma elite atrasada, herança escravista” é quem fez tudo, enfim, o golpe foi dado por escravocratas. Vou ler uma entrevista dele (seu livro saiu faz pouco tempo, “A Elite do Atraso – Da Escravidão à Lava Jato” e já é um dos mais vendidos em todas as listas). Ele começa analisando o papel dos verde-amarelos nas ruas inflando o golpe: “Por que a classe média atuou contra seus próprios interesses, como lacaia da elite? (...) Este é o povo na elite desde 1930. É o povo para combater o povo, o arremedo de povo que botam na rua, branco, com mais de 20 salários mínimos etc. É uma corja. (...) Ligo à escravidão à continuidade dela no ódio ao pobre, que está marcada no golpe. Essa classe média não saiu às ruas por conta da corrupção. Hoje isso fica óbvio. A raiva ao PT foi porque ele diminuiu um pouquinho as distâncias entre as classes. Nada é mais escravocrata do que odiar o pobre.”.

Junto tudo no mesmo balaio, minha caixa craniana ferve e ela mistura tudo como se fosse um liquidificador. Existiria uma forma de reconquistar essa classe média ou ela estará para sempre irremediavelmente perdida e à serviço dos nos degraus de cima da escala social? E se ela não tem mesmo mais jeito, esqueçamos dela e vamos estar juntos com o que ainda resta de classe trabalhadora e, como me foi dito, com toda essa massa de gente vivendo na informalidade. Se o pensamento predominante nos grandes centros está alinhado com o golpe, nada melhor do que se juntar às necessidades, clamores e ação proveniente da periferia, do grito pulsante das vielas, vicinais, subúrbios e tudo o mais. A grande dificuldade hoje é respeitar a ignorância do outro, entender isso e construir juntos algo que derrube as estruturas pobres, carcomidas pela coirrupção de uns poucos danando com a imensa maioria. Cansado de pessoas que repetem conceitos, nada melhor que se juntar a quem formule e pratique os novos conceitos. E esses não estão sendo formatados nos lugares habituais. O algo verdadeiramente novo, revolucionário não virá nunca dos conformados.

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