COMENDO PELAS BEIRADAS (50)

O SAMBA DE PROTESTO NAS ESCOLAS DO RIO E NAS DE BAURU

Estamos vivenciando um golpe nos nossos costados e boa parte dos que fazem samba pela aí se mostram indiferentes. O sambista, pelo que vejo até quer colocar a verve pra fora, mas é contido por dirigentes de escolas de samba, blocos e quetais, isso nos mais diferentes redutos carnavalescos país afora. E por que esse medo? Sempre existiu os que não gostam de misturar o samba com política, como se isso fosse possível. Passar os dias num aperto danado, dinheirinho contado pra tudo, dificuldades mil e depois ir tecer loas no samba num enredo sobre as riquezas do Pau D’Alho é dose pra elefante. Tudo bem que, o protesto pode até deixar de ser feito em alguns carnavais, mas existem agremiações que nunca o fizeram e, pelo visto, nunca o farão, mesmo vivenciando o aparto nos seus calcanhares.

Aqui pelo Rio de Janeiro, onde me encontro neste momento (e quase pronto para retornar as hostes bauruenses), o Carnaval será marcado por variados enredos críticos, batendo doído na classe política e nas mazelas das agruras diárias de todos nós. O Grupo Especial do Rio tem 13 escolas e quatro delas vem com algo mais que provocante, picante, ardendo em chamas. Muitos deixaram de lado os enredos ufanistas, exaltação, adesistas e versando sobre o que o sambista e o passista não vivenciam na sua rotina de vida. Corajosamente estão botando a boca no trombone. A Mangueira é a carro-chefe no quesito “pau neles” e vem com o enredo “Com dinheiro ou sem dinheiro eu brinco”, sobre a redução da verba carnavalesca imposta pelo prefeito Crivella.

Outra que dá um belo pitaco é a Beija Flor, quando usa a história de Frankenstein e tasca no seu samba uma frase daquelas pra fazer pensar: “Monstro é aquele que não sabe amar – os filhos abandonados da pátria que o pariu”. No exato momento em que somos governados por um insano Frankenstein, golpista e massacrando o povo, eu ligo logo uma coisa noutra e concluo: acertaram em cheio em provocar os poderosos de plantão, ainda mais porque citam a Petrobras e o Maracanã superfaturado, hoje quase no abandono: “Ganância veste terno/ Onde a esperança sucumbiu”. A Portela faz um libelo contra a xenofobia, intolerância e racismo embutidos na vida nacional contando a história dos judeus que saíram de recife e ajudaram a fundar Nova York. Dizem que as alegorias versam sobre o lá e o cá sem medo de tocarem em pontos nevrálgicos da vida nacional. A estocada com louvor foi dada pela pequenina Paraíso do Tuiuti, com “Meu Deus, meu Deus está extinta a escravidão?”, pelos 130 anos da Lei Áurea, criticando abertamente o racismo e a violência contra negros e pobres.

Ouço os sambas aqui pelas rádios e me transporto para Bauru. Qual samba mesmo tem alguma conotação sensitiva com a aflição vivida hoje pelas doses imensas de crueldade dos poderosos contra os anseios populares? Qual bloco e escola? No passado, sempre bom lembrar, a Império da Vila Nova Esperança fazia isto todos os anos, hoje, nenhuma mais. Sei de uma história, conta parte dela, mas não revelo a origem. Um diretor queria muito um tema e uns versos bem instigantes, mas foi vencido quase por unanimidade, ou seja, somente ele defendia algo conscientizador. Não querendo puxar sardinha pro meu lado, creio que, somente o Bauru Sem Tomate é MiXto vai pra rua com essa pegada, a da crítica social. Falemos disso tudo e muito mais, pois o comentário é livre.

HPA – já carnavalizando e escandalizando o mês de janeiro.