sábado, 17 de junho de 2023

CARTAS (215)


LISURA DO PODER PÚBLICO*
* Eis meu 114º texto para o semanário DEBATE, saindo hoje do forno para as ruas de Santa Cruz do Rio Pardo e o mundo:

Nesta semana aqui por Bauru, passo alguns dias enfronhado em algo mais do que insólito. Nas madrugadas frias, quando o sono se vai, sentado diante da tela do computador, entro no site da Prefeitura Municipal de Bauru e também no da Transparência, chegando ao final de algum tempo numa dura conclusão: se a intenção era recuperar o sono, o perdi de vez. Não aconselho ninguém a fazer o mesmo querendo recuperar sono, pois ocorre exatamente o contrário. Por fim, sono definitivamente perdido, creio eu, vasculhar é preciso, necessário, algo salutar em busca do bom serviço público. O site da Transparência existe exatamente para este fim, o de todo munícipe poder ir acompanhando como se dá o dia a dia das administrações públicas.

Existem truques e para conseguir algum resultado satisfatório no site da Transparência, se faz necessário alguma persistência. Parece – não afirmo -, tudo ocorre, exatamente para dificultar, mas os persistentes conseguem. Consegui, ou seja, esse negócio é como aquela propaganda de um salgado aí, você como um, não quer mais parar. Meu interesse nesta semana foi o de verificar alguns contratos de compra de materiais e locação de serviços municipais. Do verificado, algo nunca compreendido, como pode ser tão disparatado os valores encontrados para compra de alguns itens no mercado e quando os mesmos são adquiridos pelas Prefeituras, tudo lá nas alturas. A única explicação dada por estes é que, Prefeitura demora para pagar, daí o preço é feito pensando neste interregno. Não cola.

Os meandros existentes entre compra ou locação são mais do que misteriosos quando feitos pelo poder público. Impossível hoje tudo ocorrer sem nenhuma fiscalização. O administrador precisa ser fiscalizado, assim como quem o fiscaliza. Sim, quando quem é pago para fiscalizar deixa a desejar ou é levantado suspeitas sobre a forma como age, daí tudo piora. Ainda bem existe um último recurso, o do Ministério Público entrar em ação. Existe outro e aí em Santa Cruz, muito louvável, com comprovada eficácia, a ação jornalística. No caso, o DEBATE, pelo que sei, não deixa escapar nada neste quesito. Nada que uma boa investigação jornalística não possa desbaratar. Mas nem isso é mais possível na maioria dos lugares, pois muitos dos jornais hoje ainda existentes vivem e são financiados por anúncios públicos.

Levantei por aqui algo mais do que incompreensível. Como pode o valor da alocação de um material ser extremamente mais caro do que o material em si. Não sei se me fiz entender. Tem muito pela aí hoje da locação ser mais cara do que a aquisição daquele material. Como pode? Pode e acontece não só aqui, como em muitos outros lugares. Seria isso objeto de mera distração do setor encarregado de fechar o contrato? Pode ser, ou melhor, tomara seja só isso. O que não dá é ver isso tudo ocorrer e nada ser feito. Alguém precisa explicar. Tenho comigo que, a entrada de vez da iniciativa privada na vida pública é causadora de muito disso. Um poder público não pode ser manipulado, nem manobrado pela iniciativa privada. Os interesses não são os mesmos. O público não pode nem pensar em algo a envolver lucro e o privado, todos sabemos, só pensa nisso, fixação total e absoluta.

Juntando isso com outro assunto, temos aqui em Bauru uma inacabada ETE – Estação de Tratamento de Esgoto. A daqui de Bauru está empacada, milhões em caixa e três administrações, nenhuma conseguindo termina-la. Nem os aditivos foram suficientes para as empreiteiras terminarem o serviço. Hoje, decidido pela atual prefeita, vai ser dado concessão para empre privada terminar e depois administrar a ETE. O preço irá para as alturas, o consumidor pagará a conta e a Prefeitura se diz incompetente para executar algo nobre. Demonstra inabilidade e incompetência, repassando isso para o privado. Ou seja, a perdição se não é total, beira ao irracionalismo. Vejo tudo isso entrelaçado, melhor, de braços dados, ou seja, um perigo.
Henrique Perazzi de Aquino, jornalista e professor de História (www.mafuadohpa.blogspot.com).

ESTADO MÍNIMO PRA QUEM??*
* Este texto deve ser lido e juntado ao escrito ontem, o “ESCÂNDALO: COMO O PODER PÚBLICO DESPERDIÇA DINHEIRO – CASO ATUAL BAURUENSE NA LOCAÇÃO DE PABX”. Um é sequência do outro.

Há uma intoxicação ideológica neoliberal que pregar ser a gestão privada mais eficiente que o setor público, que o Estado deve ser enxuto, ser mínimo e deixar o mercado e setor privado fazer toda a gestão econômica e estratégica... mas a pergunta que devemos fazer é: Estado mínimo pra quem?? O que vemos é cada vez mais o 'mínimo', o precário para o povo, e o máximo do dinheiro público para o mercado financeiro e setor privado.

Desde que o público passou a se misturar com o privado, o que se vê é uma relação promíscua entre políticos eleitos bancados por grandes conglomerados privados que ditam os rumos da gestão pública. Basta uma olhada, por exemplo, na saúde pública, cada vez mais gerida pelo setor privado (OSSs, Fundações, etc...) onde o serviço fica cada vez mais precarizado, falta médicos, remédios, longas esperas por exames. Ocorre que serviços públicos não podem ser transformados em comércios, não se pode misturar com a lógica de lucro do setor privado. Tudo fica mais caro para a população e o retorno cada vez mais precário.

Vejamos alguns exemplos de gastos públicos tendo nosso município como exemplo: fazendo um rápido levantamento, constata-se que de 2013 pra cá, o município gastou cerca de 2 milhões de reais em locação de sistema PABX para umas 3 secretarias, com uma rápida pesquisa e conversando com pessoas da área, percebe-se que com preço a partir de 7.500 reais se compra um sistema de PABX com configuração inicial para 20 usuários... como pode o município gastar um valor desse em locação quando comprando um equipamento que seria patrimônio do município economizaria rios de dinheiro?? E qual tipo de sistema realmente é necessário para o tipo de atendimento das secretarias?? Quem estuda isso para definir o critério??

E mais exemplos não faltam, são compras de monitores de vídeo widescreen de 21,5 (80 unidades) com valor médio de 1.050,00 cada um sendo que se encontra no mercado monitores entre 350 e 500 reais dependendo da marca, compras de filtros, pendrives, fones de ouvido que se gasta acima do que realmente se consegue encontrar no mercado, sendo que algo óbvio é que em grandes quantidades o preço fica menor, mas parece que na administração pública essa lógica quase sempre não se aplica. São escolas infantis cujo valor de construção parece de uma casa de luxo em condomínio fechado de área nobre da cidade, asfaltos, solicitações de projetos... tudo um gasto exorbitante para retornos pífios.

O que devemos questionar é quanto o município economizaria sem essa relação promíscua entre público e privado e o quanto poderíamos realmente suprir necessidades básicas do povo como vagas em creches, atendimento médico de excelência, infraestrutura e etc., se tivéssemos de fato uma gestão pública feita por um mandato, uma administração realmente popular e que visasse valorizar e qualificar os serviços públicos??

Um vereador ao defender a entrega absurda da ETE ao setor privado diz que o DAE não tem expertise para gerir a estação, mostra um desconhecimento dos servidores daquela autarquia, assim como devemos lembrar ao vereador que quando se fala em valorizar os servidores isso passa também em constante qualificação de todos os servidores para uma gestão pública cada vez mais eficaz e que atenda os interesses públicos e não privados... A câmara municipal atual é a pior já vista na cidade e nem por isso vejo vereadores querendo privatizar o legislativo (contém ironia).

A revolta, entenda-se, não ocorre, pelo aqui descrito, somente com a atual administração, pois segundo levantamento feito em consulta ao site Transparência, no caso consultado e destrinchado em texto anterior, a locação e a não compra do referido equipamento, se dá por três administrações seguidas. Ou seja, a prática não é recente. Por que? Quem deveria responder essa e outras perguntas são todos os que, deixam de comprar o equipamento, de valorizar o servidor público, preferindo locar, pagar caro para a empresa privada e deixar uma dúvida na cabeça do munícipe.

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