sábado, 20 de outubro de 2007

MEMÓRIA ORAL (7)

Essa viagem é daquelas que ficam para a história e não saem nunca mais da memória. Foi a primeira feita nesse trecho num período de uns 20 anos. Muitas outras poderão acontecer. Leiam os motivos...

UM TREM, TRÊS CIDADES E UM SONHO EM COMUM

Eram 8h30 do dia 11/10, uma quinta-feira e o inusitado estava prestes a acontecer. Desde a privatização das ferrovias, que trens de passageiros não mais circulavam por essas bandas. Pois hoje, uma composição férrea, com uma locomotiva diesel da ALL – América Latina Logística e três carros de madeira, dois de passageiros e um administrativo, do Projeto Ferrovia para Todos, da Secretaria Municipal de Cultura de Bauru estavam posicionados e no aguardo da chegada dos passageiros, prontos para partirem numa nostálgica viagem, tendo como roteiro a ida-volta no trecho entre Bauru-Agudos-Lençóis Paulista. A movimentação era intensa defronte o prédio da Rotunda, junto às Oficinas da extinta RFFSA, hoje sede administrativa da ALL, detentora da concessão da malha ferroviária na região. Os carros devidamente enfeitados e provisionados com refrigerantes e guloseimas estavam prontos para a segunda viagem que a empresa faria dentro do seu programa de Educação Ambiental, voltado para a conscientização da questão do meio ambiente, aliado ao seu negócio, os trilhos. A primeira, nos mesmos moldes, havia ocorrido no mês anterior e a mesma composição foi até o distrito de Nogueira, na vizinha Avaí. "Dessa vez vamos para o lado oposto, levando principalmente estudantes e como hoje se comemora o Dia do Deficiente Físico, nosso público alvo serão eles, envolvendo algumas entidades assistenciais dessas três cidades, reunidas pelas respectivas Prefeituras", conta José Luiz Ximenes, Técnico em Segurança do Trabalho da ALL e idealizador do passeio.

O Programa precisa ter atividades anuais comprovadas nas unidades da empresa e nada melhor do que unir essa necessidade, com os carros restaurados do Projeto já existente em Bauru, que faz todos os meses passeios turísticos regulares dentro de área urbana da cidade, batalhando para que ocorra uma ampliação do trecho percorrido, que hoje compreende aproximadamente 2k, ida e volta. A preparação foi minuciosa, passando por autorização do órgão competente de Brasília, a ANTT – Agência Nacional de Transporte Terrestre e a conseqüente interrupção de todo tráfego de carga feito no trecho durante o período previsto para a viagem. Tudo isso sempre é recompensado tão logo se dá a chegada dos passageiros, no caso a garotada das entidades assistenciais. Suzana Libório, representante da Secretaria Municipal de Cultura no COMUDE – ConselhoMunicipal dos Portadores de Deficiência foi quem organizou a vinda das entidades e está apreensiva com o atraso para trazê-los até o local da partida: "Transportar crianças normais já traz preocupações, que no caso das especiais são redobrados. Percebo que tudo terá valido a pena só pelo pelo prazer de tê-los aqui". Por volta das 9h20 a composição inicia os movimentos para o início da viagem e no último carro, o administrativo, com sua varanda ocupada por convidados, todos são acomodados em cadeiras plásticas instaladas no local. Quando a buzina é fortemente acionada a emoção toma conta de todos. Serão aproximadamente 100 km, ida e volta, em algo que não acontecia no trecho há mais de vinte anos.
DJs, com um som do momento fazem a alegria nos dois primeiros carros e Ximenes se empenha para explicar os objetivos de tudo aquilo e os cuidados devidos: "Nada de cabeças para fora da janela, lixo nos trilhos e no chão. Além dos comes e bebes, como lembrança, vocês receberão um kit da empresacom uma bela camiseta e boa viagem a todos". No último carro o assunto entre os convidados são os projetos turísticos para a região, o futuro dos trens no país e o visual visto no entorno dos trilhos. Quem dela participa é Alcemir Godoy, representante regional da ALL, Ricardo Coube, ex presidente regional da FIESP e hoje presidente do CODER – Conselho de Desenvolvimento Econômico Regional, Sueli Lima, representando o secretáriodo Desenvolvimento Econômico de Bauru e o COMTUR, além de outros representantes da Prefeitura Municipal. Coube, convidado pela Prefeitura, está entusiasmado com a viagem, lembra uma feita num passado distante e diz: "As entidades que represento farão tudo o que estiverem ao nosso alcance na incrementação do turismo ferroviário". Sueli deixa claro que "a Prefeitura já possui os carros restaurados, a ALL está fazendo as melhorias na malha e as três cidades precisam sentar e ver o que cada uma pode fazer daqui para frente". Godoy enfatiza todo o investimento já feito pela empresa, que diz não ser pouco e tudo o que ainda será feito: "Vamos fazer muito mais, mas precisamos do apoio da Prefeitura para resolver alguns problemas sociais ao lado dos trilhos".

Durante a primeira hora da viagem, até Agudos, sendo feita a 20 km por hora, esse foi o tema predominante. Em Agudos, Coube desce e volta de carro. Revezam-se os grupos de estudantes, descem uns e sobem outros, tudo como havia sido previamentecombinado, para privilegiar entidades das três cidades. A estação daquela cidade, que já abriga atividades múltiplas está em obras e a recepção é improvisada. Quem sobe é Leliane Vidotti, representante da Prefeitura e Flaviano Garcia, o presidente local do COMTUR – Conselho de Turismo. Ambos entusiasmados com o trem lotado, muita gente da comunidade na estação, logo estão sintonizados na conversa. Enquanto nos outros vagões a festa continua, no dos convidados o assunto é o mesmo do primeiro trecho.
Durante aproximadamente uma hora, até a chegada em Lençóis Paulista, não se falou de outra coisa, ou seja, a incrementação do turismo ferroviário na região.Uma surpresa ocorre quando se avista a estação de Lençóis, com uma agitação incomum preparada na plataforma. A recepção é das mais calorosas, com uma banda musical, palhaços e acrobacias variadas tomando conta do local. Ali o trem pára por mais de meia-hora, tempo suficiente para alocomotiva mudar de lado e ocorrer novamente a renovação dos passageiros. Quem sobe é Nilceu Bernardo, representando a Prefeitura e Márcio PaccolaLangoni, o presidente regional do COMTUR. "Lençóis é conhecida como acidade do livro e estamos entregando um livro infantil para cada criança. Queremos que esse trem faça parte de um grande roteiro envolvendo nossascidades", diz Nilceu, mais um entusiasta da concretização do trem turístico. Quem desce é Godoy, da ALL, que segue de carro para Tupã, onde outra missão o aguarda.A festa na estação tem seqüência no primeiro trecho da viagem de volta, com Sueli Lima, recebendo autorização para voltar junto aos maquinistas. Na descida fez questão de contar o que viu: "Deu para perceber que o trem de hoje possui mais tecnologia do que se imagina, tudo está interligado por GPS e dotado de muita tecnologia. Todo o trajeto já é monitorado via computador". O clima dentro da composição continuou o mesmo, mudando somente os personagens. O pessoal de Lençóis invade a varanda e entre um salgadinho e outro, lado a lado, os fotógrafos dos dois jornais rivais da cidade, esquecem os problemas diários e tiram até fotos juntos. Na parada de Agudos, quando é feita a última troca de passageiros, quem sobe são os alunos do Rafael Maurício, já o fazendo entoando em alto e bom som o nome da escola. A chegada em Bauru se dá com quase duas horas de atraso do previsto inicialmente, devido a uma série de fatores, que serão discutidos pelos organizadores, mas não servem de desestímulo para ninguém. O fato principal é que tudo correu bem, superando as expectativas. "Uma viagem como essa não sai nunca mais da nossa memória. Fica para sempre", faz questão de ressaltar Álvaro de Brito, radialista e ex-integrante da Defesa Civil do município, que ficou sabendo da viagem e veio conferir e matar saudades. O representante da Polícia Militar, cabo Alexsandro Pelegrino, que acompanhou essa e a viagem anterior, fez um comentário dos mais interessantes: "Nessa viagem, com crianças especiais, tudo ocorreu dentro do previsto. Na anterior, um carro era só com escolares de uma escola pública e tudo ficou impecável até o fim, já no outro, com os de uma escola particular, a bagunça foi geral, com todos os balões estourados e muito lixo no chão. O que presenciei pode gerar boas reflexões". Cada um a seu modo, sai da viagem prometendo empenho para que esse trem turístico se torne realidade, unindo novamente essas cidades, na causa em comum, a ferroviária, que tanto progresso trouxe para todas elas. Para os organizadores, o cansaço está estampado na fisionomia de toda a equipe, mas o grande alento é que a missão foi cumprida com grande galhardia e todos estão com a alma mais do que lavada. Pelo que se ouviu por lá, mês que vem a experiência será repetida novamente e todos esperam que isso possa gerar algo definitivo nesse sentido. Bater na madeira três vezes e fazer figa não faz mal a ninguém. E viva o trem!
Texto escrito em 15/10/2007.

Um comentário:

Eduardo Magalhães disse...

Henrique
Parabéns pelo belo e emocionante texto sobre a viagem de trem. Em breve deverá estar recebendo o jornal com a matéria.
Eduardo Magalhães