quarta-feira, 15 de outubro de 2008

MEMÓRIA ORAL (50)

É NA BANCA QUE EU ME ENCONTRO
Banca de jornal é um local dos mais propícios para a reunião de pessoas. Aqui em Bauru existem mais de cem delas e a grande maioria, cada uma a seu jeito, possuem públicos bem específicos, dentro do jeitão de cada proprietário. Cada uma atrai um público diferenciado. Para exemplificar isso, me atenho a movimentação que gravita em torno de três delas. Não sem antes, deixar claro, que as bancas de hoje, vendem de tudo um pouco. Uma, a Revistaria Pavan, do seu Orlando Pavan, o mais antigo no ramo, depois o intermediário, a Banca do Adilson, do Adilson Chamorro e por último a Banca Duque, do Cláudio da Silva Vieira, a mais nova do ramo. Duas delas são as tradicionais de revistas, jornais e os penduricalhos em torno disso. A outra é especializada em colecionadores e antiguidades de uma forma geral. Em todas, algo em comum, muita gente parando ali para um papo, troca de idéias e saber das novidades. Freqüento três delas e do que presencio, extrai o relato abaixo.

Comecemos pela mais diferente delas, a do Adilson. Seu proprietário é uma pessoa das mais animadas, tem 44 anos e está estabelecido no mesmo local desde 1981, quando tinha exatos 16 anos. Nunca vendeu revistas, mas durante um bom tempo o fez com jornais, principalmente os locais. Com o passar dos anos, abdicou dessas vendas, preferindo agitar um mercado meio que único no centro da cidade, o de artigos para colecionadores, indo desde cédulas, moedas, relógios, cartões telefônicos, etc. O lugar escolhido é dos mais movimentados da cidade, quase no cruzamento das ruas Primeiro de Agosto com a rua Treze de Maio, bem nos pés da Droga Raia. Durante anos, foi vizinho da rádio 94FM, que diariamente fazia um comercial gratuito para tão comunicativo vizinho. “Eu cutucava, comentava o que ouvia, as pessoas passavam aqui questionavam e eu passava para eles. Hoje, mesmo longe, dou meus pitecos lá com eles”, comenta Adilson.

É um inveterado contador de histórias. Não tem quem passe ali e fique sem ouvir uma nova. Nessa semana, com a campanha do segundo turno sendo iniciada, fez questão de contar uma ocorrida anos atrás com o então prefeito Nilson Costa: “Ele estava aqui num dia de muita chuva e ela não passava de jeito nenhum. A enxurrada invadia lojas e o gerente da farmácia vendo a situação do seu estabelecimento piorar, viu o prefeito, veio até ele no meio da chuva, com jeitinho, dizendo pagar direitinho seus impostos e que não podia mais continuar daquele jeito, que até ajudava, sugeriu mudar bueiros. Nilson olha para o céu e calmamente, bem ao seu jeito, responde: Calma, vai parar de chover logo”. Rimos muito e ele conclui: “O gerente já foi embora, virou meu amigo e quando me liga lá de Curitiba, sempre me diz se parou de chover na cidade”. Os políticos passam quase todos por ali. E assim foi feito nessa eleição e nas anteriores. “Tidei, Tuga, Marta Suplicy, Genoíno e até o cabeludo, presidente do PV, o Pena já estiveram aqui comigo. Com esse brinquei, disse gostar do PV, mas sendo corintiano, sem chance. Ele riu, me puxou num lado e disse ser possível, pois mesmo verde, também era corintiano”.

Durante os dez minutos que fiquei por lá, duas pessoas vieram lhe oferecer cartões telefônicos e dinheiro antigo. Exigente, não negocia cédulas com marcas de dobras, nem cartões com riscos. Nisso uma balconista da farmácia vem trocar uma nota de R$ 50 reais. Sua banca é uma espécie de termômetro político. “Eu só voto em quem está na frente. Eu sempre votei assim e parece que vou acertar novamente”, me diz. Por fim acaba me lembrando que havia passado lá antes do primeiro turno e assustado lhe disse que a Rosa Izzo, do PDT estava subindo e que iria embolar tudo. Sua reposta foi uma espécie de previsão, talvez fruto do que ia presenciando defronte seus olhos: “Que isso. Ela perde feio. Não ouço ninguém dizendo que vai votar nela. Não acredite nisso”. Foi dito e feito. Não esconde uma queda por votar mais à esquerda. Em seguida tira debaixo do balcão fotos de quando, na administração Izzo vieram lhe fechar a banca e retirá-la de lá. Ficou desempregado e no governo seguinte, conseguiu voltar para o mesmo local. Desse período, não guarda mágoa nenhuma, pois todos estavam cumprindo ordens e muitos tornaram-se seus amigos, freqüentadores do pedaço. Para não dizer que por ali o tema é só política, me diz algo sobre o time do Noroeste: “Já pedi para meus amigos das rádios pararem de bater na atual diretoria do Noroeste, pois voltar para a penúria do passado, onde não tinham dinheiro para nada é algo que não entendo”.
Lá na avenida Duque de Caxias, quase na esquina com a rua Gustavo Maciel, bem ao lado de outra farmácia, a Droganova, está a Banca Duque, do Cláudio. Com 42 anos, está há exatos cinco nesse ramo e dele não pretende se afastar tão cedo. Bateu cabeça em vários empregos até descobrir esse ponto, quebrado e mal trabalhado. Entrou de cabeça no novo segmento e pela persistência e abnegação, acabou se saindo bem. Fez uma fiel clientela e abriu uma nova banca para a ex-esposa, junto ao Paulistão da Nações. “Eu sou quieto, caladão, mas vou conquistando as pessoas exatamente por não falar muito. Deixo elas falarem e me dou bem com todos. Não sou muito ligado em política e nem em futebol, mas muitos que vem aqui, acabam demonstrando suas preferências”, diz um quieto Claúdio, que a todos chama de “tio”. Devido a isso, muitos nem seu nome sabem, pois é um tal de “tio”pra cá e “tio” pra lá a todo instante.

Seu horário é das 8h00 às 19h30 e por morar perto, passa a maior parte do tempo ali dentro. Quem o ajuda bastante é o filho Gustavo, 15 anos, que contribuiu em muito para a formação de um público específico, o dos colecionadores de figurinhas. “Ele foram chegando aos poucos, muitos trazidos pelo meu filho, uns indicaram aos outros e hoje ajudo a encher álbuns e álbuns. Eles deixam uma lista comigo, junto com as repetidas e eu mesmo faço a troca. Não ganho nada com isso, mas eles sempre trazem os pais e compram outras coisas. Ganho na divulgação, pois espalham que lá na banca da Duque o cara arruma um jeito deles completarem as que faltam”, explica Cláudio. E é isso mesmo, permanecer por ali é presenciar um entra e sai de muita garotada, todos já sendo chamados pelo nome. “Semana passada, além da garotada fazerem as trocas aqui, meu filho reuniu uma turma de loucos por bicicleta. Sairam daqui para um passeio pelas ruas da cidade”, conclui.

O mais velho dos três é Orlando Pavan, 68 anos, estabelecido no centro da cidade, na rua Primeiro de Agosto, quase na esquina com a rua Rio Branco, num ponto dos mais conhecidos. Possui um horário meio que único, abrindo por volta das 7h10 e fechando todos os dias, de segunda à sexta, às 22h. Para isso, conta com ajuda da esposa e do filho, sendo esse uma espécie de funcionário padrão. No domingo a tarde, quase que religiosamente larga tudo e vai para um pequeno sítio, onde faz algo completamente diferente dos demais dias, mexe com a terra. É um pára-raio na questão política e não faz questão de demonstrar a todos que por ali passam a sua insatisfação com Lula, o MST, PT, Chávez, comunismo e outros perigos vermelhos. “Falo mesmo, pois não estou contente com o Lula. Já vi gente, naquela fase brava, comprar a revista Veja e rasgar a capa com o Lula, pois se recusava a levar aquela foto para sua casa”, vai falando quando lhe dão corda. Não adianta querer convencê-lo do contrário. Eu já tentei mostrar um outro lado e tudo foi infrutífero. Porém, algo me espantou. Antes da eleição, quando lhe perguntei em quem iria votar, ele me disse que para prefeito estava em dúvida, mas para vereador estava decidido, era Roque, um velho militante da ala mais a esquerda, considerada por muitos como radical no próprio PT. “Sabe por que?. Roque é coerente. Ele não alterou um mindinho do que sempre pregou, continuou o mesmo. Muitos passaram aqui e se espantaram, mas escolhi pela coerência. Ele merecia”, me explica.

São 30 anos no mesmo local e com a mesma rotina, ouvindo de tudo e falando o que quer. Tem clientes fixos, daqueles que gastam um montão, comprando não só as revistas semanais, como as enciclopédias, coleções. Possui uma lamentação meio que generalisada no ramo: “Esse negócio de revistas cresceu demais, são muitos títulos e nosso espaço continua o mesmo. Não tenho para onde crescer. Tenho que colocar uma revista em cima da outra. Muitas ficam escondidas e nem são vistas. E não dá para colocar funcionários, pois o lucro não é tão alto assim. Optei pela família e tem momentos que até meus netos passam para me ajudar”. Vê-lo ali a noite, com o comércio fechado, sozinho no breu de um centro comercial com as portas cerradas é algo para inquietar. Pergunto se não tem medo de ser assaltado. “Já passei dessa fase. Já vi a meninada entrando pelo telhado em lojas vizinhas, mas até hoje nunca vieram até aqui. Só pequenas tentativas. Acho que tenho um santo forte”, conta seu Orlando, talvez o mais conhecido de nossos jornaleiros, numa profissão onde ouve bastante, e no caso dele, fala também. Muitos dizem que histórias de banca são um tanto parecidas com a de pescadores. Disso não tenho certeza, mas que são longas e muitas, isso são.

2 comentários:

Anônimo disse...

Vc é um craque pra falar do cotidiano.
Parabéns.
Egberto - Bauru Chic

Anônimo disse...

adorei seu blog, gostei muito do conteudo da reportagem da banca .

pode mandar a historia do nilson pro jc ;

vamos ver o que vai dar

abraços do

adilson ordani chamorro