segunda-feira, 24 de novembro de 2008

DUAS MÚSICAS SOBRE O SINAL FECHADO (36)

“MALABARISTAS DO SINAL VERMELHO” OU “QUANDO PAREI NO SINAL”
Gente no sinal a nos oferecer coisas não são nenhuma novidade nos nossos dias. Num país continental com grandes problemas sociais, a cena faz parte do cenário urbano de nossas cidades. Tem aqueles que, diante da iminente abordagem, simplesmente fecham os vidros e fingem não ver o que acontecedo lado de fora. Eu não. Na maioria das vezes sou receptivo (só não aceito mais os tais folhetos, agradeço e recuso). Crianças, mendigos e velhos nos pedem um ajutório. Uma que não consigo recusar de dar uma moeda é a senhora que se fingia de cega. Foi massacrada meses atrás, mas continua nas esquinas da vida, tão necessitada quanto dantes. Nos últimos dias algo me chama a atenção e acontece no farol do cruzamento das avenidas Rodrigues Alves e Nações Unidas. São uns coloridos e alegres “malabaristas do sinal vermelho”.

Ao vê-los não tem como não se recordar de músicas sobre essa verdadeira saga de nossas esquinas. Chico Buarque e Francis Hime já cantavam em 1993, “No sinal fechado/ Ele vende chiclete/ Capricha na flanela/ E se chama Pelé/ Pinta na janela/ Batalha algum trocado...”(Pivete, LP “ParaTodos, Chico). Acabei lembrando de mais duas, cujas letras transcrevo por inteiro aqui:

UANDO PAREI NO SINAL (Arlindo Cruz e Franco), canta João Nogueira (CD,“João de Todos os Sambas, BMG/RCA, 1998): "Quando parei no sinal/Eu vi um menino surgindo do nada/ Vendendo paçoca, chiclete, cocada/ E água da bica jurando ser mineral/ Quando eu parei no sinal/ Pintou até cerva, remédio e cigarro/ Amortecedor e adesivo pra carro/ Lençol de solteiro e colchão de casal/ Engarrafado, parado/ Sem chance de andar/ Pensei comigo, o shopping mudou de lugar/ E apesar de tanto grilo/ Nego disse: Tá tranquilo choque/ Me vendeu limão e mate/ E cantou samba legal/ Surgiu um broto 100 por cento/ Divulgando apartamento/ Lá no centro, bem na linha da central/ Olha aí/ Quando parei no sinal/ Vi camisinha de renda/ Pra venda e aluguel/ Tinha batom e aparelho de som pra dedéu/ Comprei CD de Samba-Funk/ De Gardel e do Skank/ Um relógio de primeira etcetera e tal/ E um anão tatibitati/ Me vendeu dez chocolates/ E um tomate por apenas um real/ Quando eu parei no sinal/ Vi mulher vender marido/ Certidão e enxoval, olha aí/ Quando parei no sinal/ Quando parei no sinal/ Ingresso do Pavarotti/ Pro show do Municipal, veja só/ Quando parei no sinal/ Quando parei no sinal/ Escondi o meu Rolex/ Só com medo do Lalau, olha aí/ Quando parei no sinal/ Quando parei no sinal/ Vi nego vendendo sangue/ Meio litro por dez pau, olha aí/ Quando parei no sinal/ Quando parei no sinal".

MALABARISTAS DO SINAL VERMELHO (João e Francisco Bosco), canta João Bosco (CD, “Malabaristas..., Sony, 2002): "Daqui de cima da laje se vê a cidade/ Como quem vê por um vidro o que escapa da mão/ Uns exilados de um lado da realidade/ Outros reféns sem resgate da própria tensão/ Quando de noite as pupilas da pedra dilatam/ Os anjos partem armados em bondes do mal/ Penso naqueles que rezam e nesses que matam/ Deus e o diabo disputam a terra do sal/ Penso nos malabaristas do sinal vermelho/ Que nos vidros fechados dos carros descobrem quem são/ Uns, justiceiros, reclamam o seu quinhão/ Outros pagam com a vida sua porção/ Todos são excluídos da grande cidade/ Uns, justiceiros, reclamam o seu quinhão/ Outros pagam com a vida sua porção/ Todos são excluídos da grande cidade".

Quanto aos novos personagens de nossas ruas é impossível não notá-los. Todos capricham muito nos gestos e no vestuário com muitas cores. Parei para conhecê-los. São uma trupe de jovens, em sua quase totalidade, estrangeiros. No sábado, 22/11, Júlio Cesar, 26 anos, colombiano, estava só e virando bolas de fogo, chamando muito a atenção de todos que cruzavam a avenida naquele dia. Na saída do cinema, acompanhado do filho, 23 h, filmei sua evolução. De poucas palavras, um tanto arredio no começo, talvez desconfiado, depois se abre e me diz estar fazendo isso há vários anos. Vive disso, perambula pelos países latinos. Quando não consegue mais se sustentar num lugar, parte para outro. No domingo, 23/11, no meio da tarde e no começo da noite, muitos outros estão por lá. Conheço um trio de chilenos, destacados pela única presença feminina, Madelaine, 18 anos, depois Ricardo, 21 anos e Mário, 19 anos. Ela fica sózinha, isolada do restante do grupo, num farol e eles todos do outro lado da avenida. Outros dois, brasileiros, trocam malabares, um deles em cima de uma perna de pau. O trio chileno me diz ter saído do Chile com destino a um Congresso de Circo na Bolívia. De lá vieram para o Brasil, ou melhor, caíram em Bauru, mas o destino final é São Paulo. Todos os três moram no Hotel Avenida e vivem exclusivamente do trabalho nos sinais. Tudo fica mais chamativo à noite, quando introduzem o fogo em suas apresentações. São todos muito receptivos. Madelaine ganha mais que todos, mas como vivem juntos, numa espécie de comunidade alternativa, o de um serve para todos. Ela diz que já pintou até apresentações em festas e aniversários. Dessa forma vão continuando... Ainda na noite de domingo, como havia prometido, volto por volta das 21h e entrego a eles um DVD com as fotos e os filmes feitos. Os "malabaristas do sinal vermelho", pela novidade e diante de tanta coisa que acontece nos sinais por aí estão fazendo escola.

2 comentários:

Anônimo disse...

meu caro amigo H.P.A.,a muito tempo parei de ajudar nao aguento mais cara, é muita gente pedindo, aqui na vila proximo de vavelas ou bairros mais carentes como santa edvigens, jaraguá e outros a coisa é "braba", mas vai uma do meu modesto livrinho: deixar vir a mim as criancinhas, enquanto o sinal estiver fechado.
um abraço, lazaro carneiro

Anônimo disse...

Henrique
Fui ontem à noite lá só para vê-lo e não os encontrei. Será que já foram embora? Sou boliviana e estou morando aqui. Queria muito poder hablar com eles.
Neiva