sábado, 8 de novembro de 2008

MEMÓRIA ORAL (52)
CAIPIRADA REUNIDA E UNIDA
Tudo começou com a montagem da exposição “Lázaro Carneiro – O caipira e suas máquinas”, uma realização do Museu Histórico Municipal de Bauru, propiciando um encontro inusitado de caipiras e suas histórias. Mas o pontapé inicial mesmo foi quando estive numa reunião política na casa do conhecido poeta caipira, realizada num barracão ao lado de sua residência e lá tomei conhecimento de que ele, além de poeta, era um exímio colecionador de raridades. Mal prestei atenção na reunião, pois a curiosidade me fez ficar vendo uma a uma as peças ali instaladas. Fui ficando mais amigo do Lazinho, como todos os seus o chamam e alinhavamos a união daquilo tudo numa exposição, onde mostraríamos suas poesias e crônicas, aliado as peças, que vão desde rádios, TVs, vitrolas, máquinas de escrever, de costura, cadeiras de barbeiro, um automóvel Itamaraty 1967 e uma infinidade de miudezas, todas antigas e com uma história própria. Ouvir como foi conseguido cada peça, como chegaram até ali, faz parte do contexto. Tudo por ali é muito rico, a forma como ele escreve e como juntou aquilo tudo. Merecia mesmo uma divulgação.

A idéia era montar tudo no salão do Museu. Lazinho coçou a cabeça e disse decidido: “Tenho muito apreço por tudo isso. As poesias saem daqui para o mundo, mas as peças chegam e aqui ficam. Tem muita coisa pequena. Não vai dar certo”. Só deu porque atendi um clamor dele, que era o de realizar tudo ali mesmo. E assim foi feito. A data estava sacramentada, setembro de 2008. Lazinho sai candidato a vereador pelo PSOL (60 e poucos votos) e adiamos para o fim do ano. Final de outubro, eleição decidida, volto ao assunto e ambos juntamos tudo. Os escritos são repassados pelo computador, sem qualquer correção (como que iria fazer correção num texto de linguagem caipira?) e são impressos em cartazes. Denilze Braga de Souza, quase vizinha dele, funcionária do Museu fica encarregada de distribuir as peças no local: “Tudo foi feito de uma forma que o visitante passa ir vendo os mínimos detalhes de cada peça e lendo as poesias espalhadas por todo o local. Tentei propor uma forma mais disciplinada e seu Lázaro ia modificando tudo. No final ficou tudo com a cara dele. E todos saímos contentes, afinal estamos no canto dele. E quem sou eu pra contrariar um caipira”.

"Meu objetivo ao colecionar rádios antigos é poder intergair com o tempo, com a história e sobretudo com o passado não muito distante. O avanço rápido da ciência e da tecnologia faz com que a diferença entre um rádio que eu ouvia quando moço e um de hoje já é uma atração que por si só já faz pessoas passarem horas vendo meus rádios velhos. Diante do interesse das pessoas pelo assunto resolvi repartir com a população por um período de tempo o meu pequeno acervo. É muito dispendioso manter essa coleção, pois ocupa muito espaço e para isso preciso manter um barracão de cem metros quadrados para guardar as peças e tudo isso por minha conta, mas vale a pena", nos explica Lázaro Carneiro, 59 anos, sobre os motivos deter iniciado sua coleção. No quesito poesia ele já possui um livro publicado, "O caipira que leu Nietzche", mesclando sua adoração pelas coisas simples da vida, a tecnologia, a religiosidade e a política, tudo muito presente em sua vida. Sua poesia está sendo transposta aos poucos para um blog, o http://www.lazaro/carneiro.blogspot.com

Um dia antes da inauguração, a jornalista da TV Tem, Roberta Esteganha gosta da idéia e se propõe a fazer uma matéria, mas não somente sobre ele. Pretende abordar a cultura caipira num todo e alguns de seus integrantes. “Antigamente o caipira tinha vergonha de assim ser chamado, vivia isolado, era o próprio Jeca Tatu. Hoje não, pois muitos que saíram do interior fazem questão de voltar e assumem com orgulho a caipirice do lugar onde nasceram”, conta ela. Foi o que bastava para reunir um grupo mais homogêneo, tudo gravitando em torno da abertura da exposição, marcada para 06/11, quinta, 19h30. Lázaro encheu seu barracão de convidados, a imprensa ajudou bastante, pois o evento foi amplamente divulgado. Casa cheia e muitos caipiras reunidos, misturados com um público que veio conhecer o que acontecia naquele barracão, numa noite de meio de semana.

“Quando estava montando, passou um casal de evangélicos, ficaram curiosos, puxaram conversa. Convidei para entrarem, acharam com cara de igreja. Não viram santo nenhum e perguntaram quem protegia aquilo tudo. Mostrei uma foto do Che, que não retiro do local e disse: Ele. Foi o que bastou, desconversaram e logo sumiram na curva”, conta Lázaro, bastante autêntico nos posicionamentos e posturas de vida. Ainda sobre o barracão, que já foi alugado no passado para duas igrejas evangélicas, volta a tocar no assunto religião. “Os caras viviam tirando os demônios das pessoas e esses, não tendo para onde irem, pulavam o muro para o lado de minha casa. Dei um basta na coisa e assumi que o barracão teria outra finalidade, afinal, estava aposentado e dinheiro não é tudo na vida. Deixei de acreditar em religião, pois coheci algumas delas a fundo”, diz um resoluto expositor.

No dia e horário aprazado as pessoas foram chegando e se encantando com o inusitado ali propiciado. Ainda mais porque Lázaro ligou logo um aparelho de som dos bens antigos, daqueles de porta dianteira de abrir, onde um LP de 78 rotações irradiava sonoridade para todos os cantos. O papo rolou e não mais parou, caipira por sinal. A partir daí, histórias e mais histórias, contadas nas mais diversas variações. Na abertura, fizeram uso do microfone, eu na apresentação, uns amigos que foram reverenciar o homenageado e o próprio, que emocionado, não conseguiu ler nenhum poema, mas contou um “causo”, que metade dos presentes creditou ser verdade, ao utra metade, mentira. A professora Tamara Guaraldo, da FIB – Faculdade Integradas de Bauru trouxe uma troupe de 20 alunos de Turismo, para tentar um elo sobre esse tema. Turismo caipira agora é cult, é in. Estiveram por lá naquela noite umas 70 pessoas, deixando o barração meio que intransitável.

Por todos os cantos, bastava dar um paradinha, para esbarrar em alguém contando histórias (muita estória também). “Eu e o Lazinho montamos a primeira rádio pirata de Bauru, era a Resistência Sertaneja e ficava no primeiro andar de um sobrado no centro da cidade, bem em cima do bar RioTejo. Eu colocava os discos de música de raiz e descia para tomar alguma coisa. O japonês do bar, irritado me dizia que o seu rádio estava estragado, pois só sintonizava uma rádio, música sertaneja o tempo todo. Pudera, estávamos no andar de cima. Não contava nada, pois ele poderia nos denunciar. Até que um dia não agüentei e falei para ele. A PF tentava de tudo para fechar nossa rádio, mas nunca conseguiram levar um disco sequer de nossa coleção”, conta Tião Camargo, um antigo radialista, militante petista, fundador do partido, dono de uma auto-escola e da maior coleção de discos sertanejos de raiz de Bauru. “Não me peçam para ouvir esses sertanejos atuais, pois na minha vitrola não tocam de jeito nenhum”, relata Tião, com a concordância da maioria dos presentes.

Se o negócio é dar risada com as histórias desses assumidos caipiras, o irmão do Lázaro, Cândido Carneiro, 60 anos, conta outra: “Essa eu vi. O caipira foi comprar um rádio, mas queria um onde ouvisse a rádio de Bariri. Fez o negócio e nada da rádio pegar a de Bariri. Foi reclamar, trocou de rádio umas duas vezes. Ele voltava sempre reclamando, que a rádio dele pegava a noite até umas da Argentina, do Mato Grosso, da capital e nada da de Bariri”. Eram tantas pessoas que nem deu pra saber ofinal desse “causo”, pois uma animada dupla de violeiros, o Carreteiro e o Carreirense não pararam de cantar por quase hora e meia. Um deles fez questão de dizer que “foi difícil achar horário para lá estarem, devido aos compromissos, mas nenhum de cantoria, tudo de trabalho, suadeira danada, pois tá difícil de pagar nossas contas. Nem banho tumemo para vir pra cá”. Na fila do gargarejo estava Décio Pedro, amigo da família, sanfoneiro dos bons, outro caipira, e se dizendo bem informado repetia para todos que chegavam sobre a eleição nos Estados Unidos: “Agora vai, acaba de ser inaugurada a mais nova Barraca da Brahma. Essa lá mais no Norte”.

O negócio foi longe. Mas não pensem que foram só causos, pois o homenageado teve que ler uns poemas e lembrar outros tantos de memória. Num curto sobre a América Latina, foi direto: “O meu pan-americanismo/ Não permeia toda a América/ Só vai até o México” e noutro sobre a periferia disse: “Periferia é lá/ onde a esperança é a primeira que morre/ de fome e de desinteria”. Nas fotos de despedida, muitos, nos quais me incluo, fizeram questão de ter ao fundo, olhando por todos, o quadro do Che, pendurado na parede nos fundos. Na despedida, uma confirmação, a de que a idéia proposta pela jornalista da TV Tem ainda precisa se concretizar, pois essa caipirada é orgulhosa do que faz e tem muita coisa bonita para por pra fora.

3 comentários:

Anônimo disse...

Gostei.
O cara é caipira, marxista, guevarista, leu Nietzche, agnóstico, já teve rádio pirata, poeta, tudo isso junto.
Quero conhecê-lo já.
Onde é mesmo a exposição?
Paulo Lima

Anônimo disse...

MUITO LEGAL ESSE TEXTO.
MAS QUE É UM CAIPIRA UM TANTO DIFERENTE, ISSO É.
ADOREI O NEGÓCIO DELES NÃO GOSTAREM DESSA PORCARIA QUE SE DIZ SERTANEJO DE HOJE.
PENSO DA MESMA FORMA.
J.L.B.

Anônimo disse...

e la se foram 12 anos