quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

MEMÓRIA ORAL (55)
A DISCUSSÃO FERROVIÁRIA NA PAUTA DO DIA
A questão ferroviária sempre esteve na pauta de muitas discussões, todas muito acaloradas. Dentre todos os que a promovem algo é consenso: no século XX, o Brasil perdeu o “Trem da História”com a destinação dada aos trilhos. De 27 a 29/11 ocorre na cidade do Rio de Janeiro mais um encontro para debater os rumos do setor, o PRESERVE 2008 – X Seminário sobre Preservação e Revitalização Ferroviária. O Coordenador Geral e uma espécie de faz tudo no evento é Victor José Ferreira, chefe de gabinete aposentado da extinta RFFSA – Rede Ferroviária Federal SA e ex-reitor do Centro Universitário e Metodista Bennett, além de sócio fundador e alavancador do MPF – Movimento de Preservação Ferroviária (http://www.trembrasil.org.br/) e do GFPF – Grupo Fluminense de Preservação Ferroviária. Pelo décimo ano consecutivo ele não mede esforços para aglutinar gente interessada em debater a assunto, expor idéias, apresentar trabalhos realizados e trocar experiências. Busca parcerias e faz contatos Brasil afora, para em três dias demonstrar que o trem de passageiros continua mais viável do que nunca, além de necessário.

Uma extensa programação, com ilustres palestrantes, reunidos em exposições, debates e oficinas, algo grandioso, de pouca divulgação, mas que no boca-a-boca entre os apaixonados do setor e pelos esforços do coordenador, consegue atingir todos os objetivos propostos. Para o dia da abertura traz nada mais nada menos do que Secretário Estadual dos Transportes do Rio de Janeiro, Julio Lopes, que entre outras coisas se compromete a continuar investindo no setor e mostra o que já foi feito nos últimos anos. Planos audaciosos os de sua pasta e os demonstrados na homenagem seguinte, feita ao atual prefeito da cidade de Santo André, onde localiza-se o distrito de Paranapiacaba, candidata a tornar-se Patrimônio da Humanidade pela UNESCO. Foram mais de 30 milhões ao longo dos anos e algo que preocupa muito a sub-prefeita do local, arquiteta Vanessa Bello Figueiredo: “Temos que pensar numa verdadeira gestão de propriedade do patrimônio público com a institucionalização de políticas para ter continuidade em qualquer administração. A administração atual perdeu a eleição lá e não sabemos como será daqui para frente. Nos cercamos da legislação existente, mas e se as prioridades forem outras?”.

Vanessa e o prefeito João Avamileno deixam todos de queixos caídos com aforma encontrada para cuidar daquele verdadeiro museu a céu aberto. Descontraído no café, diz ter nascido em Boracéia, perto de Bauru, saindo de lá em 1960: “Fui e voltei muito para São Paulo nessa época, sempre de trem. Corri muito atrás de trens. Fui companheiro de fábrica de Lula, Meneghelli e Vicentinho. Avançamos muito na relação patrimonial com a vila, numa imensa área, totalmente adquirida pela prefeitura e agora será necessário um impulso para o trem turístico”. Na fala seguinte, Jorge Moura, atual diretor geral do SESEF – Serviço Social das Estradas de Ferro segue na mesma linha, abordando um outro segmento: “Nas nações ditas civilizadas os meios de transporte vivem em harmonia. O trem pode conviver com todos os demais modais, mas está difícil a convivência com um sistema de transporte urbano com ônibus, micros, kombis e vans e mesmo assim ademanda não é bem atendida. O fim do caos urbano passa pelos trens”.

Antônio Pastori, gerente do Departamento de Transporte e Logística do BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social traça planos e projetos mil para viabilizar o denominado “trem de alta velocidade”. Entusiasta do tema diz: “Toda capital decente no mundo atual possui vários modais interligados. No Brasil vigora o caos. Pior que isso é somente uma empresa dominando o modelo. Sou também a favor do deslocamento dos terminais para fora dos locais centrais das cidades”. Eduardo David, aposentado da RFFSA, onde exercia função de direção, com um livro pronto sobre a levitação magnética dá seqüência ao debate: “O grande cuidado hoje é para que os investimentos governamentais não ocorram com tecnologia defasada. Se vão investir, que o façam com uma visão a longo prazo. A levitação magnética não tem vibração, elimina o sistema de bitolas e é muito mais barato que projeto com trilhos. Bons tempos foram bons tempos. Hoje, bons tempos são os que virão”.

Na manhã de sexta, Victor abre os trabalhos com um apanhado sobre a situação dos bens da extinta RFFSA e os trabalhos do movimento carioca, o GRPF. “Aqui no Rio a localização dos arquivos da Rede foram considerados durante um bom tempo uma verdadeira Cidade sem Lei. Um descaminho total, com uma história marcada por vaidades, com todos querendo ser padrinhos de projetos e o abandono persistindo. Uma saída é buscar recursos e apoio na iniciativa privada”, diz um preocupado defensor da urgente necessidade de se preservar essa rica documentação. Tem início um amplo debate, demonstrando a situação país afora, com representantes de Barbacena, Macaé, Bauru, Jundiaí, Maceió, Sorocaba, Santo André e as capitais Rio e São Paulo. Durante pouco mais de trinta minutos o projeto Ferrovia para Todos, da Prefeitura de Bauru é apresentado sob os olhares atentos de todos. O ferroviário aposentado e pesquisador Rene Fernandes Choppa, do alto dos seus 80 anos, uma referência no quesito ferrovia destaca: “Esse pessoal fez muito e merece parabéns, pois enquanto muitos falam em buscar recursos na iniciativa privada, tudo saiu da pública. Não conhecia e faço questão de divulgar daqui para frente”.

Na apresentação HPA, diretor de Patrimônio Cultural da Prefeitura, fala de Bauru e Alex Gimenes Sanchéz, coordenador do projeto, faz um apanhado do que já foi feito e como foi esse trabalho. Logo a seguir dois jovens universitários da Faculdade Paraíso dão uma aula sobre “Museus – Um Patrimônio Turístico” e fecham com a fala: “O turismo cultural aparece emterceiro lugar na preferência daqueles que viajam mundo afora”. Victor não agüenta e conta uma curta história acontecida em Coimbra MG: “Perguntei para uma moradora se lá passava trem? Ela me disse: Passa não e já faz muito tempo. Passam uns vagões, mas trem mesmo que é bom...”. Aproveita para lançar seu livro "Estórias do Trem - Uma viagem no folclore ferroviário", recém saído do forno. Convidada a proferir uma pequena fala, Morgana Moraes, três de ferrovia é a primeira maquinista a conduzir uma Maria Fumaça no Nordeste. O faz no projeto turístico desenvolvido lá pela CBTU e na conclusão alardeia: “Maceió possui três opções: praia, restaurante e trem. Pertenço a uma delas”.

São várias salas, com opções variadas e numa delas, José Cristóvão, da CPTM –Companhia Paulista Trens Metropolitanos SP, dá uma explicação sobre o funcionamento da malha na Grande SP: “A essência da ferrovia são os trilhos. E os operacionais são poucos, passando os metropolitanos e os de carga. Harmonizar isso tudo requer muito trabalho”. Nos corredores o bate-papo continua pegando fogo e que chama muito a atenção são os dez banners expostos pelo pessoal de Bauru, divulgando o trabalho realizado por lá. Não se cansam de responder perguntas vindas de todos os lados. Afinal, permaneceram desde o início até o último instante, conferindo tudo. Pastore volta ao microfone no sábado pela manhã, após uma Orquestra mirim fazeruma bela apresentação, dessa vez para proferir uma Oficina sobre “Elaboração de Projetos e Captação de Recursos”. Ensina o caminho das pedras e começa já alertando: “Caminho complicado. Apoio público depende de coisas que irão interessar aos políticos. Projetos tem que ser auto-sustentáveis, permitindo mão de obra voluntária e dedutível do IR”.

Antes da parte final, Victor não resiste e discorre sobre duas ocorrências rotineiras no setor férreo, o furto santo (“sujeito leva a peça para casa até o momento em que encontra um local ideal para devolvê-la”) e o maior inimigo de uma biblioteca ou museu (“O maior inimigo se chama viúva e filhos. Eles doam tudo o que foi colecionado durante décadas, nem bem esfria o corpo do falecido”). Lucina Matos, arquivista da Fundação Fiocruz e concluindo trabalho sobre documentação férrea dá dicas preciosas sobre arquivo documental: “Não entendo como a RFFSA, enorme como sempre foi, possui um desprezo tão grande pela sua história. Existe uma disputa visível pelo destino do seu acervo, uma velada disputa e isso atravanca uma finalização consenciosa. E quem perde é o próprio acervo que vai sumindo aos poucos”.

Na parte da tarde os participantes são divididos em dois grupos a conhecerem passeios com bondes. Um vai para o do Bonde em Santa Teresa e o grupo maior para o do Corcovado. Nesse, grande animação, mas uma tristeza ao chegar lá no alto e nada visualizar lá embaixo. O tempo estava fechado, mas mesmo assim, tudo serve para que continuem o bate-papo animado e a troca de ricas experiências. Na manhã seguinte, o grupo de Bauru e Morgana seguem para o passeio no bondinho de Santa Teresa, onde Geraldo, o maquinista de Bauru assume por alguns momentos o comando do bonde. Com passagem pelo Museu e Oficinas do Bonde e uma ida até a Central do Brasil, seguindo de subúrbio para a estação de Engenho de Dentro, com a intençãode visitar o Museu Ferroviário, o grupo segue os passos dos trilhos urbanos no Grande Rio. Tristeza por se depararem com as portas fechadas, mas nada impede de continuarem fazendo turismo férreo até o meio da tarde, quando são obrigados a se dispersarem, pois o retorno para suas cidades acontece logo a seguir.
Em Tempo: Texto enviado para MPF e Revista Ferroviária.

Um comentário:

Anônimo disse...

Excelente, Henrique! Parabéns pela magnífica reportagem sobre nosso evento.
Vou repassar para os expositores e participantes do evento e para outros integrantes do MPF que não puderam comparecer.
Muito obrigado por esta sua magnífica colaboração.
Contamos com a continuidade de seu apoio, participação e colaboração.
Saudações ferroviaristas

Victor José Ferreira
Presidente
MPF - Movimento de Preservação Ferroviária