DOIS CENÁRIOS BEM COM A NOSSA CARA
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1.Comércio noturno lotado, lojas e ruas congestionadas, uma permanece com pouquíssimo movimento. Passo de carro diante de sua iluminada fachada e como das vezes anteriores, não resisto, adentro aquele templo de conhecimento e saber. São momentos agradabilíssimos ali, em estado de êxtase. Circulo pelos corredores e prateleiras vasculhando aqueles ricos produtos. Literalmente, viajo. O local me transporta para vários outros. É claro, escrevo sobre uma livraria, uma das consideradas “Heroínas da
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Resistência” num país de pouca leitura. O “Sebo Espaço Literário”, ali na rua Antonio Alves, entre a Batista e a Rodrigues é um oásis dentro da loucura que se transformou o comércio nesses dias. Quem revejo por lá e isso me contenta muito é o Pradão filho, o da borracharia. Assim como eu, gosta de dar livros de presente. Levamos dois cada. Presencio um casal, ambos por volta de uns 60 anos. Entram e perguntam pelo “Pequeno Príncipe”. Não havia exemplar usado, só novo e diante do preço, viram às costas e nem sequer olham para os lados, mesmo diante de uma oferta infindável de livros pedindo para serem lidos. O comerciante, conhecedor do seu ramo complementa: “Na volta das aulas melhora. Brasileiro não está habituado a dar livro de presente”.
2.Calor em alta, final de ano quente e abafado na cidade. Circulo sem camisas em casa e ameaço
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ir na padaria dessa forma, umas dez quadras. Sou seguido até o portão e antes de entrar no carro, minha mãe, cheia de cuidados
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me diz: “Ponha a camisa, pois a polícia pode te prender”. Atendo seu pedido, mas a cada renovação de algo nesse sentido, sinto o quanto somos um povo rastaqüera. Essa cena não é exclusividade de minha mãe. Esse medo coletivo, resquício claro dos malefícios herdados da Ditadura Militar é uma espécie de herança maldita daqueles “anos de chumbo”. Restou para muitos a cultura do medo, a postura subserviente perante as autoridades, a impunidade dos torturadores e o estereótipo dos movimentos sociais como subversivos. Há décadas os militares e suas botinas tiveram que bater em retirada, mas muito do medo e do terror continuam instalados por aí, muitos sem que percebamos. Precisamos nos reconciliar conosco mesmo. Antes tarde do que nunca!
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