quarta-feira, 7 de julho de 2010

MEMÓRIA ORAL (89)

VIVENDO DE ARTE NA PERIFERIA
Quando foi inaugurado, vinte anos atrás, o Núcleo Habitacional Mary Dota em Bauru foi considerado o maior da América Latina. Eram aproximadamente 3500 casas populares, num aglomeramento maior do que o de muitas cidades do interior do maior estado da federação. E agora, passados mais de duas décadas, a diversidade impera em toda sua extensão. O bairro possui vida mais do que própria, com todo tipo de comércio e a grande maioria da população não necessitando mais sair daquele perímetro para realizar suas atividades diárias. Lá tem de tudo e acontece também de tudo. Uma agitação sem precedentes, uma verdadeira cidade dentro da de Bauru.

E quando se afirma ter de tudo, um exemplo é o ocorrido com o comércio de artes, localizado na quadra 1 de sua avenida principal, a Marcos de Paula Raphael. Entre supermercados, bares, açougues, lojas, agências bancárias, postos de saúde e de combustível, bibliotecas, borracharias, feiras e um comércio cada vez mais pujante, uma loja diferente consegue sobreviver revendendo produtos de arte, como telas e pinturas. Sidimar de Souza, o Neno, 31 anos chegou a Bauru há exatos quatro anos e nesse período intensificou o que gosta e sabe fazer, a pintura de telas. Montou logo de cara uma escola de pintura em outro endereço, até conseguir esse atual, melhor localizado, mais central, onde ampliou o negócio e melhorou a clientela. Não parou mais.

Com a nova residência, readaptou e ampliou algumas instalações na frente da mesma, restringindo o quintal frontal, hoje quase todo ocupado com uma loja, onde revende o produto do seu trabalho. Não se limitando somente às suas obras, revende tintas, pincéis, molduras e outros artigos do gênero. A garagem ainda recebe o veículo da família, mas com a sua retirada, tudo é transformado numa sala de aula, com a colocação de cadeiras e a distribuição de outros equipamentos espremidos pelos cantos. É ali que Neno ministra aulas quase que diariamente. Sim, ele consegue conciliar trabalho e algo que sempre o motivou, a pintura, promovendo algo também renovador, com as vendas concentrando-se em sua grande maioria para os próprios moradores do bairro.

“Todos sabem que o poder aquisitivo dos bairros mais populares é bem menor do que outros. A grande maioria dos moradores daqui são trabalhadores, vivendo numa correria. Consigo vender quase tudo que produzo por aqui mesmo e para facilitar ainda mais acabei por instalar na loja uma máquina de cartão de crédito. Parcelo os quadros em várias parcelas. Percebo que todos gostam de ter quadros em suas paredes e não podendo pagar à vista, necessitando vender o que faço, o cartão me ajudou bastante. Dessa forma cresce minha clientela”, conta Neno, circulando entre o salão da loja, entulhado de quadros, telas e mercadorias diversas.

Sua rotina começa muito cedo, bem antes de o sol nascer. Acorda por volta das 3h da manhã, num horário, onde afirma, seu trabalho rende mais, sem as interrupções ocorridas durante o dia. E faz tudo, desde pintar os quadros, a montar as telas, que começa a revender na loja. Ajuda mesmo quem lhe dá é a esposa, Marli Calejon de Souza, 38 anos, que além dos serviços domésticos é uma espécie de faz tudo na loja. Há um ano na nova residência, a transformação em sua vidas é mais do que evidente, pois o movimento aumentou e os planos não param de se alterar.

As aulas são ministradas de forma a atender o horário da grande maioria dos alunos, em todos os horários do dia. Os valores da mensalidade não são altos, girando em torno de R$ 40 reais mês, feitos para atender um número maior de pessoas. Diante de vários estilos, formatos e uma produção crescente, pergunto a ele se já havia pensado em fazer uma exposição com suas telas. “Não dá para fazer isso no momento, pois tudo que tenho produzido acaba saindo. Teria que contatar os clientes e pedir a eles que me emprestassem as telas para essa finalidade e isso seria dificultoso. Mas é uma idéia que não descarto no futuro”, diz.

A vida de Neno e Marli gira todo em torno do horário de funcionamento da loja e das aulas. Estão felizes e conseguindo realizar o sonho de suas vidas. Vê-lo trabalhando numa edícula nos fundos da casa, uma espécie de oficina, onde pinta e executa os trabalhos, sempre com um largo sorriso no rosto é a constatação de que com perseverança os mais simples sonhos podem ir se realizando. Eles idealizaram os seus e dedicaram-se para que pudesse vingar. Sabem que o caminho somente começou a ser trilhado, mas de uma coisa não abrem mão. “Nem penso em sair daqui. O Mary Dota me acolheu muito bem e isso aqui é a minha cidade”, conclui.

2 comentários:

Helena Aquino disse...

Excelente trabalho ... e também uma idéia vitoriosa, juntar casa e trabalho, economia e dedicação ...
Um artista do povo, para o povo ... com ctza será reconhecido, ou melhor, já é, pois dessa forma as pessoas sabem como encontrá-lo à qualquer hora ...
Parabéns....
Irei conhecer o local ....

Helena Aquino

Anônimo disse...

Caríssimo Henrique
Grato pela mensagem sobre a MEMÓRIA ORAL E A ARTE NA PERIFERIA. Você está permanentemente ligado às coisas de Bauru, em todas as áreas. É um autêntico militante das boas causas. Ontem estive com Tristan e você foi lembrado. Breve nos encontraremos. Saudações socialistas
Isaias Daibem