domingo, 25 de julho de 2010

FRASES DE UM LIVRO LIDO (38)

O ACROBATA PEDE DESCULPAS E CAI - FAUSTO WOLFF (ED. CODECRI RJ, 1980)
Nesta semana escrevi aqui sobre Brizola Neto e antes um pouco sobre o fim do Jornal do Brasil. E quando falo dessas duas coisas, algo não me sai da cabeça, FAUSTO WOLFF. Esse bravo jornalista gaúcho, radicado no Rio de Janeiro por décadas, onde morreu dois anos atrás, foi um fervoroso brizolista e escrevinhou por muito tempo, mantendo uma coluna diária até seus últimos dias, no hoje quase extinto (edição impressa circula somente até 30/07) Jornal do Brasil. Fui rever seus livros aqui no mafuá. Tenho quase todos, além de um calhamaço, um catatau de mais de mil páginas, com suas crônicas impressas do JB. Dos livros, esse aqui, um dos primeiros que comprei e li dele, ainda tenho aqui num amontoado da editora Codecri (a do rato que ri). Colecionei Pasquins e durante um tempo eles mantiveram essa editôra, que fez muito sucesso durante décadas. Na minha estante, mantenho uma fileira só com os da Codecri. Hoje, diante de um dia dos mais empoeirados, quando iniciamos aqui na casa dos pais uma reforma tão aguardada (a sala veio abaixo e tudo aqui de perna para o ar - escrevo com o nariz cheio de pó), tirei esse lá da estante e fui ver as frases que havia marcado, quando o li pela primeira vez, em 1984 (a edição do livro é de 1980), ano do meu casamento com a Wilma Cunha e das Diretas Já.

Algumas poucas que fazem o deleite deste velho e incorrigível marujo:
- "Mas hoje eu preciso viver pois bateram no meu quarto. Vou andando. Passo pelo botequim, ligeiro. O dono vê e, certamente, lembra da conta. Será que ele não sabe que eu gostaria de pagá-la? Ou será que ele pensa que eu sou um desses estranhos seres que adoram andar fugindo?".
- "Nem comunista sou mais e não o sou há algum tempo. Neste momento, quero que Deus vá à merda. Vou me arrepender disso quando sentir dor de dentes novamente. (...) Serei o meu próprio Deus: pecador e confessor. Preciso socorrer-me. Amar ou pegar. Agredir ou sorrir mas, antes de tudo, socorrer-me".
- "A mulher quer carinho. Mas que carinho tenho para lhe dar? Ela que busque carinho na sua tradição de hábitos e costumes; vá à missa, se suicide. Eu não tenho tradição, missa ou talento para o suicídio. Não tenho nada para lhe dizer".
- "Eu não tenho dinheiro mas muita gente também não têm. Não é hora de me preocupar com quem rouba. Os políticos, os comerciantes, os ricos, enfim, têm algo em comum: são todos ladrões. Dia chegará em que os ladrões não mais existirão. Nem o vocábulo existirá. Apenas o roubo. Mas eu já não estarei vivo".
- "Os meses passavam rápido. Tão rápido como o dinheiro que saía do meu bolso para o bolso dos açougueiros, médicos, dentistas, cobradores. Os cobradores, de um modo geral, eram de livros. E era tão fácil vender-me livros. Ele via como eu os namorava. Diziam que era fácil pagar. E eu acreditava. Dinheiro".
- "Se preciso trabalhar por que fico assim deitado? Por que não saio de cima desta cama, deste fedor, destas moscas que andam por cima da minha cara? Todas as mulheres que conhecerei no futuro, depois da foda dirão: 'Mas voce não se esforça? Todos estão trabalhando, todos estão tentando, e voce?'. Interessante, sempre há alguém para o cargo de herói e para me dizer que eu não sou herói".
- "Não quero mais ser lúcido. Quero a liberdade da falta de dignidade que é a dignidade total. A liberdade de ser jogado de um lado para outro. A liberdade, mesmo que a custa de porradas.Fazer de minha dependência a minha independência e da minha prisão, a minha liberdade. Ser o oposto, o contrário".
- "Para prender as pessoas que se afastam do contrato social, a coletividade paga outras pessoas. Estas, por sua vez, vestem uma farda a fim de que possam ser distinguidas das outras, caso contrário, também, correriam o risco da prisão. Aliás, a coletividade paga muito mal a esses cidadãos, haja visto a violência com que me empurram para dentro de uma camioneta".
- "...saberei como curar a posição humana: ter dinheiro. Sem sabão, como tomar banho? Sem dinheiro, como comprar sabão? Sem banho como passar normalmente desapercebido? (...) Para procurar emprego preciso de uma camisa limpa. Eu entreguei todas à lavadeira. Sem dinheiro, como fazer com que ela as devolva? Quero fazer com que a minha mulher tenha orgulho de mim. Sem dinheiro, como comprar orgulho para ela? Sem dinheiro, como comprar presente para meu filho? Sem presente para meu filho, como arranjar um sorriso da minha mulher? Como comprar a confiança. Preciso procurar um emprego e para tanto preciso apanhar um ônibus. Sem dinheiro, como apanhar um ônibus? Como falar, como comer, como dormir, como fumar, como andar, como beber, como pedir, como amar, sem dinheiro?".

Esse livro foi uma das primeiras porradas no estômago que recebi via literatura. Sua leitura sempre me era dolorosa (e ainda dói). Millôr Fernandes fez a apresentação do livro e lá deixou um recado para os leitores: "Na novela de Fausto Wolff o personagem não tem nome. Talvez o seu nome seja o da capa do livro. Talvez não seja".

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