MEMÓRIA ORAL (114)
CIDA PERSONIFICA A PORTELA EM BAURU
A diretora aposentada de escola municipal, MARIA APARECIDA AUGUSTO, 60 anos, pedagoga formada pela USC, atuou num cargo de direção em um parque infantil por 36 anos e manteve durante a maior parte de sua vida uma atividade paralela, a que lhe propicia o maior prazer de sua vida, a de ser portelense e amante incondicional da cidade do Rio de Janeiro. Cida, como todos hoje a chamam não nasceu nem vive na Cidade Maravilhosa e sim em Bauru, distante exatos 780 km da capital do samba, mas nutre amores distantes indescritíveis.
Isso veio de longe. “Desde pequena sempre gostei muito de samba. Minha mãe faleceu quando tinha 15 anos e o pai quando tinha 26, esse amante do samba. Um de meus irmãos, Zé do Pito, andava sempre com um pandeiro na mão e fez isso enquanto viveu, até seus 40 anos. Ele saia no Caré e no Pedro de Campos, expoentes do carnaval na cidade. Cresci nesse ambiente e quando ia fazer a 5° série, Leila, minha mãe de criação, que adorava chamamé e Jair Rodrigues muito me incentivou. O amor pelo Rio veio em primeiro lugar de uma prima dela que morava no Méier. Desde menina ficava repetindo: quero ir pro Rio, quero ir pro Rio. Diziam que era perigoso e nesse período ainda passava os carnavais na Barra Bonita, que tinha um bem animado”, começa o relato descritivo das origens dos maiores amores de sua vida.
Ela acabou indo até o Rio nesse período, mas em 1984, no segundo ano da existência do Sambódromo, governo do Brizola, Darcy e para conhecer a obra do arquiteto Niemeyer, ao ver a azul e branco na avenida, com o enredo “Contos de Areia”, o clique estava dado. “O Liceu Noroeste onde estudei era azul e branco, a Portela da mesma cor. Jair e Clara Nunes cantavam músicas da escola, não deu outra, virei portelense. Nesse primeiro ano o meu irmão me levou até São Paulo, arrumamos lá uma excursão e junto da Leila, adentramos a Cidade Maravilhosa só nós duas. Lembro até hoje do hotel, era o Center, perto da Praça XV. Chegamos babando no Sambódromo e numa manhã de sábado, perguntei como fazia para entrar e nos deixaram espiar. Quando vimos estávamos no meio da avenida, camarote da Brahma e olhando o Benê da Cuíca ensaiar. Essa aqui na foto é a primeira águia da Portela, as asas fechando depois da morte da Clara. Foi uma tristeza imensa”, diz.
Daquele ano para cá só perdeu um Carnaval no Rio, por motivo de falecimento da mãe de uma amiga, mas acabou indo no sábado seguinte, Festa das Campeãs. “Nunca pensei em desfilar. Não gosto. Como iria ver o desfile? Para desfilar teria que deixar de assistir pelo menos duas escolas. Não consigo. Criei um grupo de amigas, que conheci logo na primeira vez, a Iolanda e a Cosme de Niterói, a Maria José de Itaperuna e outras. Elas compram tudo para mim de forma antecipada. Não me preocupo com nada, só em enviar o dinheiro. Chego, me junto a elas e estou no meio da festa”, continua seu relato de forma quase ininterrupta, feito com uma carga de emoção a contagiar todos à sua volta.
Espalhados pela mesa os vários álbuns registrando suas incursões e em todos, uma infinidade de fotos com muita gente conhecida da avenida. “Fico sempre na friza, logo na frente, as pessoas vão passando por ali e me vendo com as cores azul e branco, acabo tirando muitas fotos. O gari Renato Sorriso já virou mais do que conhecido, pois o reencontro todo ano. Paulinho da Viola, Alcione, o capitão do tri Carlos Alberto, Benito, João Bosco, Antonio Pitanga, Joãozinho Trinta, Luiz Airão, Neguinho da Beija Flor, Millor Fernandes, Martinália e tantos outros. Estão todos aqui nesses álbuns. Não existe pessoa que goste mais de Carnaval do que eu. Só não mudo para lá porque meu povo é todo daqui. Adoro o Rio, não tem lugar melhor. Já viajei muito, mas como Rio não existe. Não gosto de ficar na praia e difícil ter coisa daquela cidade que eu ainda não conheça. Fuço tudo e vasculho cada canto onde role algo relacionado ao carnaval”, continua num tom cada vez mais emocionado.
Quem a incentivou de verdade e acabou sendo uma espécie de professor por lá foi Guilberto Carrijo, uma pessoa que está intimamente ligada à festa, tanto em Bauru como no Rio, onde tinha cadeira cativa no Cordão do Bola Preta. “Aprendi com ele a gostar muito do Rio, aprendi a andar no Rio, onde podia ir, não circular com algo valioso. Ele me dizia que ninguém ia saber que eu não era carioca, pois sempre falei tanto de lá que acabo parecendo um nativo. Ando por tudo”, prossegue. Hoje, após a aposentadoria, ocorrida quatro anos atrás e também por influência de Carrijo só fica no Hotel Itajubá, em plena Cinelândia.
“Sou solteira, graças a Deus. Ninguém me prende. Não ligo de ir para o exterior, meu negócio é o Rio e o seu carnaval. Quando termina um, já marco o hotel para o outro. Tenho apartamento cativo, o 202. Bato ponto no Bloco das Carmelitas, no do radialista Antonio Carlos, o da Confraria do Garoto e o único que deixei de ir foi o do Bola, pois não dá mais, muita gente. Até no Que Merda É Essa?, eu vou. Só não gosto de dançar com ninguém. Sambo sempre sozinha, rodeada das amigas”, vai prosseguindo o relato interrompido somente para tirar do guarda-roupas uma coleção de camisetas da Portela.
Surpresa geral, pois esparramados sobre a mesa duas coleções distintas, uma de camisetas de quadra, compradas na da Portela, claro e outra as tradicionais vendidas a cada ano. Uma coleção rara e que não dá, não vende e muito menos não empresta. Raridade em cima de raridade, tudo nas cores azul e branco. “Aqui tem 15 águias diferentes, uma estilizada de forma diferente a cada ano. Tem desde a do ano passado, até a do primeiro ano que lá estive, tudo muito bem guardadinho. Uso aqui em eventos especiais. Olha essa água, que linda. O pessoal de Madureira tem um gosto especial, o samba nasceu lá, você sabe, né? Tem quem me diz que junto tudo isso e a Portela não é campeã. Não me interessa, sou Noroeste também e sigo o lema do Coração não tem Divisão”, explica.
Cida não se cansa de falar da Portela por uma tarde inteira. Ao seu lado o pai de criação, Jair de Almeida, 78 anos, com quem mora após o falecimento da Leila. Ele observa tudo, diz gostar também de samba. “Gosto, mas não sou como ela, mas a incentivo, pois é o que mais gosta na vida”, diz. Ano passado foi com a sobrinha, Gabriela Augusto, 16 anos, que ficou encantada com tudo o que presenciou, mas não irá nesse ano. “Não dá todo ano. Ninguém tem meu ritmo”. E não tem mesmo. Na sala mostra canecas, várias delas, todas em azul e branco. E continua a falar da Portela: “A hora que águia entra na avenida eu enlouqueço. Vou aos desfiles até não mais agüentar”, concluir folheando ao álbuns, acariciando as camisetas, bebendo nas canecas e com a revista desse ano, a oficial do desfile. “Só tem lá no Rio, mas minhas amigas já me enviaram para ficar sabendo de tudo”. Igual a Cida não existe mais ninguém, campeã de autenticidade e originalidade.
CIDA PERSONIFICA A PORTELA EM BAURU
A diretora aposentada de escola municipal, MARIA APARECIDA AUGUSTO, 60 anos, pedagoga formada pela USC, atuou num cargo de direção em um parque infantil por 36 anos e manteve durante a maior parte de sua vida uma atividade paralela, a que lhe propicia o maior prazer de sua vida, a de ser portelense e amante incondicional da cidade do Rio de Janeiro. Cida, como todos hoje a chamam não nasceu nem vive na Cidade Maravilhosa e sim em Bauru, distante exatos 780 km da capital do samba, mas nutre amores distantes indescritíveis.
Isso veio de longe. “Desde pequena sempre gostei muito de samba. Minha mãe faleceu quando tinha 15 anos e o pai quando tinha 26, esse amante do samba. Um de meus irmãos, Zé do Pito, andava sempre com um pandeiro na mão e fez isso enquanto viveu, até seus 40 anos. Ele saia no Caré e no Pedro de Campos, expoentes do carnaval na cidade. Cresci nesse ambiente e quando ia fazer a 5° série, Leila, minha mãe de criação, que adorava chamamé e Jair Rodrigues muito me incentivou. O amor pelo Rio veio em primeiro lugar de uma prima dela que morava no Méier. Desde menina ficava repetindo: quero ir pro Rio, quero ir pro Rio. Diziam que era perigoso e nesse período ainda passava os carnavais na Barra Bonita, que tinha um bem animado”, começa o relato descritivo das origens dos maiores amores de sua vida.
Ela acabou indo até o Rio nesse período, mas em 1984, no segundo ano da existência do Sambódromo, governo do Brizola, Darcy e para conhecer a obra do arquiteto Niemeyer, ao ver a azul e branco na avenida, com o enredo “Contos de Areia”, o clique estava dado. “O Liceu Noroeste onde estudei era azul e branco, a Portela da mesma cor. Jair e Clara Nunes cantavam músicas da escola, não deu outra, virei portelense. Nesse primeiro ano o meu irmão me levou até São Paulo, arrumamos lá uma excursão e junto da Leila, adentramos a Cidade Maravilhosa só nós duas. Lembro até hoje do hotel, era o Center, perto da Praça XV. Chegamos babando no Sambódromo e numa manhã de sábado, perguntei como fazia para entrar e nos deixaram espiar. Quando vimos estávamos no meio da avenida, camarote da Brahma e olhando o Benê da Cuíca ensaiar. Essa aqui na foto é a primeira águia da Portela, as asas fechando depois da morte da Clara. Foi uma tristeza imensa”, diz.
Daquele ano para cá só perdeu um Carnaval no Rio, por motivo de falecimento da mãe de uma amiga, mas acabou indo no sábado seguinte, Festa das Campeãs. “Nunca pensei em desfilar. Não gosto. Como iria ver o desfile? Para desfilar teria que deixar de assistir pelo menos duas escolas. Não consigo. Criei um grupo de amigas, que conheci logo na primeira vez, a Iolanda e a Cosme de Niterói, a Maria José de Itaperuna e outras. Elas compram tudo para mim de forma antecipada. Não me preocupo com nada, só em enviar o dinheiro. Chego, me junto a elas e estou no meio da festa”, continua seu relato de forma quase ininterrupta, feito com uma carga de emoção a contagiar todos à sua volta.
Espalhados pela mesa os vários álbuns registrando suas incursões e em todos, uma infinidade de fotos com muita gente conhecida da avenida. “Fico sempre na friza, logo na frente, as pessoas vão passando por ali e me vendo com as cores azul e branco, acabo tirando muitas fotos. O gari Renato Sorriso já virou mais do que conhecido, pois o reencontro todo ano. Paulinho da Viola, Alcione, o capitão do tri Carlos Alberto, Benito, João Bosco, Antonio Pitanga, Joãozinho Trinta, Luiz Airão, Neguinho da Beija Flor, Millor Fernandes, Martinália e tantos outros. Estão todos aqui nesses álbuns. Não existe pessoa que goste mais de Carnaval do que eu. Só não mudo para lá porque meu povo é todo daqui. Adoro o Rio, não tem lugar melhor. Já viajei muito, mas como Rio não existe. Não gosto de ficar na praia e difícil ter coisa daquela cidade que eu ainda não conheça. Fuço tudo e vasculho cada canto onde role algo relacionado ao carnaval”, continua num tom cada vez mais emocionado.
Quem a incentivou de verdade e acabou sendo uma espécie de professor por lá foi Guilberto Carrijo, uma pessoa que está intimamente ligada à festa, tanto em Bauru como no Rio, onde tinha cadeira cativa no Cordão do Bola Preta. “Aprendi com ele a gostar muito do Rio, aprendi a andar no Rio, onde podia ir, não circular com algo valioso. Ele me dizia que ninguém ia saber que eu não era carioca, pois sempre falei tanto de lá que acabo parecendo um nativo. Ando por tudo”, prossegue. Hoje, após a aposentadoria, ocorrida quatro anos atrás e também por influência de Carrijo só fica no Hotel Itajubá, em plena Cinelândia.
“Sou solteira, graças a Deus. Ninguém me prende. Não ligo de ir para o exterior, meu negócio é o Rio e o seu carnaval. Quando termina um, já marco o hotel para o outro. Tenho apartamento cativo, o 202. Bato ponto no Bloco das Carmelitas, no do radialista Antonio Carlos, o da Confraria do Garoto e o único que deixei de ir foi o do Bola, pois não dá mais, muita gente. Até no Que Merda É Essa?, eu vou. Só não gosto de dançar com ninguém. Sambo sempre sozinha, rodeada das amigas”, vai prosseguindo o relato interrompido somente para tirar do guarda-roupas uma coleção de camisetas da Portela.
Surpresa geral, pois esparramados sobre a mesa duas coleções distintas, uma de camisetas de quadra, compradas na da Portela, claro e outra as tradicionais vendidas a cada ano. Uma coleção rara e que não dá, não vende e muito menos não empresta. Raridade em cima de raridade, tudo nas cores azul e branco. “Aqui tem 15 águias diferentes, uma estilizada de forma diferente a cada ano. Tem desde a do ano passado, até a do primeiro ano que lá estive, tudo muito bem guardadinho. Uso aqui em eventos especiais. Olha essa água, que linda. O pessoal de Madureira tem um gosto especial, o samba nasceu lá, você sabe, né? Tem quem me diz que junto tudo isso e a Portela não é campeã. Não me interessa, sou Noroeste também e sigo o lema do Coração não tem Divisão”, explica.
Cida não se cansa de falar da Portela por uma tarde inteira. Ao seu lado o pai de criação, Jair de Almeida, 78 anos, com quem mora após o falecimento da Leila. Ele observa tudo, diz gostar também de samba. “Gosto, mas não sou como ela, mas a incentivo, pois é o que mais gosta na vida”, diz. Ano passado foi com a sobrinha, Gabriela Augusto, 16 anos, que ficou encantada com tudo o que presenciou, mas não irá nesse ano. “Não dá todo ano. Ninguém tem meu ritmo”. E não tem mesmo. Na sala mostra canecas, várias delas, todas em azul e branco. E continua a falar da Portela: “A hora que águia entra na avenida eu enlouqueço. Vou aos desfiles até não mais agüentar”, concluir folheando ao álbuns, acariciando as camisetas, bebendo nas canecas e com a revista desse ano, a oficial do desfile. “Só tem lá no Rio, mas minhas amigas já me enviaram para ficar sabendo de tudo”. Igual a Cida não existe mais ninguém, campeã de autenticidade e originalidade.
6 comentários:
Personagem incrível, demais. A Cida da Portela sabe o que é bom!1
A Cida, que é irmã do J. (Jesus) Augusto, repórter de campo da Auri-Verde é uma pessoa muito boa praça e gosta de algo que realmente só enobrece, CARNAVAL e RIO DE JANEIRO. Aos 60, prova que a vida pode ser utilizada de forma saudável, bem diferente dessas que ficam enficadas dentro de uma igreja, pregam algo e fazem e concordam com outro. Cida faz parte do time da alegria.
Daniel
Caro Henrique - grato pela mensagem. Tive o prazer de conhecer e trabalhar com a Professora Cida quando fui Secretário da Educação na gestão Tidei de Lima. Co nheci também a senhora mãe dela, ambas abnegadas lutadoras pela educação pública. Naquela gestão (anos 90) a escola dela foi ampliada e recebeu grande apôio material e pedagógico da administração.
Conheci também o Caré (Romário Dias Mota) e o Pedro de Campos, pioneiros das escolas de samba em Bauru. Caré e suas pastoras...Um abraço- Isaias Daibem
Henrique
Que mulher maravilhosa.
Carnavalesca e feliz da vida.
Não a conherço, mas sim, a voz do seu irmão, o J.
Bela vida voltada para o samba.
Vc se esqueceu de algo no texto: Em Bauru ela torce para que Escola de Samba, pois no Noroeste ela já afirmou torceu.
Ademir
CARÍSSIMO CAMPEÃO HENRIQUE:
APENAS UMA PERGUNTINHA DESTE SEU AMIGO E CORINTHIANO CHEIO DE ESPERANÇA PARA AMANHÃ ( COPA SP ), CAMPEONATO PAULISTSA, LIBERTADORES E BRASILEIRÃO:
QUANDO SAIRÁ SEU , TÃO ESPERADO, LIVRO DE MEMÓRIAS?
JÁ NÃO É SEM TEMPO.....
UM ABRAÇO E FELICIDADES.
UM ABRAÇO PARA A ANA,
DO AMIGO DE SEMPRE,
PROFESSOR TOKA
HENRIQUE,
GOSTEI MUITO DA PESQUISA COM A CIDA...
É NOSSA EX-ALUNA E AMIGA...
VALEU, RETRATOU MUITO BEM...
ABS.
MURICY DOMINGUES
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