quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

BEIRA DE ESTRADA (16)

A CIDADE PEQUENA DENTRO DA METRÓPOLE - crônica publicada na Revista do Caminhoneiro, edição nº 287, janeiro 2012 (tiragem de 100 mil exemplares).
Onde já se viu, caminhoneiro responder a pesquisa de opinião? Coisa mais do que inusitada. Na correria da vida que levamos, com um tempo infindável fora de casa, viagens constantes, nem responder ao censo acabamos por fazê-lo, pois, na maioria das vezes, quando passam pelas nossas casas estamos no batente. Já discuti com amigos numa roda em um posto sobre se alguém ali já havia sido entrevistado em algum tipo de pesquisa. Ninguém. Quer dizer, não acreditava muito nisso e nem explicações possuía. Só achava estranho, nada mais.

Pois estava num posto no interior paulista, numa das viagens que faço rotineiramente entre as duas mais importantes capitais brasileiras, São Paulo e Rio de Janeiro, final de tarde, chinelos nos pés, toalha no ombro, pronto para o descanso do dia, quando sou abordado por um jovem de prancheta na mão.

- Pode me dar um minuto de sua atenção. Sou de uma revista de turismo e estamos fazendo uma pesquisa entre as pessoas que viajam constantemente a trabalho. Estou aqui para escolher dentre alguns caminhoneiros, desses que reconhecidamente viajam muito, um para responder a uma só pergunta. Pode ser?

Ele havia escolhido justo a mim, logo eu que achava isso meio invencionice. Olhei firme para o jovem, com um imponente crachá e uma máquina fotográfica penduradas no pescoço. Um desses garotões recém saídos de algum banco escolar, mais cheio de dúvidas do que certezas e tasquei:

- Tem certeza que tem de ser comigo? Tasca lá, o que você quer saber de mim que será importante para sua revista de turismo. Vamos sentar ali ao lado do meu caminhão, pois quero uma foto bonita, não mostrando meus chinelos, por favor. Tá bom assim?

Sentamos, ele me falou da revista, do trabalho e até um pouco de sua expectativa profissional. Disse ser coisa simples, uma pergunta feita para quem conhece variados lugares. Por fim, a pergunta:

- Todos nós temos lá no fundo da memória um lugar inesquecível, um lugar por onde tenhamos passado que não sai mais da memória. Um que tenha marcado sua vida. Qual o seu? Queria uma descrição e os motivos.

Respirei fundo, olhei para os lados, pedi um tempo, revi um monte de coisas vividas ao longo desses anos todos, fomos tomar um café e a resposta saiu assim:

- Sou do interior de Minas e assim sendo adoro montanha, o nosso mar. Um poeta disse isso, não? Conheço aquilo como poucos. Rodei muito meu estado todo, cada estradinha que daria um roteiro e tanto. É o tal do amor à natureza muito presente em mim. De gente de cidade pequena virei um cidadão do mundo. Conheci capitais variadas e uma delas muito me atrai. Posso chover no molhado, mas adoro a cidade do Rio de Janeiro. Bate um negócio estranho a cada descida da serra. Faço isso sempre, mas sinto algo novo a cada retorno. Lá eu já conheço seus pontos turísticos, mas gosto mesmo em particular de algo que poucos vêem. Faço entrega na Zona Norte, a periferia e ao ver aquelas pessoas sentadas nas calçadas nos fins de tarde, numa aparente calma, que pode até ser entrecortada por tiros ao longe, isso me faz ter lembranças da minha terra e de como a felicidade é algo tão simples. São cenas de cidades do interior acontecendo no meio da metrópole. É disso que precisamos. Queria mesmo falar disso com alguém e sua pergunta me reavivou isso. Esse é o meu lugar. Um canto perdido num bairro periférico de uma metrópole, algo a me trazer gratas recordações do meu querido interior lá nas Minas Gerais. É onde todas as cidades se fundem, na simplicidade. Tá bom assim?

HPA, 51 anos é jornalista e professor de História, além de contador de histórias (e de algumas estórias).
OBS.: Confesso ter ficado imensamente feliz no início do ano ao receber o convite de renovação de continuidade da publicação dos meus textos na revista que mais circula nas estradas brasileiras (aliás, todas). Acabo de ver a mesma sendo distribuida na Via Dutra e lá meu texto.

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