FRASES DE UM
LIVRO LIDO (70)
AS RUAS DE
HOJE E A COMPARAÇÃO COM “BOCA DO INFERNO”, ROMANCE DE ANA MIRANDA
Gosto de
ficar sempre reafirmando que as mazelas desse país estão aí latentes desde a
Colônia. As grandes transformações que esse país tanto necessita são sempre
impedidas de acontecer por causa de uma cruel e insana “casa grande”, tratando
o resto do país como “senzala”. Sempre foi assim, hoje só uma repetição de
ontem e de anteontem. Como hoje é domingo, achei na estante da parca biblioteca
do mafuá, um livro que li há tempos, o ‘BOCA DO INFERNO’, da excelente cearense
ANA MIRANDA (Cia das Letras, 2004, 336 páginas) e lá uma amostra de como as
crueldades todas permanecem intactas. “Numa suave região cortada por rios
límpidos, de céu sempre azul, terras férteis, florestas de árvores frondosas, a
cidade parecia ser a imagem do Paraíso.
Era, no entanto, onde os demônios
aliciavam almas para povoarem o Inferno”, diz a autora no epicentro da trama do
romance. Falta ainda ao Brasil algo parecido com a revolução Francesa. Nem isso
ainda vivenciamos, tal a lei do chicote predominante desde o nascimento dessa
nação. Quero exemplificar isso, conclamando todos à leitura desse belo livro ou
simplesmente a essas poucas linhas a seguir. Elas são o texto da orelha, a
apresentação do que venha a ser essa tal de Boca do Inferno. Escrita por Antônio
Dimas, deixa claro que, numa comparação até simplista, o que a mídia brasileira
prega hoje como ajustado para o país é a sua dependências a eles, conluio da
retórica, do pieguismo e da hipocrisia. Leiam:
“Com Boca do
Inferno, ambientado na Bahia, em plena efervescência mercantilista do século
XVII, Ana Miranda restaura os cacos de um país popularmente tido como pacífico,
substituindo essa mentira calcificada por uma de caráter ficcional, mais
consentânea com a verdade histórica. O assassinato ao alcaide-mor é mero
pretexto fabular para dividir em duas a sociedade baiana de então: perseguidores
e perseguidos. O que interessa mais é a capacidade paradoxal que o evento
carrega, porque desperta a vida naquela sociedade. Desencadeia-se o furo
persecutório do pode restabelecido que não recua diante do ilegal e o ilegítimo
para agarrar supostos culpados, cujo motivo único de suspensão advinha do uso
constante da palavra incandescente. A perseguição intensa leva o leitor pelos
meandros da política, dos conluios e dos conchavos, bem como pelas
vielas
tortuosas de uma cidade (...), espelha de modo exemplar o sinuoso da vida colonial
brasileira. Sob uma aparência de normalidade esconde-se um mundo turbulento,
carregado de ambições, de falcatruas, de sensualidade, de religiosidade e de
sexualidade desenfreada. Numa sociedade em (de)composição, o priapismo de
Gregório de Matos encontra seu correlato tanto no furor verbal de Vieira quanto
nas arbitrariedades sistemáticas da caterva do governador. Do antagonismo que
se constrói entre ambas as facções surge um conjunto social em que o Poder
identifica-se necessariamente com o Mal, porque dele não se espera outra coisa
que a corrupção e a venalidade. Para combate-lo em seus excessos senão a
esperança da Palavra. Da boca de Vieira, o verbo polido, desdobrando-se numa
sinonímia infinita e espiralada que encontra paralelo inverso nas várias
modalidades da prevaricação governamental. Da boca de Gregório, o jorro
desmesurado de uma linguagem que, por aversão ao meio, não se peja de refleti-lo
de modo espetacular. Daí seu caráter popular, porque mais rapidamente
assimilável, o que gera o fastio externo da camada culta”.
Falta só o
papel cruel da mídia para uma comparação exata e precisa. Só isso, nada mais.