quinta-feira, 18 de julho de 2013

MEMÓRIA ORAL (145)


COVEIRO ANALFABETO É CATEDRÁTICO NO "SEU" CEMITÉRIO
Cemitério, qualquer deles, é sempre fonte de muitas histórias e até algumas estórias. Na maioria das vezes elas resvalam num tema, o medo. Impossível não associar muitas delas com aquele pavor que muitos possuem de passar ao lado de algum “campo santo”, como são popularmente conhecidos. Quem já não escutou muitas a envolver pessoas que saem correndo dessas imediações ao ouvir sons estranhos advindos do seu interior? Mas e quem trabalha nesses lugares, como convive com o medo? Ele existe? Ao conhecer um coveiro por profissão, elucidei esse e outros questionamentos sobre o tema.

Seu José é coveiro em Reginópolis, cidade distante 70 km de Bauru. Aos 64 anos perdeu a conta de quantas vezes já respondeu sobre esse negócio de ter medo. “Medo só no começo. Hoje, nenhum. Medo eu tenho dos do lado de fora, mas dos que estão aí dentro, quase nenhum. Barulho a gente ouve, mas na maioria das vezes é provocado por gente bem viva circulando por aqui”, conta José Maciel Cassiano, que há décadas mora numa casa cedida pela Prefeitura Municipal e a única defronte o cemitério da cidade.

A cidade tinha outro, localizado em sua região central, mas com o passar dos anos, a Prefeitura resolveu transferir tudo para esse outro, num área até então bem afastada da cidade. Se tudo estava afastado quando foi aberto, coisa de uns três km do centro, hoje essa distância não mais existe, pois dois novos bairros já estão bem próximos. Na fachada algo bem peculiar da política brasileira, duas placas de reformas, uma de início das obras, de 1971, quando um prefeito em fim de mandato prevendo que não mais estaria no poder quando a obra estivesse pronta, coloca lá uma placa e outra da reinauguração.

A rua defronte seu portão principal tem somente uma quadra e dá numa vicinal que leva até a vizinha cidade de Uru. São talvez os cem metros mais arborizados da cidade, principalmente com frondosas seringueiras e praticamente embaixo delas, a casa do coveiro. Ali ele mora com a esposa e filhos. Durante o dia, lugar bem movimentado e a noite, além da movimentação da casa só a de alguns que se arriscam a namorar no local, parando ali seus carros. Seu José vive nesse quadrilátero, indo pouco à cidade, pois os afazeres em um cemitério, mesmo de cidade pequena é intenso, com reformas de túmulos, enterros, informações e visitas. Tudo controlado pelo seu olhar mais do que clínico.

Por falar em reforma, ele me conta uma história com personagens que conheci ali. Um grupo de pedreiros estava finalizando a obra de um novo túmulo e dentre os pedreiros descobriu-se que o mais forte deles, um negro de dois metros de largura e outro tanto de altura tinha medo de permanecer sozinho na cova em obras. “Seus amigos aprontaram com ele. Um entrou lá dentro quando esse saiu para beber água e quando entrou de novo, sem saber que o outro havia entrado no buraco e se escondido. Começou a ouvir vozes, uma chamou pelo seu nome, sendo o suficiente para destruir todo o reboco que havia acabado de fazer. Tanto se debateu lá dentro, subindo meio que voando de lá para fora, destruindo tudo a sua frente. Rimos muito, mas ele só volta lá agora quando tem certeza de estar acompanhado de alguém vivo”, conta.

Tempos atrás, quando da finalização de um livro sobre a história da cidade, bateram dúvidas nos autores dobre datas de nascimento e falecimento de alguns personagens e um dos memorialistas da cidade, João Batista Bento, o popular João da Câmara teve a ideia de ir até o cemitério e conferir as datas nas lápides. “Foi a melhor e mais rápida coisa que poderia ser feita naquele momento. Não tivemos dificuldade nenhuma na localização, pois seu José sabia de cor e salteado a localização de todos os túmulos. Falava o nome e ele nos levava até ele. Fomos registrando as datas e avançamos no que queríamos fazer”, conta enquanto circula entre os túmulos e sendo observado de perto pelo José, o coveiro.

Dessa visita a revelação de outra descoberta para esse escrevinhador. Seu José é analfabeto de tudo, não lê nada de nada, mas do cemitério sob sua responsabilidade sabe de tudo. “A gente ia perguntando de alguém, ele não só nos levava até o túmulo, como contava a história do dia do enterro, se teve muita gente e outras curiosidades”, conta João. Eu mesmo presenciei isso, quando perguntei de um e ele me respondeu citando o nome inteiro da pessoa, data da morte e ainda me questionou: “Não é isso que está escrito aí?”. Sempre era. Ele não errou nenhum.
Pessoa muito simples, sem luxo nenhum e carregando sempre no bolso o único luxo que ostenta, um celular sempre carregado, pois em caso de morte na cidade, o pessoal da Prefeitura o avisa de imediato e lá vai ele preparar tudo para a chegada do cortejo. Para esse José, não existe dia santo, feriado, faça sol ou chuva, lá está de plantão e sempre pronto para fazer bem feito seu serviço. “Teve um dia que iluminamos o cemitério para um enterro que precisava ser feito naquele dia e o corpo só chegou altas horas. Cada enterro tem a sua história”, relata.

Circula pelo cemitério, na maioria das vezes, de vassoura em punho, pois não gosta de ver aquele amontoado de folhas pelo local. Zela pela segurança, limpeza e tudo o mais por ali. Numa das visitas que fiz ao seu local de trabalho, acompanhado de Fausto Bergocce, jornalista e cartunista, nascido ali e residente em Guarulhos, estávamos no túmulo dos seus pais e José veio nos contar que conhecia o falecido. Contou histórias dele e quando revividas ali, causam sempre muita emoção. Sai de lá querendo escrever um bocadinho de tão preciosa pessoa e hoje a oportunidade de fazê-lo.

OBS.: Essa história foi escrita aproximadamente dois anos atrás e somente publicada agora.

8 comentários:

Anônimo disse...

Olá Henrique,
Voce já escreveu algo sobre essa rodovia e os viadutos.
Por favor nos ajude com seus meios de comunicação.
Um grande Abraço.
Sandra e Pês


MANIFESTAÇÃO PÚBLICA.

VIADUTO RODOVIA; BAURU/IPAUSSU
VIADUTO FEITO APENAS PARA BENEFICIAR DUAS EMPRESAS PRIVADAS.
QUEREMOS UMA REUNIÃO JUNTO A CART E TB DR.LUIS GABOS ÁLVARES PROMOTOR DAS FUNDAÇÕES, CURADOR DE HABITAÇÃO E URBANISMO DE BAURU. UM ABSURDO SERÁ FECHADO UM ACESSO NO KM 225. OS MORADORES TERÃO QUE IR ATÉ PIRATININGA E VOLTAR .
QUEREMOS UMA MARGINAL COM ACESSO A RODOVIA.
H. AIDAR, ZEZINHO MARTA E OUTROS SERÃO BENEFICIADOS E OS MORADORES DE AGUAS VIRTUOSAS?
POIS BEM, SE ESSE VIADUTO INAUGURAR SEM ACESSO AOS MORADORES, TEREMOS QUE TOMAR NOSSAS PROVIDÊNCIAS.

SANDRA CARDOSO - ÁGUAS VIRTUOSAS

Anônimo disse...

Essa terceira foto transmite o que diz o dito popular:paz de cemitério.

Lázaro Carneiro

Anônimo disse...

Parabéns Henrique, pelo belo texto e pelo seu carinho e atenção com as pessoas mais simples e que fazem muita diferença. Reginópolis tem uma enorme gratidão por você. Henrique Perazzi de Aquino é o CARA!!!
Fausto Bergocce

Anônimo disse...

Apoio as palavras de Fausto Bergocce irmão.... belo texto....
Helena Aquino

Anônimo disse...

Esse é o Henrique, sempre enaltecendo as pessoas gosto muito do seu trabalho. Só as minhas fotos não consegui ver. Parabéns por fazer a gente ver tanta coisa bonita neste mundão.
Eliza Carulo

Anônimo disse...

Henrique
Essa você buscou no fundo do baú, ótima.
Martinho Teixeira

Anônimo disse...

Oi Henrique...

tudo bom???
Adorei este "Memória", pois confesso que tenho um querer muito estranho, quero um dia ter oportunidade de fotografar um cemitério. Confesso que achava um pouco bizarra a ideia, mas ao ler seu escrito, fiquei tocada.
Penso que agora vou ter coragem.

beijão, fique bem...

Luíza

Anônimo disse...

Parabens Henrique , voce conhece mais de Reginópolis do que eu que morei muito tempo lá.
HÉLIO MAFFEI