domingo, 13 de outubro de 2013

RELATOS PORTENHOS (08)


BOCADINHO DE MINHA FÉRREA HISTÓRIA E UM MUSEU EM COLÔNIA DE SACRAMENTO, URUGUAI
Sou tarado por museus ferroviários e por onde ande tendo algum, dou meu jeito de visita-los. Já conheci alguns muito bons, outros nem tanto e até aqueles meio largados, descuidados por completo. Essa mania tem tudo a ver com meu genealógico passado entrevado com os trilhos férreos. Meu avô, José Perazzi foi ferroviário da Noroeste, marceneiro dentro dos barracões ali na vila Falcão, onde morou a vida toda. Meu pai, Heleno Cardoso de Aquino também foi ferroviário, mas da Cia Paulista, depois Fepasa, chegando ao cargo de Chefe de Estação. Sua família morou em várias cidades, casas construídas pela cia férrea e meu irmão acabou nascendo em Mineiros do Tietê. Minha queimadura nas costas a me acompanhar desde os 4 anos foi adquirida ali pertinho, numa estação não mais existente, a de Capim Fino, hoje tudo transformado numa plantação dentro da propriedade do ex-prefeito Oswaldo Sbeghen. Anos depois, aos 13 anos fui estudar na Escola Profissionalizante Aurélio Ibiapina, mantida pela Rede e chamada carinhosamente de “escolinha da Rede”. Até o astronauta Marcos Pontes estudou ali, numa época que fazia frente e não passava vergonha nenhum com o Senai. Bons tempos recordações eternas.

Eu até podia ter seguido carreira como ferroviário, no segmento da metalurgia, mas vi que meu negócio não era aquilo. Aqueles prédios todos, imensos e sempre cheios de gente sempre me impressionaram muito, mas vi logo de cara que não era o que queria para minha vida. Sai de lá e fui trabalhar na antiga Fundação Educacional de Bauru, nos seus tempos de vila Falcão e depois na Bradescor, a corretora de seguros do banco do seu Amador Aguiar. Mas a ferrovia nunca mais saiu de dentro de mim, pois tanto na casa do meu avô, nos almoços dominicais, como em casa, o assunto predominante sempre foi a ferrovia. Assunto inesgotável, sempre cheios de muita emoção. Nem em casa, nem na casa dos meus primos ninguém seguiu a profissão férrea, numa época que todos de Bauru, de um jeito ou de outro sempre tiveram laços fortes com a ferrovia. Minha família quebrou o elo aí, mas a paixão permaneceu encravada dentro de mim e nunca me abandonou. Continua pulsando e muito dentro de mim.

Tenho guardado até hoje na casa dos meus pais recordações valiosas dos tempos em que meu avô e pai trabalharam. Rever as fotos é uma viagem das mais inebriantes, pois vem à mente tudo aquilo, aquela atmosfera inebriante que sempre contagiou todos da família. A vila Falcão sempre pulsou ferrovia. E depois, lá pelos meus sete anos, morava na esquina da Julio Prestes com Rio Branco, casa da família da esposa do médico Omar Khouri e de lá saímos para morar na quadra uma da Gustavo, quando meu pai vendeu uma chácara que tinha lá pelos lados da ponte do Cedro e não saiu de perto da ferrovia. Ficou é também mais perto do ribeirão Bauru, local onde mora até hoje. O lugar sofreu transformações, mas a ferrovia continua nos fazendo companhia. Antes com mais sobriedade, com mais imponência, hoje menos, meio que judiada, abandonada e vilipendiada. Eu sou daqueles que reconhece e dá todos os louros do progresso da cidade por causa do famoso entroncamento bauruense. Não existe como negar isso, como renegar, mesmo que alguns insistam nisso.

Nos meus tempos de trabalho em Jaú e Marília ou mesmo vendendo chancelas pelo interior paulista, viajei demais de trem para todos os lados. Tinham horários ótimos que saiam de Bauru logo cedo e voltavam no final do dia. Nem era preciso botar o carro na estrada. Adorava viajar e me sentar nos vagões restaurantes, lugar de grande desconcentração mental. Sonho com esses lugares até hoje. Impossível não se lembrar dos meus tempos de moleque quando ia com meus pais para São Paulo, ida e volta de trem. Tínhamos uma tia que morava em Franco da Rocha, uma linda chácara num lugar com o nome de “Paradinha”. Passei muitas férias ali, todas de trem. A grande briga entre os quatro filhos do seu Heleno e dona Eni era para decidir quem iria ficar na janela. Outra grata lembrança foi de minha mãe que dava aula em Airosa Galvão, hoje Potunduva, ia e voltava todo dia de trem. Fiz esse percurso a acompanhando muitas vezes e quando a ponte era uma bem baixa, quase rente ao rio Tietê. Sabia de cor o nome de todas as cidades daqui até São Paulo, até as menores e tinha muito gosto em ir repetindo que o bilheteiro anunciava a cada chegada de nova estação.

Essas histórias me voltam todas à mente quando começo a escrever algo sobre trilhos. Anos depois vim a trabalhar como Diretor do Patrimônio Cultural na Secretaria Municipal de Cultura e fui cuidar exatamente das questões ferroviárias na cidade, inclusive os museus. Foram quatro anos vividos com muita intensidade junto aos trabalhos do Ferrovia para Todos, os passeios da composição férrea da Maria Fumaça, o Conselho Deliberativo do Museu Ferroviário, o Codepac – Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Bauru, quando restauramos os últimos carros ferroviários circulando hoje no projeto. Peguei um gosto maior por museus, pela sua especificidade e fui me inteirando com afinco do tema. Tudo foi vivido tão intensamente que até hoje me vejo tratando de questões férreas com algum conhecimento de causa. Naquele período visitei muitos museus e instalações férreas Brasil afora. O conhecimento de realidades bem diferentes uma da outra foi consolidando cada vez mais isso do amor pela ferrovia e a defesa dessa causa. Hoje, como membro da Associação de Preservação Ferroviária e de Ferromodelismo de Bauru e região continuo enfurnado nas questões relacionadas aos trilhos.

Escrevi tudo isso por um simples e único motivo. Quando estive com a Ana na Argentina e Uruguai, entre o final de julho último e começo de agosto, um dos locais visitados foi na cidade uruguaia de Colônia de Sacramento, vizinha de Buenos Aires, bastando atravessar o Rio da Prata, quando pegamos um ônibus desses de tour e paramos num dos pontos para conhecer uma antiga praça de touros, prédio imponente, em ruínas, cercado e com impedimento de visitação. Ao lado, algo que logo de cara me chamou muito a atenção, um pequeno, modesto, mas muito bem cuidado Museu Ferroviário. Na verdade uma reconstituição de uma estação, com vários barracões e itens férreos todos colocados naquele local. O trem não passava naquele lugar, mas tudo foi revivido ali com um esmero e cuidado muito grande.
Fiquei encantado e não queria mais ir embora. Fotografei cada cantinho, vasculhei tudo o que me foi permitido. Era uma fria manhã e só nós dois ali no local, daí tudo à nossa disposição. Dentro de um vagão, um belo restaurante e um vinho para esquentar por dentro. Os uruguaios sempre muito atenciosos nos deram explicações de tudo, contaram histórias, mostraram livros e nos permitiram percorrer lugares onde os visitantes nem sempre acabam indo.
Manhãs assim são inebriantes para os amantes por ferrovia. As recordações trazidas são as fotos, algumas delas publicadas aqui junto desse relato. Não quero fazer comparação nenhum com nenhum outro museu, muito menos com o nosso bauruense. Cada um cuida do seu da melhor forma e conveniência possível. Gosto muito do pessoal envolvido com a questão ferroviária dentro do museu bauruense, uns mais envolvidos e verdadeiramente mais apaixonados que outros, mas todos cientes de estarem diante de algo dos mais valorosos. Esse apaixonado texto é mais uma dentre tantas declarações explícitas de amor que costumo fazer regularmente com algo proveniente de temas ferroviários. As fotos dizem tudo, mostram o que meus olhos viram e o que gostaria que outros pudessem também ver. Sempre que posso volto ao tema, conto algo novo, explicito um pouco mais de uma paixão latente e doida, pois é mesmo para chorar comparar o que já foram nossas ferrovias e no que se transformaram. Sei que um dia ela voltará a ser pujante, pois será inevitável o seu retorno como o mais viável meio de transporte para se adentrar as grandes cidades brasileiras. Não haverá outro jeito e quando isso acontecer, poderá até bater naqueles que a fizeram definhar um sentimento de culpa, ressentimento tardio, por algo que poderiam ter feito e não fizeram.

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