quinta-feira, 27 de março de 2014

CHARGES ESCOLHIDAS A DEDO (78)


AS COISAS QUE VEJO DE MINHA JANELA - NAÇÕES COM RODRIGO ROMEIRO
Comecei a bater papo hoje com uma pessoa que vê um mundo dos mais picantes e diferenciados de sua janela, uma visão de quem se debruça no parapeito e observa o que acontece abaixo de seus domínios. Altura das Nações Unidas, quadra 17, esquina com a Rodrigo Romeiro, ali um prédio espelhado e bem na esquina um dos mais tradicionais pontos de prostituição bauruense, hoje dominado pelos travestis. Morando do outro lado da rua, num local privilegiado, que não devo identificar (seria uma casa? Um prédio? Um bangalô? Um quiosque?), uma distinta pessoa permaneceu por alguns anos observando o movimento do local, privilegiada por ótima posição, bem "de frente pro crime", como no samba de Bosco e Blanc. Uma espécie de camarote e quando o sono foge, ou o barulho das ruas invade sua sala, sai para a sacada e presta a atenção na sua origem, movimentos outros e disso tudo um relato contundente sobre uma das esquinas com maior agitação na noite bauruense. Vejam alguns trechos do que consegui salvar da conversa:

“Na solidão noturna do meu quarto procurava a sacada e ali observava as pessoas lá embaixo, isso durante longos anos. A maioria, mesmo acompanhada, pelo ritmo de suas vidas estavam é sozinhas. Sozinhas e a mercê de outras pessoas, umas que usam a exploração humana como meio de vida. Falo de gigolôs e traficantes. Acabei me tornando íntimo de cada um deles, mesmo não estado lá, pois observada cada passo dado. Via tudo, as constantes brigas, o tráfico, o aceito não aceito adentrar um carro, a ida a um local qualquer para satisfazer o desejo reprimido, as idas e vindas, os afetos, tapas e tudo o mais. E não pense que os carros que param ali são populares, nada disso, de cada dez só uns dois são populares. A maioria é carrão. Ali perto, onde antes foi um estacionamento, existe um terreno e ali já aconteceu de tudo. Ficou muito tempo aberto. O entra e sai era constante. O faziam por um buraco lateral e iam ali para sexo, fumar, injetar, traficar, beber e tudo o que se possa fazer num terreno baldio longe dos olhos dos indiscretos. Já vi gente que vinha até de bicicleta, acertava os detalhes com alguém lá na esquina e vinham juntos para o terreno. Até que um dia de tanto os vizinhos reclamarem fecharam os buracos na cerca em volta do terreno e o pessoal foi procurar outros lugares. Termina um e começa outro.

Agora tudo rola num terreno ao lado daquela casa onde é uma sede de um partido político. Mas nada disso é assim tão interessante, pois isso acontece por todo lugar. Isso não é novidade daqui. Essas pessoas todas lá embaixo, percebo que mesmo não querendo, na maioria das vezes são induzidas, conduzidas e acabam entrando no mundo não só do sexo, mas da droga. Deve ser difícil passar uma noite toda ali na esquina, aguentando de tudo, gente de tudo quanto é tipo parando o carro, gente suja, gente limpa. A droga acaba acontecendo e depois chegam os outros problemas, se aproximam as outras pessoas. A vulnerabilidade delas acaba por submetê-los a todo tipo de violência e na noite acontece de tudo. A violência é só uma das facetas da noite por essas ruas. Tinha um casal, o homem era o gigolô da própria esposa. Acho que eram casados, vinham juntos, ele de longe observando ela na esquina. Via ela sair e quando voltava do programa, ele já estava esperando e ficava com o dinheiro dela. Repetia isso a noite toda. Frequentaram parte dessas ruas por muito tempo e sumiram de um dia para outro. Nunca mais os vi. Teve até uma senhora de uns 60 anos, que chegava sempre cedo, por volta das 7h da manhã e ficava abordando os homens esse horário. Hoje se você andar desse pedaço até o Vitória Régia vai encontrar muita gente parada nas esquinas. Aqui dá de tudo.

Se eu pudesse fazer algum tipo de cobrança para as autoridades seria sobre o tráfico. Muitos jovens se perdendo bem cedo, cada vez mais cedo. Muitos não vêm para cá ganhar a vida com a prostituição, mas sim com tráfico. A prostituição sempre existiu, mas o que pega mesmo hoje é o tráfico. Esse é muito cruel, destrói as pessoas. Uma degradação triste de ser presenciada. Não existe nenhum ponto de prostituição ou mesmo de droga aqui na Nações que não existe outras pessoas por trás. Sempre tem alguém tomando conta das meninas lá na esquina. Elas são vigiadas por muitos olhos. O duro é ver que não tem como terminar com isso. De certa forma vou te afirmar algo até triste, mas os moradores até se sentem seguros com a movimentação, pois ninguém que atua dessa forma na rua gosta de ver polícia por perto. Eles fazem de tudo para resolver as pendências lá deles entre eles mesmos e sem a presença da polícia. Eles detestam quando dá polícia. Brigas acontecem a todo instante e de todo tipo. Uma mais feia que a outra. Muitas mortes já ocorreram nesse pedaço, desde travestis, prostitutas e mesmo com gigolôs. Fala-se disso quando do acontecimento, mas depois, passados alguns dias é como se nada estivesse ocorrido, tudo volta ao normal.

O que diminuiu mesmo foram a ação dos aviõezinhos, os meninos que circulavam de bicicleta, pequenas criaturas e ficavam rodando o tempo todo, levando e trazendo. Isso não vejo mais. Vejo daqui de minha janela eles escondendo de tudo e por tudo quanto é lugar. Desde os canteiros da avenida, guias de sarjetas, quintais e jardins, terrenos, buracos em paredes, tudo. Guardam num lugar, depois vão pegando e repassando. A polícia deve saber de tudo, impossível não saber, pois todo mundo sabe e comenta. Quando ela chega faz um estardalhaço e depois de alguns dias tudo volta ao normal. Mas já esteve pior. Uma vez incendiaram até uma casa abandonada, perto do prédio da Encol, esse que não foi concluído e virou outro lugar perigoso. Brigaram lá na casa e colocaram fogo em tudo, devia ter muito lixo lá dentro. Eu vejo tudo, mas é tudo muito distante, não tenho binóculo e não distingo ninguém, são vultos distantes, personagens de um teatro de horror. Vivem como zumbis, chegando quando a noite já desceu, não saberia identificar o rosto de nenhum deles, mas sei o que fazem, vejo fazendo. Teve uma moça lida, copinho bonito, ficou grávida, teve o nenê e menos de dois meses depois já estava de volta. E depois quando já é noitão, cada vez menos gente nas ruas, eles invadem as ruas, fazem sexo nos portões, necessidades. A diferença do cafetão e traficante para o usuário do crack é que esses acham que até nós moradores estamos invadindo o espaço deles. O usuário não tem opção, pede de tudo, comida, pequenas coisas, tudo para vender e consumir a droga. Todo mundo vê isso e isso não é privilégio de minha janela”.

Seu relato foi exatamente assim como o escrevi, vapt-vupt, cuspido de uma só talagada, com veementes pedidos para não deixar pistas de sua identificação. Ninguém gosta de se expor para os perigos debaixo de suas janelas.

2 comentários:

Mafuá do HPA disse...

UM PAPINHO NO FACE DE ONTEM ANTES DOS MOTORES SE AQUECEREM:

Claudinei Costa Henrique vc ainda leciona ???
há 11 horas · Curtir

Henrique Perazzi de Aquino Não, infelizmente, leio muito, me atualizo a todo instante, mas a vida me levou para outros rumos educacionais, como o da prosa e além de um pequeno comércio, atuou como jornalista. Mas não descarto um retorno.
há 11 horas · Curtir · 1

Claudinei Costa Adoro sua MAFUAGEM , vc é tem o dom alegre e carismático , estou virando seu FÃ NOBRE GUERREIRO !!
há 11 horas · Curtir (desfazer) · 1

Henrique Perazzi de Aquino Gracias, precisamos nos conhecer e antes de minha audiência aí na sua cidade, marcada para 15/03, 19h30.

Anônimo disse...

MAIS ALGUNSCOMENTÁRIOS DO FACEBOOK SOBRE ESSE POST:

Ricardo Oliveira "A vida como ela é"...
27 de março às 20:50 · Editado · Curtir


Henrique Perazzi de Aquino Ricardo Oliveira, e bem na esquina do seu local de trabalho, hem?
27 de março às 20:50 · Curtir

Ricardo Oliveira Pois é...e é assim mesmo, HPA! Apareça pra um café, meu Amigo! Abração!
27 de março às 20:55 · Editado · Curtir · 1

Claudia Pinto conheço bem e nem preciso olhar pela janela, ando poucos passos e nem te conto o que vejo...
27 de março às 21:21 · Curtir (desfazer) · 1

Henrique Perazzi de Aquino Eu sei Claudia Pinto, vc já me contou, a quadra de sua casa, perto do Mercedes é um verdadeiro motel a noite, camisinhas mil sendo recolhidas pela manhã. É o pessoal da Nações que sobe em busca de lugar para paziguar seus anseios calóricos.