sábado, 29 de março de 2014

UM LUGAR POR AÍ (49)


MAIS UM INVISÍVEL BAURUENSE, ESSE HOSPITALIZADO, A FRASE DO RENATO POMPEU E O LIBERTY HOTEL
Ontem escrevi aqui da Cláudia, hoje mais um personagem das ruas e sarjetas. Muitos são os que ficam perambulando pelas ruas do centro bauruense, incógnitos, anônimos, sem rosto, sem eira e nem beira. Quase nada sabemos de nenhum deles. Conheço muitos que nos abordam nos sinais, chegam quietos justamente quando paramos o carro, de cabeça baixa pedem algo. A grande maioria é conhecida de todos os motoristas que circulam diariamente pelos semáforos. Muitos viraram uma espécie de clientes, alguns rendem longos papos, mas na imensa maioria das vezes não passam disso, uma rápida conversinha até o sinal fechar. Hoje a carinha de um deles está estampada nos dois jornais.

Esse SENHOR da foto tem nome e sobrenome, mas internado num dos hospitais da cidade, nem ele mesmo soube dizer o seu e com seu rosto estampado nos jornais, talvez o mistério possa ser desvendado: Quem é ele? Onde mora? De onde veio? Para onde vai? Eu, circulando com meu carro, ora subindo a Antonio Alves e ora descendo a Araújo Leite, o via quase que diariamente no cruzamento com a Rodrigues Alves. Chegava com um jeito resignado, meio que envergonhado, na maioria das vezes descalço ou com chinelo de dedo, calça arriada no meio das canelas (algo que sempre notei nele), barba por fazer e pedindo, mão estendida. Fala sempre muito baixa, algo difícil de ser entendido, pedia algum e até praguejava quando da recusa. Renovava constantemente suas vestes, o que, a meu ver era um sinal de que não dormia nas ruas. Nada mais sei dele, nada mais a maioria dos que conversavam com ele deve saber. Hoje ao abrir os dois jornais sua carinha lá estampada e com um recado: “FAMESP tenta chegar a algum conhecido desde que o paciente deu entrada no Base – Um paciente entre 55 e 60 anos está internado desde o dia 19 de maço no Hospital de Base (HB), sem identificação. O paciente não sabe informar seus dados pessoais e nem o de seus familiares. O homem foi para o hospital após ser encontrado na rua desacordado. Qualquer informação deve ser fornecida à assistente social Cláudia Coelho, pelo telefone 31043564 ou pelo email sersocial.hb@famesp.org.br ”. Eu o conheço, mas desconheço tudo dele e da imensa maioria dos que circulam pedindo algo no centro da cidade. Esse SENHOR (na ausência do seu nome, prefiro o chamar dessa forma) é um dos tantos invisíveis de Bauru.

A FRASE DO POMPEU É DE UMA PRECISÃO CIRÚRGICA - RENATO POMPEU era um jornalista como poucos, desses que praticamente não existem mais, dinossauros em extinção. Estava meio que marginalizado nos últimos tempos por causa de seu texto ácido, agudo e preciso, sem espaço nas publicações atuais e encontrando um pouco seguro num texto mensal de página inteira para a Caros Amigos (algo também em Carta Capital e Retratos do Brasil). Lá escrevia o que queria e como queria. Um primor que merece ser transformado em livro. Seu blog, outra preciosidade: http://renatopompeu.blogspot.com.br/. Bonachão, mas cheio de problemas por causa dessa inconstância da profissão, teve um piriquipaque e faleceu meses atrás. Leia isso: http://www.carosamigos.com.br/index.php/cotidiano/3879-morre-o-jornalista-renato-pompeu. Uma perda irreparável para o jornalismo e por um único motivo: não existem mais peças de reposição disponíveis no mercado com a mesma verve. Quer dizer, o time daqui para frente jogará com um jogador a menos, talvez fazendo uso de um reserva que não supra as deficiências do time. A revista em sua edição de março, nº 204 publica uma homenagem a ele na sua habitual página, com um texto escrito pelo historiador e diretor da Caros, o Wagner Nabuco e no título uma de suas frases mais significativas sobre o jornalismo nos tempos atuais: “NO BRASIL, FAZER UM BOM JORNALISMO JÁ É SER DE ESQUERDA”. Sim, diante de tudo o que vemos sendo publicado, a forma como, quem ainda consegue publicar como antigamente é considerado de esquerda, mesmo que muitos não o sejam. Não achei o texto dele disponibilizado num link para leitura e, dessa forma, os que quiserem ler o texto terão que dirigir-se à banca mais próxima e comprar um exemplar. Vale totalmente a pena.

EU, JANGO GOULART E O HOTEL LIBERTY EM BUENOS AIRES – Gosto de certas coincidências na vida. Hoje fico sabendo de uma comigo. Lendo a última edição da Revista do Brasil (www.redebrasilatual.com.br), março 2014, nº 93, entrevista com JOÃO VICENTE, filho do ex-presidente JOÃO GOULART, com o título “Histórias Mal Contadas”, texto de Vitor Nuzzi, sobre os cinquenta anos depois do golpe e como Jango até hoje ainda representa um enigma político. “Sua morte no exílio alimentou mistérios. Para João Vicente, investigar é uma obrigação para o país”. O texto é muito bom, mas não é disso que quero escrever. Quero falar de algo onde estive presente e Jango também, o Hotel Liberty na capital argentina. Como já é sabido, quando Jango saiu para o exílio passou alguns meses em Buenos Aires e ali hospedou-se o tempo todo no Hotel Liberty. Veja o trecho narrado pelo filho: “Fomos morar na Argentina em 1973. Fomos morar primeiro no hotel Liberty, antes de alugar um apartamento, tínhamos alguns amigos. O senador (Zelmar) Miquelini, o deputado (Héctor) Gutiérrez Ruiz, que foram sequestrados e mortos (em 1976, em Buenos Aires), se reuniam com o pai lá. A gente já sabia que havia agentes... (...) às vezes, ele (Jango) ia lá no Liberty tomar um uísque, e quando a gente estaciona o porteiro normalmente vai lá abrir a porta do carro. Quando nós chegávamos, o porteiro saia disparado, porque o carro podia explodir. (...) Quando o pai foi para a Europa, tinha lá em Paris os amigos que mandavam remessas de remédios de nova geração. Mandavam por via aérea para o Liberty. Ali que ele se reunia. Ele conhecia todo mundo. O endereço do contato era ali. As reuniões com exilados muitas vezes também eram realizadas no hall desse hotel. E foi aí que, segundo o Neira Barreiro, eles trocaram um comprimido”.

Vou com a Ana todo mês de julho (fui nos últimos quatro anos) acompanhando ela num congresso anual de Design. Ela no Congresso, eu nas ruas. Por três anos ficamos no Liberty, um que caiu no nosso colo totalmente por acaso. Era para ficarmos num em frente, chegamos e era horrível, olhamos para o outro lado da rua e Ana resolveu tudo. Hoje não ficamos mais lá, achamos outro mais barato e mais perto do movimento da Corrientes, do lado de cima do obelisco. O Liberty (http://www.liberty-hotel.com.ar/) fica do lado de baixo, mais precisamente na Corrientes 632, possui um bom serviço, atendimento idem, já conhecíamos até o pessoal do serviço, mas mudamos. Hoje ao ler o texto na revista me bateu aquilo que sempre bate nessas situações: Terei eu ficado num mesmo apartamento que Jango? No halll com certeza e no mesmo lugar de algumas de suas clandestinas reuniões. O hotel não deve ter mudado muito de lá para cá. Tradicional, o que mudou, com certeza foi o procedimento que antes tinham com um governo militar e duro ao extremo e hoje com um liberal. Triste saber que foi lá que trocaram os medicamentos de Jango. Se voltar esse ano para lá já penso numa bela pauta para uma matéria, as lembranças de Jango com alguém do hotel (o gerente está lá faz décadas) e talvez até ver os registros do ex-presidente na sua estadia. Vejam isso: http://www.liberty-hotel.com.ar/portugues/ubicacion.htm#. Não vejo a hora.

Um comentário:

Anônimo disse...

"Essa é uma parcela da realidade social invisível/visível que muitos não querem enxergar. Não podemos deixar de nos indignarmos com tanta desigualdade social, pois é a indignação que vai nos mover a lutar por uma nova ordem societária com condições dignas de sobrevivência. Bjs primão."
Célia Maria Grandini Albiero - a prima de Palmas TO