quarta-feira, 7 de maio de 2014

FRASES (118)


“GETULIO, O FILME” E UM ABAJUR DO SEU MAIOR PERSEGUIDOR, CARLOS LACERDA HOJE AO MEU LADO


Quem tem um amor carioca vive a cada dia a real possibilidade de estar diante de novidades em sua vida, uma nova surpresa a cada virada de esquina. Eu vivo assim e quando vou me deitar, Ana já dormindo ao meu lado, acendo um abajur para não incomodá-la. Daí ela dia desses me informa sobre a origem da peça. Sua tia carioca, adoradora contumaz do ex-governador Carlos Lacerda arrematou algumas peças pessoais dele num leilão lá no Rio e dentre elas, uma que havia ficado com o pai de Ana até seu falecimento, o tal abajur. Quando compraram foi-lhes informado ser objeto pessoal da residência do político. Hoje a peça repousa justamente do meu lado da cama e faço dela uso regular. Um abajur do "corvo", quem diria!

Impossível não pensar muito no que representou o incendiário Carlos Lacerda no cenário nacional quando ontem fui assistir ao filme GETULIO (ótimo, por sinal), do cineasta João Jardim, com a história dos últimos dezesseis dias na vida do ex-presidente Getúlio Vargas no ano de 1954, desde o atentado ao Lacerda, o que culminou com a morte do major Vaz da Aeronáutica, os ataques todos desferidos pela oposição, sempre encabeçada por Lacerda, até a prisão do principal segurança do presidente, o negro Gregório, que fez tudo para proteger seu chefe, porém sem o seu conhecimento, tudo culminando no suicídio de Vargas, exatos dez anos antes do golpe militar. Aquilo tudo que já havía estudado com afinco na leitura incessante de livros (um tema que sempre me interessou), voltou à mente com a cena e a participação de cada um dos seus participantes. Tony Ramos está muito bem no papel de Getulio, bons atores no filme e um cenário impecável, o próprio Palácio do Catete e o prédio onde Lacerda morava, na famosa rua Toneleros, em Copacabana. Sai do filme com um rapaz ao meu lado me perguntando: “A falcatrua descoberta nos arquivos do Gregório pouco difere das de hoje, não? Ou melhor, hoje aumentou e muito”, foram suas palavras.

Daí voltei para casa, Ana já dormia, acendi o tal abajur e reli de cabo a rabo uma matéria na última Piauí (edição de abril 2014), O TRIBUNO DA IMPRENSA, texto do Otavio Frias Filhos (toc toc toc), capo da Folha SP. Separei algumas frases sobre Lacerda e como atuava policitacamente:
- “Sua campanha... definiu o que seria um padrão: o martelar diário de denúncias de corrupção expressas na mais in juriosa violência”.
- “Foi (Samuel) Wainer quem o apelidou de ‘O Corvo’, em maio de 1954, ao vê-lo de terno e gravata pretos, os óculos espessos faiscando sobre o perfil agudo de ave, compungido no enterro de um repórter assassinado por policiais...”.
- “Ninguém é golpista sem apresentar uma justificativa qualquer; para Lacerda, caso raro de político dotado de aptidões intelectuais, ela se expandiu numa alaborada narrativa, como está na moda dizer, sobre o Brasil moderno”.
- “O poder pessoal, Lacerda disse, ‘é como um pêndulo que oscila indiferentemente entre a esquerda e a direita, contanto que nesse movimento trabalhe para a engrenagem que está por detrás do relógio’. (...) Sua engrenagem se compõem de duas partes. De um lado, ‘uma casta de incapazes e desonestos, profissionais da demagogia’, que articula o apoio político à camarilha governante e azeita relações com os empresários favorecidos. De outro, um braço trabalhista que comanda os fundos sindicais e manipula o movimento operário, mantendo-o sob rédea curta”.
- “Todo esse aparato se apoia na ignorância da massa popular, mantida na escuridão por falta de esclarecimento e escola, sempre crédula perante a autoridade patriarcal e grata às concessões demagógicas que esta lhe dispensa como migalhas caídas do banquete. Somente a educação abriria os olhos do povo e o tornaria cônscio dos seus direitos”.
- “Sobre Lacerda, aliás, o taciturno ditador português Antônio Salazar teria dito: ‘Terá o poder, se souber calar’”.
- “Durante inamistosa coletiva de imprensa em Paris disse, numa piada hoje anacrônica, que no Brasil as revoluções eram como os casamentos na França, sem derramamento de sangue”.
- “ Se Lacerda é um democrata obrigado a se tornar golpista, Brutus (dito o mais virtuoso dos romanos) é um homem justo obrigado a sujar as mãos no crime”.
- “Lacerda era possuído demais pela impaciência, atraído demais pelo ativismo, afoito demais no recurso a efeitos retóricos para se entregar seriamente ao trabalho ficcional”.
- “...o jornalismo, profissão que o celebrizou, era pouco mais que um instrumento a serviço da paixão política. (...) Wainer usou a política para atingir seus propósitos jornalísticos, ao passo que Lacerda fez o contrário. (...) Sua presença de espírito era fulminante, e seus insultos, impidedosos. (...) Lacerda era mestre numa arte que não pode mais ser apreciada na medida em que também desapareceu – a oratória pública, substituída pela padronização publicitária e pelos improvisos disparatados”.
- “Como tantos estadistas, era escravizado pela necessidade narcísica de liderar a multidão a fim de realizar obras que lhe valessem a estima pública. (...) “Sou dos que querem tudo”. (...) “Depois que se provou o poder, só o poder interessa”, disse certa vez”.
- “...o termo lacerdismo, que resume um moralismo seletivo, praticado contra os adversários do momento, sobretudo na forma de campanhas jornalísticas devastadoras, baseadas em indícios frágeis e conclusões precipitadas”.

- “O que de melhor sobrevive dele foi haver encarnado, em tantos episódios de sua vida transbordante, um inconformismo essencial e uma altiveza de espírito que percorrem também a crônica de seu avô e seu pai, como a transmissão de um impulso intermitente, às vezes errôneo, às vezes inspirador, a empurrar as gerações e os países”.


Lacerda não difere NADA de muito do que se vê ocorrendo hoje em dia nos bastidores da política. Um grupo de poder fazendo de tudo e mais um pouco para tirar o que lá está. Tudo para voltarem ao mesmo poder como salvadores da pátria, impolutos do pau oco, pois na verdade, talvez sejam piores do que tudo o que enxergam nos seus adversários. Disputas de gente afiada hoje com o que dita o mercado, tempos sombrios para o mundo, muito neoliberal e pouco social. A disputa de ontem, entre oratórias e falácias é a mesma de hoje, guardadas as devidas proporções. “Getulio, o filme" escancara isso, a intimidade dos bastidores é muito mais cruel do que a realidade que tentam aparentar. Sai com isso meio que entalado na garganta e nem a luz do abajur lacerdista ao meu lado me ajudou a clarear a névoa causada por não vislumbrar algo de novo em tudo o que aí está se apresentando como alternativa para a eleição desse ano no país. Como tem "corvos" no cenário político atual.

2 comentários:

Anônimo disse...

Henrique dorme com Carlos Lacerda... af ! heranças de papai... e, que fique claro, papi Zé Pereira não era lacerdista. mas era aficcionado por peças de leilão na decoração de sua casa. o bendito abat jour foi escolhido por minha tia tem mais de 20 anos e funciona muito bem ! só não é lilás... né
Ana Bia Andrade

Anônimo disse...

Caro Henrique aqui em Jau o povo jura de pés juntos que odiavam Getulio Vargas. Parece que Carlos Lacerda fez escola por aqui, tamanha semelhança, custo a acreditar que não seja mera coincidência. Oportunissimo texto.
Fernando Tobgyal