terça-feira, 20 de janeiro de 2015

CARTAS (134) e FRASES DE UM LIVRO LIDO (87)


DE COMO UMA REUNIÃO DE BOÊMIOS PODE AJUDAR UMA CIDADE*


* texto desse HPA publicado hoje como editorial, página 2, Opinião, Jornal da Cidade, Bauru SP:

A vida do ex-presidente Getúlio Vargas sempre muito me interessou. Algo novo saindo sobre ele, procuro ler com a devida atenção. Dois últimos livros foram publicados: biografias escritas por Lira Neto, o Getúlio 1882-1930 - Dos Anos de Formação à Conquista do Poder e Getúlio 1930 - 1945 - Do Governo Provisório à Ditadura do Estado Novo. Editados pela Cia das Letras são um tanto enfadonhos, cheios de muitos dados e datas, poucas análises. Aproveitei pouco, mas algo me chamou muito a atenção neste segundo livro. Trata de um grupo de intelectuais contratados pelo presidente em 1951 para pensar a modernização do País. Uma espécie de assessoria econômica. Pouco conhecimento tinha do assunto. 

Foi um grupo e tanto! Pequeno. Formado por quatro pessoas. Quatro bastiões, todos um tanto anônimos no estabelecido cenário de declarada guerra contra o presidente, período até sua morte, em 1954. Quer queiramos ou não, Getúlio Vargas foi um visionário. Tinha em mente uma frente de trabalho, baseada num tripé: o aceleramento da industrialização, o fortalecimento do Estado e a defesa da independência nacional. Pensando grande, buscou gente qualificada para dar a sustentação no que tinha em mente. Todos tinham idade entre 30 e 40 anos, e foram levados para dentro do Palácio do Catete e colocados para jambrar, trilhando um trabalho baseado no sentimento nacionalista, inclusive no que dizia respeito à América Latina.

A leitura destes livros não me esclareceu o que mais queria saber: a respeito de como atuavam, quem eram de fato e quais foram os resultados práticos. Dias atrás descobri um novo livro: Os Boêmios Cívicos - A Assessoria Econômico-Política de Vargas (1951-1954). São 12 textos organizados por Marcos Costa Lima. Viajei na maionese e me segurei firmemente onde estava para não ter um surto saudosista. Cito o nome dos integrantes do quarteto inicial. Era formado pelo baiano Rômulo Almeida, nomeado chefe do grupo, o maranhense Ignácio Rangel, o paraibano Cleanto de Paiva Leite e o cearense Jesus Soares Pereira. Getúlio os chamou de “boêmios cívicos” ao observar uma luz acesa madrugada adentro numa das salas do Palácio, horário preferido para as incessantes reuniões do grupo.

A lindeza do agrupamento foi que, com as ideias ali emanadas, surgiram feitos grandiosos. O fortalecimento da Petrobras, do BNDES, os sistemas de crédito do Banco do Nordeste e do Brasil, além de embriões de variados organismos de Estado. Também a ideia da Eletrobras e a Comissão Nacional de Energia Nuclear. Ou seja, ali existia gente pensando e colocando em prática o tal do planejamento a longo prazo. Foram boicotados, usurpados, vilipendiados, quase massacrados. Mas resistiram e estiveram com Getúlio até o fim. Quer contribuição maior para a construção do Estado brasileiro moderno? Muito do que temos aí até hoje nasceu ali. O que esse quarteto fez foi algo divinal dentro da história dos anônimos brasileiros, os tantos que não tiveram seus nomes registrados como protagonistas. Adorei conhecê-los e faço questão de divulgar isso como fato mais do que relevante.



Daí, nesses últimos parágrafos venho de lá para a Bauru de hoje. Quando tivemos algo parecido em Bauru? Antecipo a resposta: Nunca! Imagine a belezura que seria um prefeito tentar fazer o mesmo dentro de sua administração. Constituir um grupo de notáveis e deixá-los à vontade para pensar e repensar essa cidade. 

Muito já se falou nisso, mas nunca nada existiu de fato. Teriam de ser verdadeiramente notáveis e não algo baseado em escolhas políticas, como se faz com um secretariado, por exemplo. Essa cidade merece ser pensada e planejada com esmero. Algo totalmente inovador. Merece ser construída com a argamassa de gente desprendida de interesses. Ganharíamos todos. 

Falta um prefeito instituir algo assim, comprar a briga dos contrários, sentar junto deles com certa regularidade e ir mudando os rumos de Bauru. Eis uma ideia para algo realmente transformador. Nem precisariam ser boêmios, mas se o fossem, melhor ainda. Rodrigo, atual prefeito bauruense precisa ler esse livro.

3 comentários:

Anônimo disse...

Você tem que fazer a análise com a conjuntura mundial da época. A industrialização era algo crescente necessário no mundo em disputa, porém, Industrialização é uma coisa e produção é outra, o Getúlio favoreceu uma classe parasitária industrial que nunca teve grande produção, e nisso vc está certo, colhemos os frutos até hoje, e temos essa merda de nação colonial que favorece essa classe e a ascensão das multi-nacionais que sem regulamentação de lucro e produção, fazem a festa.

O Brasil nunca foi um grande produtor, e novamente, o Getúlio tem a sua parte nesta merda toda, em qualquer regime, se você não tem produção, deságua neste sufocamento absurdo dos trabalhadores, inflação, tudo para favorecer os parasitas de sempre, vai faltar pires colega.

Quanto ao setor elétrico, Petrobrás e etc. novamente digo, não é porque o Getúlio era um visionário, isso já chegava tarde no Brasil e as relações externas levavam a isso. O Vargas sempre esteve, naquele momento da história, do lado errado do conflito.

Nem de longe dele ser esse estadista que tentam nos fazer engolir hoje, e essa de hoje prefeito montar um grupo "pensante" na cidade, sendo que nem boêmios temos e sim baladeiros, vendo o que anda por aí, caro colega, não dê essas ideias, porque de grupos, a administração pública já está cheia e coisa boa não é.

Camarada Insurgente Marcos

Henrique disse...

Marcos
É exatamente buscar pessoas descomprometidas com o processo vigente, como os quatro que Getulio astutamente buscou em redutos que não eram os seus. Eles existem sim, basta buscar, talvez esquecidos, mas continuam pensantes e muito bons observadores. Poderia citar uns dez assim de bate pronto nessas condições e para apimentar o grupo de grandes sacadas para a cidade, acho que tu poderia ser incluido. As propostas seriam as mais instigantes que essa cidade já ousou sacar.

henrique - direto do mafuá

Anônimo disse...

Que o Vargas era astuto sem dúvida, o problema é quem ele beneficiou com suas medidas.

Quanto ao grupo para o prefeito, cara meu, precisamos encarar a realidade, jamais será interesse do prefeito um grupo para pensar o município, ele não age com descomprometidos e sim com os comprometidos até o rabo, e infelizmente o problema para se juntar pessoas não é a falta de boas intenções, tem muita gente assim por aí, mas algo que percebi ao longo do tempo é a falta de um aprofundamento técnico para se debater as coisas, com o advento dessas redes então, fodeu.

Sua lista de bate-pronto, imagino coisas ótimas como o mestre Paulo Neves, o mestre Silvio Selva, o professor Silvio Durante, mas confesso que outros nomes que vc poderá citar dá até medo imaginar.

Camarada Insurgente Marcos