O QUE FAZER EM BAURU E NAS REDONDEZAS (56)

A SAPAIADA É TUDO DE BOM, COMUNIDADE NA ACEPÇÃO DA PALAVRA

Tem quem diga representar a “comunidade” em tudo o que faz, mas poucos de fato a representam. Isso em variados segmentos. O Carnaval só mais um deles. Esse negócio de pés no chão, ação fincada com funda raiz nas coisas do seu bairro, isso é mais do que difícil. Eu sou um amante de Carnaval, mesmo sem entendê-lo de fato como o deveria. Gosto de ir desbravando experiências, vendo uma e outra, juntando as coisas e a cada dia, quando achava que nada mais me espantaria, eis o algo novo. Sempre existe um algo novo. Ontem à noite vivenciei mais um capítulo desse algo novo. Foi lá na quadra da hoje extinta Mocidade Alegre de Vila Falcão, no caminho que vai da Bela Vista para o Vila Falcão, logo após a passagem dos trilhos férreos. O barracão foi levantado há décadas e foi mantido aos trancos e barrancos, com pouco esmero e muito desleixo. O cenário até bem pouco tempo era de pura desolação, mas algo novo viceja por lá. Fui conferir.

Quem o ocupa no momento e quiçá para todo o sempre é o Bloco Carnavalesco IMPÉRIO DA LAGOA DO SAPO, algo ainda não muito bem entendido por essa cidade. Nasceu ali nas barrancas dos trilhos, gravitando entre a vila Falcão e a comunidade (favela é um tanto forte demais, não?) de São Manuel. Quantas histórias já não se sucederam ali. Desde enchentes variadas, desalojamentos, desapropriações, intempéries com as forças policiais e algo mais. Até hoje quem passa de carro ali na sua beirada fica mais atento a tudo à sua volta, como se o perigo ali residisse. Não é para tanto. Periferia é periferia e ali, como em todas as outras, o retrato do abandono e do descaso. Talvez ali mais acentuado, pois a maior parte daquela área ainda não foi totalmente aceita como área apropriada para moradias. Mas ali as moradas nunca deixaram de se fazer presentes. E ali vive uma população que muitos marginalizam mais do que outras. Estigmatizados, seu padecimento é duplicado. E qual o lazer desse pessoal todo? Quase nenhum. Nessa época do ano um agrupamento festivo e festeiro preenche o papel antes reservado ao poder público.

Muitos dos moradores da São Manuel estão inseridos de corpo e alma no bloco Lagoa do Sapo. Não sei como o fato se deu, mas algo foi sentido por todos e a reciprocidade é evidente. Existe um elo de ligação muito forte entre a comunidade daquela região carente e a sua agremiação carnavalesca e festiva. Eles falam a mesma língua, professam dos mesmo anseios e daí um faz parte do outro. São unha e carne. Quando adentrei o barracão deles ontem à noite senti isso pairando no ar. A comunidade estava ali, se fazia presente e estava alegre, radiante, fazendo o que gosta e dando o melhor de si nisso. Pode ser que esteja enganado, mas não senti até agora nenhuma outra pura manifestação de integração ode alguma atividade cultural de uma comunidade com o seu bairro como vejo entre os sapeiros, se assim os possa denominar.

A sapaiada é tudo de bom e para quem torce o pescoço para eles, acredito que isso ocorra porque ainda não o conhecem de fato. O lugar é simpático, pois respira e transpira o povo que ali mora. A bateria do bloco é algo para tese e amplos estudos. É disso que temos mais falta, ou, é disso que precisamos. E o “isso” ali ocorre e na sua plenitude. Eles batem muito bem, a percussão é poderosa e o carinho deles todos para com os instrumentos é outra coisa. Não existe problemas nas rodas de samba ali realizadas. Quem ali vai, o faz para festar e tentar ser feliz por alguns momentos. E a doação que cada um dá para que isso ocorra é o encantador do lugar. Ontem foi a escolha da Rainha do Bloco e quem ganhou, uma sambista do pedaço, a Sandra, esbanjando simpatia e irradiando alegria por todos os poros. Que dizer do Donizete Campos, até então disputado sambista, que hoje, resolveu ter dedicação exclusiva ao bloco. O mesmo posso dizer do Carlos Eduardo, o Du, presidente, vivenciando a comunidade com esmero e uma denotada atenção.

O samba rola solto, gostoso e mais que isso, muito saboroso. Dá gosto ver aquele pessoal batucando. Na simplicidade deles todos, executam o principal, sambam de verdade. Dão um exemplo para todos os demais. É possível unir as comunidades em torno de algo beneficiando a si mesmas. Isso é evidente por lá. O samba de lá já causa inveja e não deveria exercer esse sentimento cidade afora. Deveria é servir de exemplo, onde outros buscassem saber dos motivos de lá estar dando tão certo esse envolvimento popular e em outros não tanto. Eu vi ali muitos da vila Falcão integrado ali. No próprio refrão do samba desse ano, essa vila é exaltada aos píncaros da glória. E o bloco promove uma união em torno dos trilhos, a sapaiada do brejo ali existente são eles próprios festando alegremente o seu lugar. E como é salutar observar uma comunidade não importar nada quando versam sobre seu lugar, mas valorizando muito o seu reduto. A sapaiada sabe o que está fazendo e que outros façam o mesmo. Busquem a saída em si mesmos, pois o algo bom e novo muitas vezes não está fora, mas ali mesmo. Eles sacaram a coisa e estão se sobressaindo e causando até certa inveja.

Tudo o que vi ali é feito para a comunidade. Até no preço da cerveja, R$ 3 reais a lata, a acessibilidade para todos. Os portões estão abertos para tudo e todos. As camisetas esgotaram e um novo lote está sendo confeccionado. O samba é cantado por todos, decorado aos poucos seguindo a batida de uma percussão cheia de ritmo e cadência. A Prefeitura precisa definir a sessão definitiva do barracão, o prefeito precisa ir lá num dos ensaios e ver in loco o que é uma festa verdadeiramente popular. Povo satisfeito, povo feliz, povo alegre, festando e daí dando o melhor de si para que sua comunidade faça o bem feito e mostre aos demais que ela também sabe fazer. O pessoal do Sapo me encantou. Conheci muita gente bonita ser ser vista e entendida, fiquei encantado com o casal criado pela rainha e um sambista de mão cheia, o cabelereiro Márcio Kabel, que saiu lá do Beija Flor para se integrar ao grupo, tudo por amor ao samba, sem exclusões, decepções e outras alusões. Ali o samba flui e acontece. O grupo do Sapo é vitorioso no nascedouro e isso tem um nome, trabalho, dedicação e valorização da comunidade. Vi isso ali e queria muito ver o mesmo espalhado por todos os blocos e escolas de samba bauruenses. O samba existe e um dos lugares onde é praticado na essência é ali junto da sapaiada. Quem aparece por lá, quando vai embora fica com aquele sentimento de quero mais bem a flor da pele. Escrevo isso tudo sob essa nítida influência. Mais povo impossível. Viva o Sapo!