QUATRO HISTÓRIAS ESCRITAS NOS ÚLTIMOS DIAS
1.) O SORTUDO ERASMO MORA HÁ CINCO QUADRAS DO SEU SERVIÇO
Algo cada vez mais raro é o trabalhador conseguir o feito de residir perto do seu local de trabalho. Nas cidades médias e nas grandes o padecimento desses enfrentando longas e penosas horas, tanto para ir como para voltar é mais do que um problema. O contrário também existe, mas é quase uma rara exceção. Exceção também são as pessoas que continuam residindo nos centros velhos das cidades. Na maioria das vezes o centro comercial é muito movimentado durante o dia e um tanto abandonado à noite. Conto hoje a história de um trabalhador que consegue usufruir dessas duas benesses ao mesmo tempo.
ERASMO BENEDITO DE FREITAS, 60 anos, possui um considerado porte físico e em nada aparenta a idade que tem. Forte, alto e de alguns anos para cá, passando a navalha na raiz dos cabelos é um assumido careca. E assim ninguém fica sabendo de sua calvície. Vigia há 26 anos da Prefeitura Municipal de Bauru, atua junto à Secretaria de Cultura, no Centro Cultural das Nações há pelos menos 13 anos. Antes atuou por 6 anos na DTI e outro tempo no Almoxarifado. Antes de fixar-se onde atua hoje ia sendo convocado à moda picadinho, aqui e ali, mas hoje está feliz da vida. Mora ali perto, justamente na avenida mais movimentada da cidade, a Rodrigues Alves, em sua quadra 9, entre a Gustavo Maciel e a Rio Branco, exatas cinco quadras do trabalho. Um privilégio conquistado 11 anos atrás. Sente-se bem no lugar, prédio antigo, aluguel “maneiro” e tudo facilitado. Daí um dos motivos de Erasmo, mesmo fazendo cara de mau quando necessário é um bonachão, sorriso largo e atuando no balcão, portaria do teatro, alguém sempre de bem com a vida e com a informação na ponta da língua. Até quando posa para a foto, esboçando uma cara amarrada, para quem o conhece, sabe muito bem ser ele uma pessoa de fino trato.
2.) PIRICA BATE NAS ONZE PARA CONTINUAR NARRANDO JOGOS Existem pessoas que são a própria expressão da resistência em seus ofícios. Esse aqui hoje retratado um deles. Uma tristeza quando até bem pouco tempo íamos acompanhando sua luta para poder conseguir voltar ao mercado de trabalho e atuar, fazer o que sempre fez a vida toda. Para muitos, com a chegada da idade, tudo acaba ficando mais e mais complicado, as portas começam a se fechar com mais facilidade e as dificuldades se ampliam. Vê-lo atuando, mesmo que ainda de forma insipiente é daqueles raros prazeres, onde constatamos que, sempre existirá uma brecha por onde possamos nos enfiar e fazer valer todo o cabedal de conhecimento arrebanhado ao longo da vida.
NILTON DE OLIVEIRA pode não ser uma pessoa assim conhecida pelo pessoal de Bauru, mas quando se fala em PIRICA, daí a cidade inteira passa a saber de quem se trata. Esse homem dos estertores dos meios de comunicação da cidade já jogou em quase todas as posições dentro de uma equipe esportiva. No rádio, tendo começado muito cedo, já fez de tudo e nas narrações esportivas já foi desde repórter, comentarista e hoje, atua como narrador dos famosos jogos internos do BTC, que a TV Preve transmite aos finais de semana. Ali é uma espécie de faz tudo. Com sua inconfundível voz e picardia, faz dos jogos um local saboroso para bate papo e muita informação. Pirica não é um reclamão, mas põe acertadamente a boca no trombone quando diante da situação atual das comunicações em Bauru, com espaços cada vez mais reduzidos. Um lutador, tendo suado muito a camisa para poder continuar atuando no mercado. Inegável o seu conhecimento no metiê. Um da velha guarda, desses que todos os novos deveriam se curvar em respeito por tudo onde já esteve metido ao longo das últimas décadas.
3.) DIRETOR JURANDIR E A SAUDADES DOS SEUS TEMPOS NO JARDIM PAGANI Estava nessa manhã no mercadinho mais simpático da região onde moro, a Casa do Arroz e por lá sempre trombo com figuras das mais simpáticas do cenário bauruense. Saudades das trombadas que dava continuamente com Isaias Daiben, que tão cedo nos deixou. Milton Dota, o velho bardo da esquerda bauruense é outro sempre nas bancas de verduras e frutas. Outro dia uma senhora me aborda e diz: “Leio o que você escreve”. E não a conhecia, hoje somos amigos de escolher alface juntos. Velhos e velhas conhecidas são trombadas mais do que eventuais nos corredores de quem, como eu, não gosta muito de mercados agitados e cheios de salamaleques. A marca mais do que pessoal da Casa do Arroz é isso de conseguir conciliar a simplicidade, com algo à moda antiga, mais modesto e cheio de muito calor humano. Hoje revi um velho professor por lá e dele nasceu esse texto.
JOSÉ JURANDIR GONÇALVES é a austeridade em pessoa. Aparenta isso, mas não é tudo isso não. Ele é um senhor de fino trato. Foi professor na escola pública e quando se aposentou ostentava o cargo de diretor de escola, na EE Antonio Guedes de Azevedo, no jardim Pagani. Muito antes disso, também foi diretor noturno no antigo e falecido La Salle, ali junto a praça da igreja Aparecida. Linha dita como dura, Jurandir não era um sujeito feroz (continua não sendo). O que sempre fez foi não fugir de suas responsabilidades, seguir um padrão de comportamento, o que tinha convicção ser o mais adequado para o sistema educacional que acredita. Dos seus tempos de Pagani, inesquecível o zelo que aquela escola tinha pela iniciação musical de seus alunos, com exclusivo acompanhamento nesse setor (será que ainda está funcionando?). Ele sempre morou num inusitado lugar, na divisa entre a Quinta da Bela Olinda, começando ali no portal junto do Raphael Maurício. Quando o mesmo não deu certo, não saiu dali. Foi obrigado a gradear todo, mas sua casa continua sem muros, resistindo. Jurandir continua solteiro, fazendo de sua vida um instrumento da Educação. Hoje no IESB e em Agudos, com a mesma postura, camisa social e gravata na indumentária. Bom de conversar.
4.) SEU ANTONIO INOVOU COM OS LPS ENCALHADOS EM SUA BANCA Eu sou um eterno fuçador do centro dessa e de muitas outras cidades. Quando não debilitado, como nessa semana, bato muita perna e nas andanças sempre vou conhecendo gente e mais gente. Esse retratado aqui hoje é um velho conhecido, um desses vendedores de pequenas bancas com mais tempo de uma aberta no mesmo lugar e vendendo sempre os mesmos produtos. Difícil quem não o conheça em Bauru. Muito dele já foi falado, escrito e até na televisão já apareceu por várias vezes. Quando a coisa deu aquela apertada, como nesses últimos tempos, botou a caraminhola para funcionar e buscou inovar. Criou dentro de um segmento do qual já vendia um algo novo e dele vai extraindo mais um bocadinho para a sua subsistência. Vamos conhecer a mais nova história saída de sua imaginação.
ANTONIO ALVES BARBOSA FILHO, 64 anos não é daqui não. Coisa de 24 anos atrás saiu lá de sua Niterói, estado do Rio, cansado de dar murro em ponta de faca com a profissão de caminhoneiro e convidado pela irmã, que aqui já morava, veio de mala e cuia, com seis filhos muito novos na algibeira. Até tentou continuar sendo caminhoneiro, mas percebendo que a injustiça aqui era pior que lá na sua terra, resolveu criar ele mesmo o seu próprio emprego. Arrebatou das mãos de um dos mais famosos donos de sebos da cidade, sr João Vieira a barraca no meio da quadra cinco da rua Agenor Meira, quase em frente ao Hotel Cidade de Bauru. A barraca sempre foi pequena para expor os LPs que vendia e os espalhava pela calçada. Toda a renda para manter sua família saia da banca e até pouco tempo um dos filhos lhe ajudava, mas agora empregado, não mais. Ele continua por ali, vendendo LPS, CDs gravados por ele mesmo a R$ 10 reais cada, reproduções de VHS para CD e quando o comércio deu aquela definhada pensou em algo novo. Juntou os LPs que não saiam de jeito nenhum, bolou um visual variado e está vendendo algo feito por ele mesmo, os relógios com formato de LPs. Tem até história para contar. Outro dia foi visitar os parentes no Rio e levou 30, parou lá na famosa feira de sábado na Praça XV, centro do Rio e vendeu tudo rapidinho. E assim ele segue a vida, “devagarinho vou indo, tocando meu barco e sempre aqui no mesmo lugar”, me diz.
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