terça-feira, 25 de outubro de 2016

OS QUE FAZEM FALTA e OS QUE SOBRARAM (92)


AOS QUE LEVANTAM ÂNCORAS, NAVEGANDO PELO MAR DE SUAS ESPERANÇAS*
*Recebo esse texto abaixo de um amigo carioca, Pasqual Macariello, velho macanudo, aposentado da Petrobras, morador da Tijuca e torcedor do América. Ele ficou encantado com uma poesia e um texto sobre o mesmo que lhe chegou às mãos via e-mail. Fui conferir e ao ver tratar-se de algo sobre RODRIGUES DE ABREU, alguém que viveu seus piores e melhores momentos por essas plagas bauruenses e hoje, infelizmente, quase ninguém mais se lembra de quem tenha sido, leio e me emociono. Ele também dá nome para a Biblioteca Central ali junto do Teatro Municipal. Registro abaixo a missiva em louvor do texto, da poesia e do até então poeta desconhecido, que para orgulho dos que conhecem sua poesia, é grandioso, até pela forma como resistiu bravamente ao conservadorismo da época de sua existência. Fui refletir sobre tudo isso à minha volta e os olhos logo se encheram de lágrimas (pudera, Cris Jardim nos deixou hoje), pois poetar hoje em dia é mais necessário do que imagina nossa vã filosofia.

"Caros todos,
Minha voz de hoje será d’outrem. Durante três anos na década de 50, Rubem Braga manteve, na revista Manchete, a seção A poesia é necessária. O Sabiá da Crônica, o Fazendeiro dos Ares, o Urso de Cachoeiro, desenterrou poetas pouco divulgados, ou mesmo esquecidos, e reviveu grandes momentos dos gênios da rima e artesãos da palavra. Desta experiência, e também da colaboração para a Revista Nacional, nasceu uma bela antologia, editada 25 anos depois da morte de Rubem.

Lendo a seleção poética, esbarrei com um, para mim, ilustre desconhecido. Rodrigues de Abreu, nascido no interior de São Paulo no final do século XIX, viveu apenas trinta anos. A poesia escolhida por Rubem, Mar desconhecido, me pegou no contrapé. Ora, meus amigos, vamos e venhamos, não é todo dia que se tem essa fina sintonia (perdão pela rima involuntária e sofrível). Abreu fala do desafio de fugir da rotina, de navegar por rotas jamais desenhadas, da excitação e do desconforto da mudança. Por mais que se planeje, uma transição nunca é trivial, e a metáfora do mar revolto e misterioso é muito apropriada. Isso me faz lembrar de um filme do final dos anos 80, Tucker. Baseado em fatos reais, conta a história de Preston Tucker, projetista inquieto, que desenhou, nos anos 40, o modelo de um carro revolucionário, de preço competitivo e com equipamentos inéditos de segurança. Sabotado pelas grandes montadoras e seu lobby no Congresso americano, foi forçado a abandonar o projeto. No final do filme, com a pequena equipe em frangalhos, Tucker não parece ter sido atingido pelo fracasso e parte novamente rumo ao desconhecido. Quantos Tuckers existirão por aí ? Quantos marujos preferem ficar no cais, com medo de enjoo, e perdem crepúsculos deslumbrantes ? Quantos poetas, com qualidade igual ou superior à de Bob Dylan, mudam silenciosamente o mundo, a cada minuto, a cada esquina, fora do radar do prêmio Nobel ?

Agora, chega de blá-blá-blá. Respeitável público, com vocês Rodrigues de Abreu.
Abraço
Jacques".

Mar Desconhecido
Se eu tivesse tido saúde, rapazes,
não estaria aqui fazendo versos.
Já teria percorrido todo o mundo.
A estas horas, talvez os meus pés estivessem quebrando
o último bloco de gelo
da última ilha conhecida de um dos polos.
Descobriria um mundo desconhecido,
para onde fossem os japoneses
que teimam em vir para o Brasil...
Porque em minha alma se concentrou
toda a ânsia aventureira
que semeou nos cinco oceanos deste mundo
buques de Espanha e naus de Portugal!
Rapazes, eu sou um marinheiro!

Por isso em dia vindouro, nevoento,
porque há de ser sempre de névoa esse dia supremo,
eu partirei numa galera frágil
pelo Mar Desconhecido.
Como em redor dos meus antepassados
que partiram de Sagres e de Palos,
o choro estalará em derredor de mim.

Será agudo e longo como um uivo,
o choro de minha tia e minha irmã.
Meu irmão chorará, castigando, entre as mãos, o pobre
rosto apavorado.
E até meu pai, esse homem triste e estranho,
que eu jamais compreendi, estará soluçando,
numa angústia quase igual à que lhe veio,
quando mamãe se foi numa tarde comprida...

Mas nos meus olhos brilhará uma chama inquieta.
Não pensem que será a febre.
Será o Sant Elmo que brilhou nos mastros altos
das naves tontas que se foram à Aventura.

Saltarei na galera apodrecida,
que me espera no meu porto de Sagres,
no mais áspero cais da vida.
Saltarei um pouco feliz, um pouco contente,
porque não ouvirei o choro de minha mãe.
O choro das mães é lento e cansado.
E é o único choro capaz de chumbar à terra firme
o mais ousado mareante.

Com um golpe rijo cortarei as amarras.
Entrarei, um sorriso nos lábios pálidos,
pelo imenso Mar Desconhecido.
Mas, rapazes, não gritarei JAMAIS!
não gritarei NUNCA! não gritarei ATÉ A OUTRA VIDA!
Porque eu posso muito bem voltar do Mar Desconhecido,
para contar a vocês as maravilhas de um país estranho.
Quero que vocês, à moda antiga, me bradem BOA VIAGEM!,
e tenham a certeza de que serei mais feliz.
Eu gritarei ATÉ BREVE!, e me sumirei na névoa espessa,
fazendo um gesto carinhoso de despedida.

Um comentário:

Henrique disse...

COMENTÁRIOS VIA FACEBOOK:
Walisson Walisson Walisson Terá sido bom atacante ? , Poeta foi dos melhores

Giselle Pertinhes Esse Pasqual Jose Macariello é por acaso meu tio do coração?

Henrique Perazzi de Aquino Exato. Saudade do torcedor do América e cubanista juramentado lá da Tijuca. Recebo quase diariamente emails dele e todos muito bons.

Giselle Pertinhes Mas ele e vascaíno doente
.esta na diretoria do vasco.....meu tio eé Eurico.....kkklkk

Henrique Perazzi de Aquino Vasco e América, enfim, todo tijucano tem um pouco de América.

Maria Celia Perazzi Henrique, mas que lindeza essa história, bem como o doce poema de Rodrigues de Abreu. Obrigada! Bj

Manoel Carlos Rubira Poema maravilhoso!

Luiz Vitor Martinello Rodrigues de Abreu era reverenciado por grandes poetas de sua época: Menotti del Pichia, Guilherme de Almeida, Manuel Bandeira, Drummond!

Henrique Perazzi de Aquino Essa poesia foi escrita tanto tempo atrás, lá pelos anos 20 e me parece tão atual. Eu com essa vontade louca de fazer uma viagem dessa, mandar a merda a situação atual e ir em busca desse tal Mar Desconhecido, sem saber dos perigos todos da aventura, mas indo, pois aqui está difícil de ficar. Preciso depois do toque dado pelo amigo carioca, ler mais poesia, ler mais Abreu. Fiquei com vontade de emoldurar o poema.

Lazaro Carneiro Carneiro somos poemas emoldurados pelas nossas dificuldades e picuinhas, pelo nosso adestramento nos tornamos burro de carga de um sistema que nos garante a ração diária e a sensação de que fora disso não há vida até que seremos descartado como lixo humano feli...Ver mais

Duilio Duka HENRIQUE, Henrique Perazzi de Aquino MEU QUERIDO, PARABÉNS PELO BELÍSSIMO TEXTO E ASSUNTO ABORDADOS!

É COMO UMA VIAGEM Á INFÂNCIA!
COMO ERA GOSTOSO SER CRIANÇA!
SER CRIANÇA NESTA CIDADE DE ESPANTO!

RODRIGUES DE ABREU ESTÁ PARA BAURU,
ASSIM COMO A GAROA ESTÁ PARA SÃO PAULO OU O TEATRO MUNICIPAL PARA A SEMANA DE ARTE MODERNA DE 22.
ASSIM COMO OS "400" ESTÁ PARA O RIO OU A LAPA PARA O SAMBA E O CHORINHO.
ASSIM COMO CARLOS ESTÁ PARA ITABIRA-MINAS GERAIS OU DRUMMOND PARA COPACABANA E A POESIA
ASSIM COMO A ANTOLOGIA POÉTICA ESTÁ PARA OS BAURUENSES OU VITOR Luiz Vitor Martinello PARA NOVOS/VELHOS POETAS E A ESTA CIDADE DE ESPANTO!

Antonio Gonçalves · 5 amigos em comum
Mandar a merda a situação atual e ir em busca desse tal Mar Desconhecido é a coisa mais coerente que ouvi nos últimos tempos.Henrique quando quiser partir é só falar,moro a Beira mar,estou no aguardo.Obrigado.

Isabel Catarina Melo Sena · 29 amigos em comum
Lindo texto, linda poesia...