CARTAS (164)

VELHAS CONTRADIÇÕES GLOBAIS*

* Carta de minha lavra e responsabilidade publicada edição de hoje na Tribuna do Leitor, do Jornal da Cidade Bauru SP. Faz uma alusão ao núcleo da novela claramente esquerdista, "petista" (seus militantes são assim até hoje), de resistência também contra o Golpe impetrado ao país e na contramão da linha de ação da TV Globo. Leia a seguir:

"A arte imita a vida e em algumas vezes da forma mais irônica possível. Verdadeiro tapa na própria cara. A TV Globo e parte da mídia nativa abominam tudo advindo desse tal de PT, possuindo ojeriza a movimentos sociais, justas reivindicações trabalhistas e povo nas ruas. Explícito isso em seus noticiários. Uma telenovela, recém-encerrada, demonstra o contrário. "Velho Chico", direção de Luiz Fernando Carvalho, horário nobre e na contramão de muito do que vai pela telinha do plim plim. Rir para não chorar. Eu choro, não só pela morte dos atores, o militante e o padre, mas por algo mais a embaralhar tudo no teatro da vida.

O final da novela é o oposto do que se vê pregado nos noticiários da emissora. É a desbragada vitória do social sobre o neoliberalismo, coronelismo, agronegocismo e o pedantismo arrogante e predatório. Esses dois lados, sempre opostos e a se digladiar, estiveram em batalha durante toda a trama televisiva. De um lado, os coronéis (alusão aos do campo e das cidades, esses do asfalto) e do outro, o povo se organizando, resistindo pelas beiradas, galgando degrau a degrau o reconhecimento de serem o lado palatável da questão. Evidente a luta contra os desmandos no campo e nas cidades. Explícita e subliminar a mensagem repassada, a da existência de um lado certo no imbróglio. Não existe como esconder o óbvio ululante.

O patrão, latifundiário, coronel, político eleito para perpetuar as injustiças, seus capangas e meios ilícitos de perpetuação no poder pulularam na telinha. Escancarado nesses o não cumprimento de legislação, ou melhor, a Constituição só é cumprida quando não fere os interesses da classe dominante. Só que ao final da trama, a TV se curva ao mito da eterna luta do bem contra o mal. E o bem vence.

E o que estaria ali representado como o bem? O trabalhador do campo, aquele que por décadas penou sob o insano tacão do desrespeito. Olhando para esses todos ali representados na novela, eis a carinha de gente como Chico Mendes e tantos outros esgrimistas sociais. Até mesmo o do ex-presidente Lula, por tudo o que representa para esses todos. Impossível não fazer a associação. Impossível não trazer para o lado do mundo real o que se sucedeu ali na ficção, essa eivada de muita realidade, bem brasileira, bem a nossa cara.

Só não enxergou quem não quis ver ou quem continua com os óculos sujos, não fazendo questão nenhuma de limpá-los, pois deseja continuar enxergando vesgamente. Na trama, a TV Globo mostrou onde está a Justiça, o bom senso (até o coronel um dia cai em si), o lado certo desse nosso mundo, o vivenciado de forma trágica ali na realidade da curva da esquina e não nos palacetes onde são decididas as questões nacionais. Sem querer querendo, deixaram escapar que o lado defendido por ela, TV Globo não é nada palatável e o certo é o dos que, ao final da trama se fizeram vitoriosos, mesmo com a capitulação do opressor e não com a consumação da revolta popular. Misturemos tudo no mesmo liquidificador, realidade e fantasia na busca de entender quem está com a razão. Pra bom entendedor meia palavra basta. Um dia o povo vencerá também a contenda na vida real. Viva Luiz Fernando Carvalho!"